quarta-feira, 19 de julho de 2017

O desplante do inócuo relatório da CPI à gestão da CGD

No dia 29 de junho, anunciava-se que as primeiras conclusões da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre a recapitalização e gestão da CGD (Caixa Geral de Depósitos), então aprovadas por unanimidade pelos deputados, seriam publicadas no passado dia 3 de julho.
Naquele dia de junho, os deputados da referida CPI aprovaram também por unanimidade um novo calendário que previa o prolongamento dos trabalhos da comissão por mais 15 dias do que o inicialmente previsto: até 18 de julho. Dentro deste prolongamento do prazo do termo dos trabalhos, o deputado do PS Carlos Pereira, relator, teve de entregar até ao dia 3, o relatório preliminar da CPI, com as primeiras conclusões dos deputados sobre a gestão e recapitalização do banco público. E os deputados tiveram depois até ao dia 10 tempo para a apresentação de propostas de alteração ao relatório preliminar, tendo ficado Carlos Pereira responsável por entregar a versão final do documento no dia 14, para que fosse votada no dia 18.
Costa Neves, deputado socialdemocrata explicou que o PSD votara favoravelmente o novo calendário para “permitir operacionalidade” aos trabalhos, mas advertiu que isso não significa concordância com o termo dos mesmos, por, no seu entender e no do partido, não terem sido obtidas “as clarificações necessárias”, pois, “estão pendentes diligências que permitiam essa clarificação”.
A CPI vem-se debruçando sobre a gestão da CGD, o banco público, de 2000 a 2016, culminando no processo de recapitalização de cerca de 5.000 milhões de euros, aprovado entre o Governo português e a Comissão Europeia, depois de a CGD ter apresentado um prejuízo histórico de 1.859 milhões de euros em 2016.
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Entretanto, a montanha pariu um rato. Depois de tantas e tais diligências, segundo o Expresso, o relator das conclusões preliminares do relatório à gestão da CGD entre 2000 e 2016 admite que foram cometidos “erros de análise”, mas atira parte da responsabilidade das necessidades recentes de capital da CGD à crise. Com base nos 19 testemunhos de responsáveis políticos e ex-gestores que marcaram presença na CPI, o relatório afasta a ideia de ter havido “pressões da tutela para ‘créditos de favor’’ e recomenda a manutenção da CGD na esfera pública.
Porém, é de notar os relatos feitos na CPI contradizem o balanço do banco público, que foi obrigado, em 2012, a uma recapitalização no montante de €750 milhões de euros e, em 2016, a outra no montante de cerca de €5 mil milhões. Mais: entre 2005 e 2010, a CGD concedeu um conjunto de empréstimos de centenas de milhares de euros sem as devidas garantias ou com garantias frágeis (obviamente a indivíduos e empresas não pobres) – operações que se transformaram em crédito malparado e nas badaladas imparidades, pressionando os rácios do banco. Em 2016, por exemplo, a CGD teve um prejuízo de €1,8 mil milhões e imparidades de mais de 3000 milhões de euros. Todavia, o relator sublinha que “em nenhuma situação ocorreram declarações na CPI que permitissem concluir da existência de práticas de pressão da tutela para a aprovação de créditos em nenhum dos períodos em análise”. E, como refere não tendenciosamente (!) o relator, ficou a crise com a parte de leão da responsabilidade da magna necessidade de capital:
“É óbvio que, à medida que a crise se foi acentuando e os problemas foram surgindo na CGD, designadamente ao nível do incumprimento de crédito ou da desvalorização dos ativos, a malha foi-se tornando mais apertada e foram sendo introduzidas alterações estruturais de relevo, nem sempre por decisão própria”.
Entretanto, estranhamente reconhece o relator que as conclusões preliminares são condicionadas pelas recusas de informação por parte da CGD, do MF (Ministério das Finanças), do BdP (Banco de Portugal) e da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários). Ao invés de colaborarem com a CPI – Que seria de um cidadão que não colaborasse com a Justiça ou com uma CPI ou lhes criasse entraves (?!) – estas respeitáveis e impolutas entidades criaram “entrave aos trabalhos dos deputados”, obrigando a deduzir, por isso, as conclusões sobretudo a partir dos depoimentos de ex-presidentes e administradores do banco público. Também o facto de o inquérito parlamentar decorrer com um banco em pleno funcionamento – uma singularidade – levantou muitas questões, sobretudo as atinentes ao sigilo bancário e à não quebra da confiança, que afetaram o andamento dos trabalhos. Outra dificuldade resultou do facto de a CPI trabalhar a par de outra CPI em torno do banco público focada na atuação do Governo na nomeação e saída de António Domingues, para ser substituído, em fevereiro, por Paulo Macedo.
Como era de esperar, nenhum dos gestores chamados à CPI reconheceu que as suas equipas tenham concedido crédito sem cumprir os critérios de avaliação do risco, admitindo quando muito, “erros de análise de projeto e de previsões ou a inesperada dimensão da crise económica e financeira que teve início com o subprime em 2008”.
Apesar de tudo, constam do relatório os casos mais falados e escrutinados: a transferência do Fundo de Pensões para a CGA (Caixa Geral de Aposentações); o processo relacionado com a operação de venda do grupo Champalimaud; a aquisição de participações financeiras no BCP; os créditos concedidos para os projetos de Vale do Lobo (hoje sob investigação); o projeto La Seda (em reestruturação); a autoestrada Douro Litoral; e a venda da participação da Caixa na Cimpor aos brasileiros Camargo Corrêa. Mais: grande parte dos empréstimos tóxicos sucedeu quando Carlos Santos Ferreira e Armando Vara lideravam a CGD e José Sócrates era primeiro-ministro.
