No
dia 29 de junho, anunciava-se que as primeiras
conclusões da CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito)
sobre a recapitalização e gestão da CGD (Caixa
Geral de Depósitos), então aprovadas por unanimidade pelos deputados, seriam publicadas
no passado dia 3 de julho.
Naquele dia
de junho, os deputados da referida CPI aprovaram também por unanimidade um novo
calendário que previa o prolongamento dos trabalhos da comissão por mais 15
dias do que o inicialmente previsto: até
18 de julho. Dentro deste prolongamento do prazo do termo dos trabalhos, o
deputado do PS Carlos Pereira, relator, teve de entregar até ao dia 3, o relatório
preliminar da CPI, com as primeiras conclusões dos deputados sobre a gestão e
recapitalização do banco público. E os deputados tiveram depois até ao dia 10 tempo
para a apresentação de propostas de alteração ao relatório preliminar, tendo
ficado Carlos Pereira responsável por entregar a versão final do documento no
dia 14, para que fosse votada no dia 18.
Costa
Neves, deputado socialdemocrata explicou que o PSD votara favoravelmente o novo
calendário para “permitir operacionalidade” aos trabalhos, mas advertiu que
isso não significa concordância com o termo dos mesmos, por, no seu entender e no
do partido, não terem sido obtidas “as clarificações necessárias”, pois, “estão
pendentes diligências que permitiam essa clarificação”.
A CPI vem-se
debruçando sobre a gestão da CGD, o banco público, de 2000 a 2016, culminando
no processo de recapitalização de cerca de 5.000 milhões de euros, aprovado
entre o Governo português e a Comissão Europeia, depois de a CGD ter
apresentado um prejuízo histórico de 1.859 milhões de euros em 2016.
***
Entretanto,
a montanha pariu um rato. Depois de tantas e tais diligências, segundo o Expresso, o relator das conclusões
preliminares do relatório à gestão da CGD entre 2000 e 2016 admite que foram
cometidos “erros de análise”, mas atira parte da responsabilidade das
necessidades recentes de capital da CGD à crise. Com base nos 19 testemunhos de
responsáveis políticos e ex-gestores que marcaram presença na CPI, o relatório
afasta a ideia de ter havido “pressões da tutela para ‘créditos de favor’’ e
recomenda a manutenção da CGD na esfera pública.
Porém, é de notar os relatos feitos na CPI contradizem
o balanço do banco público, que foi obrigado, em 2012, a uma recapitalização no
montante de €750 milhões de euros e, em 2016, a outra no montante de cerca de
€5 mil milhões. Mais: entre 2005 e 2010, a CGD concedeu um conjunto de
empréstimos de centenas de milhares de euros sem as devidas garantias ou com
garantias frágeis (obviamente a indivíduos e empresas não
pobres) – operações que se
transformaram em crédito malparado e nas badaladas imparidades, pressionando os
rácios do banco. Em 2016, por exemplo, a CGD teve um prejuízo de €1,8 mil
milhões e imparidades de mais de 3000 milhões de euros. Todavia, o relator
sublinha que “em nenhuma situação ocorreram declarações na CPI que permitissem
concluir da existência de práticas de pressão da tutela para a aprovação de
créditos em nenhum dos períodos em análise”. E, como refere não
tendenciosamente (!) o relator, ficou a crise com a parte de leão da
responsabilidade da magna necessidade de capital:
“É óbvio que, à medida que a crise se foi
acentuando e os problemas foram surgindo na CGD, designadamente ao nível do
incumprimento de crédito ou da desvalorização dos ativos, a malha foi-se
tornando mais apertada e foram sendo introduzidas alterações estruturais de
relevo, nem sempre por decisão própria”.
Entretanto, estranhamente reconhece o relator que as
conclusões preliminares são condicionadas pelas recusas de informação por parte
da CGD, do MF (Ministério das Finanças), do BdP (Banco de Portugal) e da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários). Ao invés de colaborarem com a CPI – Que seria de um cidadão que não colaborasse com
a Justiça ou com uma CPI ou lhes criasse entraves (?!) – estas respeitáveis
e impolutas entidades criaram “entrave aos trabalhos dos deputados”, obrigando
a deduzir, por isso, as conclusões sobretudo a partir dos depoimentos de
ex-presidentes e administradores do banco público. Também o facto de o
inquérito parlamentar decorrer com um banco em pleno funcionamento – uma singularidade
– levantou muitas questões, sobretudo as atinentes ao sigilo bancário e à não
quebra da confiança, que afetaram o andamento dos trabalhos. Outra dificuldade
resultou do facto de a CPI trabalhar a par de outra CPI em torno do banco
público focada na atuação do Governo na nomeação e saída de António Domingues,
para ser substituído, em fevereiro, por Paulo Macedo.
Como era de esperar, nenhum dos gestores chamados à
CPI reconheceu que as suas equipas tenham concedido crédito sem cumprir os
critérios de avaliação do risco, admitindo quando muito, “erros de análise de
projeto e de previsões ou a inesperada dimensão da crise económica e financeira
que teve início com o subprime em
2008”.
Apesar de tudo, constam do relatório os casos mais
falados e escrutinados: a transferência do Fundo de Pensões para a CGA (Caixa Geral de Aposentações); o processo relacionado com a operação de venda do grupo Champalimaud; a
aquisição de participações financeiras no BCP; os créditos concedidos para os
projetos de Vale do Lobo (hoje sob investigação); o projeto La Seda (em reestruturação); a autoestrada Douro Litoral; e a venda da participação da Caixa na
Cimpor aos brasileiros Camargo Corrêa. Mais: grande parte dos empréstimos
tóxicos sucedeu quando Carlos Santos Ferreira e Armando Vara lideravam a CGD e
José Sócrates era primeiro-ministro.
