Quem
o diz é Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, que esteve recentemente em
Portugal e que gere “uma pesada e lenta organização de 85 mil funcionários”,
mas onde quem manda efetivamente são os cinco membros do Conselho de Segurança
que detêm o direito de veto. Luísa Meireles ouviu-o em entrevista que a
“revista” do Expresso, de 28 de maio,
publicou. Do seu conteúdo retêm-se os elementos principais.
O mandato de
10 anos do líder executivo da ONU (Organização das Nações Unidas) ficou marcado por vários conflitos armados e por um
agravamento das condições de vida à escala global. Apesar de a ONU não ter um papel determinante nas
políticas económicas mundiais, tem a função de gestão das desigualdades e sua
correção ou minimização e de promoção da paz, ordem e estabilidade mundiais. Não
se distancia da nova ordem económica internacional.
No quadro
desta problemática, Ban Ki-Moon não esquece as crises que vêm eclodindo em todo
o mundo, destacando o que se tem passado na Síria, Líbia, Sudão do Sul e
noutros lugares (podia
ter referido o Iraque, o Afeganistão, a Tunísia e o Egito…). As crises que enuncia são, na sua
ótica, muito sérias, desenvolvem-se quase em simultâneo, inscrevem-se no âmbito
geral da crise humanitária e na crise de desenvolvimento, acompanhadas lateralmente
pelo espectro das alterações climáticas.
Atacar estas
crises exige uma boa dose de humildade e de dedicação e a consciência das
limitações em conseguir a sua irreversível solução, uma vez que a ONU é uma
instância internacional, sendo que os seus Estados-Membros têm dificuldade em
prescindir das suas perspetivas nacionais “muito estreitas”. Na verdade,
“quando abordamos questões globais, todos deveriam aqui chegar com uma visão
global para alcançarmos soluções globais”.
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Desafiado a
pronunciar-se sobre o mérito do seu desempenho, declara nunca ter hesitado em
enfrentar os problemas por mais difíceis e perigosos que sejam, tendo feito o
melhor que pôde. Mais: espera “ser lembrado como um secretário-geral que tentou
tornar as coisas melhores para todos, de coração”.
Depois,
enuncia as principais consecuções do seu duplo mandato. As nações “adaptaram a
agenda 2030 para o desenvolvimento a 17 objetivos sustentáveis” e, após anos e
anos de grande discussão, “adotaram o acordo de Paris para as alterações
climáticas”. Desde o primeiro dia, empenhou-se “em fazer aplicar os ODM (objetivos de desenvolvimento do
milénio) e agora os ODS
(objetivos de
desenvolvimento sustentável)”, que “são muito mais abrangentes, ambiciosos e visionários”.
Reconhece que
o acordo de Paris, embora não seja o fim, mas “o ponto de viragem para as
comunidades internacionais colocarem o mundo num caminho sustentável para
enfrentar as alterações climáticas”, assume a
cimeira de Paris como um momento-chave.
Revelou que a
comunidade internacional não estava desperta para a urgência de resolver as
alterações climáticas. Por isso, teve que ir a muitos sítios, como o Ártico (duas vezes), a Amazónia e o Chade, donde enviou
sinais de alarme para todo o mundo. Convocou encontros informais sobre a
matéria em 2007, 2009, 2013 e 2014. E convocou cimeiras sobre questões de
desenvolvimento em 2008, 2010, 2013 e 2015.
As agendas
climáticas e de desenvolvimento tiveram de começar a ser debatidas em paralelo,
porque, “sem debater as alterações climáticas, todos os ODS seriam seriamente
comprometidos, embora estes também abranjam os nossos esforços relativamente às
alterações climáticas”.
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Do que se
lamenta, em particular, é da negação, do ceticismo ou da indisponibilidade de
muitos líderes para a mudança das indústrias dependentes dos combustíveis
fósseis. Trata-se de um quadro mental “drasticamente virado para a economia do
carbono”. E Ban Ki-Moon apela constantemente a líderes e comunidades
empresariais e à sociedade civil no sentido de virem a privilegiar a economia
baseada na energia sustentável – solar, eólica e de marés. E sustenta que “esta
economia baseada nas emissões de baixo carbono é inevitável, é benéfica para
toda a economia no seu conjunto e já está a acontecer em todo o mundo”.
Entretanto,
não disfarça o enfrentamento dos desafios que se colocam à ONU. No mundo
inteiro, milhões de pessoas sofrem o impacto da guerra dos desastres naturais.
São as ondas enormes e contínuas de refugiados, os terrorismos organizados em
outros moldes, o crime violento organizado. De tudo isto resulta uma situação
de sofrimento humano cujo nível “é o mais elevado desde a II Guerra Mundial”.