É óbvio que não era espectável que se encontrasse qualquer documento que oferecesse prova de que a tutela tivesse forçado ou recomendado um crédito avultado. Estavam os deputados à espera de quê? Mas a falta de documento prova a não ingerência Política?
Entretanto, Carlos Pereira refere no texto que a “crise económica e financeira” dos últimos anos “mostrou a importância” de se ter um banco com capital 100% público “para ajudar a reforçar a estabilidade do sistema financeiro”. Por isso, salienta-se a recomendação de que a CGD se mantenha pública. Diz uma passagem do relatório:
“A CGD deve ser um instrumento que reforça a soberania do país na orientação e condução de uma política de crédito, captação de poupanças e financiamento da economia”.
Também é referida a questão do crédito malparado, matéria que se apresenta como “um dos maiores desafios do sistema financeiro português”, devendo ser consensualizada uma resposta ao problema. Estima-se que metade dos créditos problemáticos esteja provisionada, mas sugere-se a criação dum mecanismo que trate do crédito malparado do sistema financeiro português.
Refere-se, por outro lado, que a capitalização de 2012 (€750 milhões e de €900 milhões de Cocos, agora convertidos em capital) foi “feita pelos mínimos”, quando devia ter sido “mais robusta e mais reforçada”; e que as causas dessa capitalização são praticamente consensuais entre os intervenientes, resumindo-se à crise económica e ao aprofundamento das exigências regulatórias, “obrigando o banco a mais capital”.
Só me pergunto se foi a troika a impedir ou a dificultar a capitalização mais robusta e reforçada!
Outra matéria amplamente debatida nas audições foi a estratégia de internacionalização, nomeadamente a abordagem do mercado espanhol. A isto, o relatório que, “nesta questão, ficou mais ou menos claro não ter existido uma orientação com visão estratégica firme e consistente por parte da tutela”. E vai mais longe, ao verificar:
“A demonstração da falta de visão estratégica relativamente à internacionalização da CGD, com responsabilidades para o acionista, está presente nas diferentes referências a esta questão nos diferentes planos que foram sendo implementados, desde o Projeto Líder no triénio 2005-2007”.
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Por fim, o dia 18 ditou a votação final inconclusiva, mas os trabalhos formam mesmo encerrados. PS, BE e PCP votaram a favor da versão definitiva do relatório, mas a ausência de dois deputados do PS resultou num empate que ditou o “chumbo” político do relatório.
Sete contra sete. Os grupos parlamentares do PS, Bloco de Esquerda e PCP votaram a favor do relatório final da comissão parlamentar de inquérito à recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos. O PSD votou contra o que denomina de “pseudorrelatório” (e o coordenador do PSD prescindiu do uso da palavra por isso), já que os deputados não tiveram acesso à documentação pedida ao BdP, à CGD e à CMVM. E o CDS-PP contestou a condução dos trabalhos da comissão.
Já Bloco de Esquerda e o PCP acolheram o facto de o relatório final, redigido pelo deputado Carlos Pereira, incluir várias das propostas de alteração que fizeram à versão preliminar do documento, embora o PCP não estivesse totalmente de acordo com toas as recomendações.
Porém, o cenário de “sete contra sete votos” apresentou um número insuficiente para aprovar o relatório. E o Presidente da Comissão, Emídio Guerreiro, teve de proclamar o veredicto, “Está chumbado”, uma vez que se deu o empate na votação do relatório principal. A votação geral resultou no “chumbo” global do relatório.
Carlos Pereira destacou, sobre a política de concessões de crédito, que “não foi possível constatar se houve pressões do acionista Estado” – um dos pontos mais contestados da versão preliminar. Porém, na versão final, o deputado socialista já não exclui a hipótese de tais pressões terem existido. Com efeito, houve referências claras a pressões para mudanças de administrações” do banco público, lembra Carlos Pereira, nomeadamente na audição de Luís Campos e Cunha, que acusou José Sócrates, então primeiro-ministro (espera-se o desmentido), de o ter pressionado para afastar a administração da CGD, à data liderada por Vítor Martins.
A segunda votação, ponto a ponto, fizera aprovar 5 pontos das 7 recomendações do documento. A votação destes sete pontos contou já com a votação dos deputados João Galamba e Susana Amador, ausentes na votação geral. A isto, Emídio Guerreiro disse:
“Esta é a terceira comissão de que faço parte e nunca pensei que fosse tão difícil gerir esta comissão. O facto de não existir vontade de todos os grupos parlamentares na participação desta comissão cria dificuldades na sua realização. No fim de tudo isto, quem não sai beneficiado é a imagem do Parlamento e dos parlamentares.”.
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Sem a colaboração técnica das entidades responsáveis pelas finanças, para que serviu a CPI? Se foi para dizer que a CGD deve ficar na esfera pública, que houve interferência política, crédito concedido a malandros e sem garantias ou que devemos ter um mecanismo que resolva o crédito mal parado – ficamos muito gratos, mas já sabíamos.
Valeu pelo debate: os nossos queridos representantes e os ilustres depoentes desenferrujaram a língua, limparam os ouvidos e protegeram as narinas. É tudo. Merecem todos o seu “pobre” vencimento mensal e as férias nas Seichelles, lá onde não fazem mal nenhum.

2017.07.19 – Louro de Carvalho

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