É óbvio que não era espectável que se encontrasse qualquer
documento que oferecesse prova de que a tutela tivesse forçado ou recomendado
um crédito avultado. Estavam os deputados à espera de quê? Mas a falta de documento
prova a não ingerência Política?
Entretanto, Carlos Pereira refere no texto que a
“crise económica e financeira” dos últimos anos “mostrou a importância” de se
ter um banco com capital 100% público “para ajudar a reforçar a estabilidade do
sistema financeiro”. Por isso, salienta-se a recomendação de que a CGD se
mantenha pública. Diz uma passagem do relatório:
“A CGD deve ser um instrumento que reforça
a soberania do país na orientação e condução de uma política de crédito,
captação de poupanças e financiamento da economia”.
Também é referida a questão do crédito malparado, matéria
que se apresenta como “um dos maiores desafios do sistema financeiro
português”, devendo ser consensualizada uma resposta ao problema. Estima-se que
metade dos créditos problemáticos esteja provisionada, mas sugere-se a criação
dum mecanismo que trate do crédito malparado do sistema financeiro português.
Refere-se, por outro lado, que a capitalização de 2012
(€750 milhões e de €900 milhões de Cocos, agora convertidos em capital) foi “feita pelos mínimos”, quando devia
ter sido “mais robusta e mais reforçada”; e que as causas dessa capitalização são
praticamente consensuais entre os intervenientes, resumindo-se à crise
económica e ao aprofundamento das exigências regulatórias, “obrigando o banco a
mais capital”.
Só me pergunto se foi a troika a impedir ou a dificultar
a capitalização mais robusta e reforçada!
Outra matéria amplamente debatida nas audições foi a
estratégia de internacionalização, nomeadamente a abordagem do mercado
espanhol. A isto, o relatório que, “nesta questão, ficou mais ou menos claro
não ter existido uma orientação com visão estratégica firme e consistente por
parte da tutela”. E vai mais longe, ao verificar:
“A demonstração da falta de visão
estratégica relativamente à internacionalização da CGD, com responsabilidades
para o acionista, está presente nas diferentes referências a esta questão nos
diferentes planos que foram sendo implementados, desde o Projeto Líder no
triénio 2005-2007”.
***
Por
fim, o dia 18 ditou a votação final inconclusiva, mas os trabalhos formam mesmo
encerrados. PS, BE e PCP
votaram a favor da versão definitiva do relatório, mas a ausência de dois
deputados do PS resultou num empate que ditou o “chumbo” político do relatório.
Sete contra sete. Os grupos parlamentares do PS, Bloco
de Esquerda e PCP votaram a favor do relatório final da comissão parlamentar de
inquérito à recapitalização e gestão da Caixa Geral de Depósitos. O PSD votou
contra o que denomina de “pseudorrelatório” (e o coordenador do PSD
prescindiu do uso da palavra por isso), já que os deputados não tiveram acesso à documentação pedida ao BdP, à
CGD e à CMVM. E o CDS-PP contestou a condução dos trabalhos da comissão.
Já Bloco de Esquerda e o PCP acolheram o facto de o
relatório final, redigido pelo deputado Carlos Pereira, incluir várias das
propostas de alteração que fizeram à versão preliminar do documento,
embora o PCP não estivesse totalmente de acordo com toas as recomendações.
Porém, o cenário de “sete contra sete votos”
apresentou um número insuficiente para aprovar o relatório. E o Presidente da
Comissão, Emídio Guerreiro, teve de proclamar o veredicto, “Está chumbado”, uma
vez que se deu o empate na votação do relatório principal. A votação geral
resultou no “chumbo” global do relatório.
Carlos Pereira destacou, sobre a
política de concessões de crédito, que “não foi possível constatar se houve
pressões do acionista Estado” – um dos pontos mais contestados da versão
preliminar. Porém, na versão final, o deputado socialista já não exclui a hipótese
de tais pressões terem existido. Com efeito, houve referências claras a pressões para mudanças de
administrações” do banco público, lembra Carlos Pereira, nomeadamente na
audição de Luís Campos e Cunha, que acusou José Sócrates, então
primeiro-ministro (espera-se o desmentido), de o ter pressionado para afastar a administração da CGD, à data
liderada por Vítor Martins.
A segunda votação, ponto a ponto, fizera aprovar 5 pontos
das 7 recomendações do documento. A votação destes sete pontos contou já com a
votação dos deputados João Galamba e Susana Amador, ausentes na votação geral. A
isto, Emídio Guerreiro disse:
“Esta é a terceira comissão de que faço
parte e nunca pensei que fosse tão difícil gerir esta comissão. O facto de não
existir vontade de todos os grupos parlamentares na participação desta comissão
cria dificuldades na sua realização. No fim de tudo isto, quem não sai
beneficiado é a imagem do Parlamento e dos parlamentares.”.
***
Sem a colaboração técnica das entidades responsáveis pelas finanças, para
que serviu a CPI? Se foi para dizer que a CGD deve ficar na esfera pública, que
houve interferência política, crédito concedido a malandros e sem garantias ou
que devemos ter um mecanismo que resolva o crédito mal parado – ficamos muito
gratos, mas já sabíamos.
Valeu pelo debate: os nossos queridos representantes e os ilustres depoentes
desenferrujaram a língua, limparam os ouvidos e protegeram as narinas. É tudo. Merecem
todos o seu “pobre” vencimento mensal e as férias nas Seichelles, lá onde não fazem mal nenhum.
2017.07.19 – Louro de Carvalho
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