Neste
contexto, defende que “precisamos e iniciar uma mudança na maneira como lidamos
com as crises e ajudamos as pessoas como uma comunidade global”. É preciso “dar
melhores respostas ao sofrimento e reduzir as necessidades na sua origem” e
sobretudo alicerçar a convicção de que “o custo de não fazer nada é demasiado
elevado”.
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No capítulo
dos migrantes e refugiados, menciona António Guterres como “um dos grandes
líderes das Nações Unidas”, salienta a sua “forte visão” e releva o facto de
como ACNUR (Alto
Comissário para os Refugiados) ter dado “um grande contributo à Humanidade”.
Hesita na
crítica às políticas europeias sobre migrantes e refugiados. Por um lado,
aprecia a generosidade dos europeus e o esforço de reunião dos líderes para discutirem
estas matérias; por outro, preocupam-no as atitudes de alguns Estados-Membros,
nomeadamente a sua relutância.
Ora,
tratando-se de um número sem precedentes de pessoas que deixam as suas casas
por falta de segurança ou por iminente perigo de vida, não podem servir de bode
expiatório dos males que acontecem por toda a parte nem podem ser
discriminados. Devem, antes, merecer solidariedade e generosidade. Por isso, o
secretário-geral, depois de ter convocado para Istambul a Cimeira Humanitária
Mundial, de 23 e 24 de maio, vai organizar uma convenção ao nível da ONU para
tratar dos assuntos dos migrantes e refugiados a nível global, a 19 de
setembro, esperando que venha a ter um impacto global na partilha de
responsabilidades.
Sobre a
Síria, após as diligências feitas e tendo em conta as que estão em curso, bem
como as graves questões de segurança que atingem algumas zonas populacionais,
refere a necessidade de se encontrar uma solução política e, simultaneamente,
de se fornecer assistência humanitária de emergência a muitos refugiados.
Em relação a
mais dois conflitos internos que grassam na Guiné-Bissau e em Moçambique,
afirma ter mobilizado os presidentes dos respetivos países, Portugal e os demais
Estados-Membros da CPLP, a União Europeia e a Comunidade Económica dos Estados
da África Ocidental para que envidem esforços no sentido de os líderes
ultrapassarem, em nome do bem comum, os diferendos que duram há muito tempo e que
já deviam estar ultrapassados para os países poderem avançar.
***
No entanto,
são muitos os que apontam à ONU a sobreposição da inércia organizativa à sua
missão humanitária. Revelam-se as fragilidades da ONU e as Nações Unidas como
entidade, como um todo, começam a perder uma certa autoridade e até
credibilidade no cenário mundial.
António Monteiro,
antigo embaixador com uma longa carreira diplomática ligada às Nações Unidas,
sustenta que “a ONU tem como principal objetivo zelar pela paz e pela segurança
internacionais e, portanto, o papel da ONU é sempre um papel desejavelmente
desempenhado no sentido de encontrar plataformas de entendimento sobretudo em
situações de extrema violência, como esta que se verifica no Médio Oriente”.
Todavia, refere as suas limitações:
“Infelizmente, desde a sua criação, as
Nações Unidas não conseguiram ter um papel fundamental na questão do Médio
Oriente. Mas isso não é culpa inteiramente das Nações Unidas, a culpa principal
aqui até talvez se possa dividir nos países que a compõem porque a vontade da
ONU é a vontade política dos países e sobretudo ao nível do Conselho de
Segurança.”.
O mandato de
Ban Ki-moon vem marcado por anos de vários conflitos e crises, crises
sucessivas que afetaram e afetam praticamente todo o mundo e em que o papel das
Nações Unidas foi em muitos aspetos subalternizado e até marginalizado.
Convenha-se que a culpa não cabe propriamente ao secretário-geral, mas ao ambiente
internacional, ao alastramento e agudização dos nacionalismos, à ótica
particular dos Estados-Membros, ao veto dos notáveis no conselho de Segurança e
à perda de força do multilateralismo”.
Tem razão
António Monteiro ao referir que, após o tempo de Kofi Annan, o escândalo do “Oil-for-food” e do surgimento dum novo olhar
de desconfiança sobre a ONU, “Ban Ki-moon teve um mandato mais tranquilo”, provavelmente
com menos visibilidade, mas mais sujeito ao modo como “os países olharam para
as Nações Unidas como instrumento principal da segurança, paz e estabilidade no
mundo”.
Se é verdade
que a visão de um homem tudo pode fazer na direção de uma agremiação em ordem
ao seu sucesso, também é certo que o bloqueio da parte dos grandes tudo pode
colocar em causa, travar os mais audazes projetos e inviabilizar os mais nobre
desígnios.
2016.05.29 – Louro de Carvalho
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