terça-feira, 10 de maio de 2016

As principais vítimas da troika foram os mais pobres

Decorreu, a 9 de maio, no Hotel Santarém, na cidade do mesmo nome, o Encontro Nacional de Associados da Rede Europeia Antipobreza, sendo este um dos modos de assinalar o 25.º aniversário da sua presença em Portugal. O tema do evento foi “A luta contra a pobreza e a exclusão social nos últimos 25 anos: conquistas e desafios”. E o objetivo foi:
Promover a reflexão estratégica sobre a intervenção da organização no combate à pobreza e à exclusão social, envolvendo alguns parceiros fundamentais para a definição duma atuação conjunta e concertada em torno da situação atual, contemplando os principais desafios, orientações e estratégias que a luta contra a pobreza e a exclusão social exige a nível nacional e europeu.
Antes de mais, é refira-se que a EAPN – European Anti Poverty Network (Rede Europeia Antiobreza) é tida como a maior rede europeia de redes nacionais, regionais e locais de ONGs, bem como de organizações europeias ativas na luta contra a pobreza. Criada em Bruxelas, em 1990, a EAPN está atualmente presente em 31 países, entre os quais se conta Portugal.
Estabelecida, a 17 de dezembro de 1991, a EAPN Portugal é reconhecida como Associação de Solidariedade Social de âmbito nacional, obtendo em 1995 o estatuto de ONGD (Organização Não Governamental para o Desenvolvimento). Sediada no Porto, estende a sua ação a todo o país através de 18 núcleos distritais. Em 2010, a Assembleia da República atribuiu-lhe o Prémio Direitos Humanos, por decisão unânime do júri, constituído no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O encontro de Santarém, que decorreu em conformidade com o programa atempadamente delineado e divulgado, constou de:
Sessão de Boas-vindas, com a participação do padre Jardim Moreira, Presidente da EAPN Portugal, Cláudia Joaquim, Secretária de Estado da Segurança Social, e Ricardo Gonçalves, Presidente da Câmara Municipal de Santarém;
Conferência de Abertura, “A Evolução recente dos Indicadores de Pobreza e de Exclusão Social”, por Carlos Farinha Rodrigues – ISEG;
I Painel: “A luta contra a pobreza e a exclusão social nos últimos 25 anos: conquistas e desafios”, com a participação José Alberto Reis, Vice-presidente da EAPN Portugal, moderador, Sandra Araújo, diretora executiva da EAPN Portugal, Sérgio Aires, da EAPN Europa, Joaquina Madeira, Coordenadora do Núcleo de Lisboa da EAPN Portugal, Cidália Barriga, Representante do Conselho Nacional de Cidadãos, e Edmundo Martinho, Vice-provedor da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa;  
Filme: “Os 25 anos da EAPN Portugal”
II Painel: “Apresentação do estudo “O Impacto da Crise no 3.º setor”, por Paula Cruz e Fátima Veiga, da EAPN Portugal – promovido pela EAPN Portugal em parceria com a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra;
Mesa-Redonda: “O Impacto da Crise no 3.º setor”, com a participação de Vítor Malheiros, do jornal Público, moderador, Paula Guimarães, da Fundação Montepio, Sílvia Ferreira, da Faculdade de Economia de Coimbra, Eduardo Graça, da CASES, e Carlota Quintão, da A3S.
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É de esclarecer, num breve parêntesis o que são a CASES e a A3S.
As grandes linhas definidoras da missão da CASES (Cooperativa António Sérgio para a Economia Social) são: reconhecer, promover, dinamizar, fortalecer e qualificar o setor da economia social.
Assente numa parceria efetiva entre o Estado e organizações representativas do setor da economia social e assumindo a forma jurídica de “cooperativa de interesse público”, a CASES tem por objeto a promoção do fortalecimento do setor da economia social, aprofundando a cooperação entre o Estado e as organizações que o integram, e pretende estimular o potencial do setor da economia social e das suas organizações, em prol do desenvolvimento socioeconómico do país, sob a orientação de 4 eixos estratégicos:
Colocação da economia social na agenda política nacional através da promoção do reconhecimento legal e institucional do setor;  reforço da aliança entre o setor da economia social e o Estado através da revitalização de modelos de interação entre o Estado, a sociedade civil organizada e o mercado; desenvolvimento de um conjunto de programas destinados a promover a criação de oportunidades para a modernização do setor da economia social; e promoção e apoio do empreendedorismo social e estímulo da capacidade empreendedora dos/as cidadãos/ãs e das organizações, visando o desenvolvimento sustentável.
Por seu turno, a A3S (associação para o empreendedorismo social e a sustentabilidade do terceiro setor) tem como principais objetivos, entre outros, a promoção do empreendedorismo social de base coletiva, do conhecimento e reconhecimento do terceiro setor, do trabalho em rede entre organizações e a prestação de serviços de consultoria.
Os valores fundamentais que orientam a ação da A3S são, designadamente, os seguintes:
Democracia participativa e corresponsabilização das pessoas e organizações; transparência na prestação de contas sociais, ambientais e económicos; coerência entre a intervenção e o ideário da economia social e solidária;
trabalho digno em contextos qualificantes e empoderadores; pensamento crítico na construção de alternativas; e lealdade e confiança nas relações com as diferentes pessoas e organizações.
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À saída do encontro, Sandra Araújo, diretora da executiva da EAPN Portugal, pronunciou-se sobre os contactos já mantidos com o atual governo (nomeadamente uma audiência com Vieira da Silva, Ministro da Segurança Social), declarando ter encontrado “abertura a um trabalho de parceria efetivo”, a par de “muita sensibilidade para a necessidade duma estratégia nacional” de combate à pobreza – o que permite acalentar a esperança de que o Governo comece a trabalhar com vista a diminuir a pobreza e a exclusão social.
Por outro lado, a organização, recebida em audiência pelo Presidente do Parlamento, desafiou mesmo a Assembleia da República a assumir o combate à pobreza como prioridade e a avaliar anualmente “as políticas públicas com impacto na pobreza e na exclusão social”. Sandra Araújo, muito contente com a recetividade de Ferro Rodrigues às ideias da Rede Antipobreza, revelou:
“Pedimos também que todos os anos fosse realizado um debate na Assembleia da República, onde fosse feita uma avaliação das políticas públicas com impacto na pobreza e na exclusão social”.
Espera, pois, a EAPN Portugal, com o apoio do Governo e do Presidente da Assembleia da República, encontrar a mesma abertura por parte dos partidos, pelo que afirmou:
“Temos agora que nos sentar à mesa com os outros partidos políticos e tentar perceber se existe, de facto, interesse e um compromisso para transformar a luta contra a pobreza num desígnio nacional”.
Além disso, a EAPN Portugal está a preparar uma petição pública em torno da necessidade de uma estratégia nacional de combate à pobreza. A este respeito Sandra Araújo sustentou:
“O objetivo é mobilizar toda a sociedade, todos os cidadãos e instituições para os sensibilizar para a importância de Portugal construir uma estratégia integrada de combate à pobreza e o que isso implica na mudança das políticas e na nossa forma de estar enquanto cidadãos”.
Neste encontro, foram apresentados vários estudos que registam o aumento da pobreza em Portugal e na Europa nos últimos anos e da importância das instituições sociais na resposta aos casos emergentes. Urge agora definir uma estratégia nacional para combater o problema.
Mas a Europa não ficou esquecida. O presidente da Rede Europeia Antipobreza é categórico quando fala da União Europeia. Sérgio Aires considera que a UE precisa duma “mudança total de paradigma”, tendo de “voltar às raízes da sua fundação e alterar o seu modelo económico”, procurando uma maior distribuição da riqueza.
Por sua vez, o padre Jardim Moreira anotou que se verificou “uma pobreza generalizada em todo o país e em todos os setores”, referiu o aumento das assimetrias e disse que as instituições de solidariedade social viram emagrecer os seus orçamentos a ponto de algumas terem de se endividar. A este respeito, explicitou:
 “As instituições, não tendo receitas, tiveram de emagrecer também as suas respostas, porque o dinheiro não chega. Algumas tiveram de se endividar, outras gastaram o que tinham, outras recorreram a voluntariado ou a patrocínios de gente e instituições que pudessem apoiar as despesas para poderem manter a sua instituição aberta.”.
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Porém, o que ressaltou foram as declarações de Carlos Farinha Rodrigues, professor do ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão), que defende uma estratégia de combate à pobreza que incida, sobretudo, nas crianças e nos jovens e que “tenha ao mesmo tempo uma dimensão na área dos recursos financeiros para essas famílias”. Por outro lado, “tem de ter medidas concretas de articulação com o sistema educativo”. De acordo com o docente, que coordenou o estudo sobre o impacto da intervenção da troika em Portugal, vai levar tempo a recuperar do retrocesso dos últimos anos mas o Governo parece ir no bom caminho, uma vez que, se na Europa mais de um quarto da população está em risco de pobreza, em Portugal foram os mais pobres que pior ficaram com a crise. O especialista frisa:
“O balanço social deste processo de ajustamento é, quase que poderíamos dizer, trágico. Regredimos em termos de indicadores de pobreza e exclusão social praticamente para o início do século”.
Entretanto, o investigador contraria a ideia de ter sido a classe média a ver mais reduzido o seu rendimento nos últimos anos. Para ele, os números mostram que os 10% mais pobres perderam 24% do rendimento. Em 2009-2013, “o rendimento dos 10% mais ricos desceu 8%. Analisando a quebra do rendimento dos 10% mais pobres, verifica-se que desceu 24%”. Apesar de comum a ideia de que foi a classe média que mais perdeu nos anos da troika em cortes salariais e aumento de impostos, enquanto os mais pobres estariam mais protegidos dos sacrifícios, a realidade desmente, segundo Rodrigues a propaganda do processo de ajustamento, pois os cortes nas prestações sociais levaram à queda acentuada do rendimento dos que tinham muito pouco.
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Não contesto as afirmações essenciais do especialista do ISEG e a frieza dos números, mas permito-me questionar se efetivamente a classe média foi ou não prejudicada como vem sendo afirmado comummente. É que tudo depende do que se entende por classe média. Concordarei com o investigador se à classe média pertencerem apenas os que auferem um rendimento mensal bruto entre os 6001 euros e os 1500, que foram relativamente mais poupados aos cortes. Mas não me digam que quem ganha 1600 euros pertence à classe alta! E o desemprego, nova pobreza, precariedade, aumento de preços e emigração não se abateram sobre a classe média?

2016.05.10 – Louro de Carvalho

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