Entre
a data própria da solenidade do Corpus
Christi na Igreja Latina, que decorreu a 26 de maio, e a sua celebração no
domingo subsequente levada a cabo nalguns países e tendo em conta que se avizinha
a realização de dois congressos Eucarísticos Nacionais, o de Portugal, em
Fátima, de 10 a 12 de junho, e o do Brasil, em Belém do Pará, de 15 a 21 de
agosto, parece-me pertinente uma reflexão sobre o conteúdo e importância destes
eventos.
Um Congresso Eucarístico (CE),
seja qual for a sua dimensão geográfica é uma demonstração pública de fé na
presença real de Cristo na Eucaristia, com manifestações de ensinamento e
adoração, compromisso e testemunho. Através de serviços litúrgicos, cerimónias religiosas
públicas, secundadas por missões especializadas, reuniões de estudo, com o conveniente
aparato solene, a revelar o grande valor duma celebração organizada ao mais
alto nível, o CE
reveste-se de inquestionável significado espiritual, moralizador e didático
do maior valor, pelo que se considera da maior importância nos nossos tempos.
Um CE pode ser realizado: a nível
diocesano ou interdiocesano, em que são chamados a participar, todo o clero e
fiéis da(s) diocese(s) organizadora(s); a nível nacional, em que ficam
envolvidos, todo o clero e fiéis de uma nação inteira; e a nível internacional,
em que deve haver uma representação de todos os países do mundo católico.
Também
em algumas dioceses se realizaram congressos eucarísticos de nível arciprestal.
Pessoalmente, tive o ensejo de participar ativamente na organização e
celebração do Congresso Eucarístico Arciprestal de Sernancelhe, cujo
encerramento ocorreu a 13 de novembro de 1988 e que decorreu em paralelo com o
Congresso Arciprestal dos Leigos no mesmo arciprestado. E não posso deixar de
recordar o impulso que que os oradores deram à reflexão em torno da Eucaristia,
em particular Mons. Bouça Pires e Mons. Jacinto Botelho, agora bispo emérito de
Lamego, bem como a mensagem que o arcebispo-bispo de Lamego então endereçou ao
povo reunido na Praça do Município através do secretário-geral do congresso.
***
Os CE nasceram na segunda metade do século
XIX (no
ano de 1881) em França.
Foi Emilie Tamisier (1834 – 1910), orientada por S. Pedro Julião Eymard (1811 –
1868), conhecido como o Apóstolo da
Eucaristia, quem os inspirou, tomando algumas significativas iniciativas de
adoração eucarística e dando azo a que Marie
Marthe Tamisier de Touraine e Mons. Louis Gaston de Segur, com a comparticipação
do industrial Philibert Vrau, tomassem em mãos a organização do I Congresso Eucarístico
Internacional, com a ajuda de outros leigos, sacerdotes e bispos e com a
aprovação papal de Leão XIII. Realizou-se
na Universidade de Lille, em torno do
tema, “A Eucaristia salva o mundo”, com a presença de mais de 8000 pessoas da França, da Bélgica, da Holanda,
da Inglaterra, da Espanha, da Suíça, da Grécia, do México e do Chile.
Apostava-se então
numa renovada fé em Cristo presente na Eucaristia como remédio contra a
ignorância e a indiferença religiosas.
Inspirado
pela viva fé na presença real da pessoa de Jesus Cristo no sacramento da
Eucaristia, o culto desenvolvido nos primeiros congressos manifestava-se de
modo particular pela adoração solene e pelas grandiosas procissões que
evidenciavam a dimensão triunfal da Eucaristia.
A partir dos
decretos Sacra Tridentina Synodus (1905), sobre a comunhão frequente, e Quam Singularis (1910), sobre a comunhão das crianças, ambos de S. Pio X,
na preparação e na celebração dos Congressos, devia promover-se a comunhão frequente
dos adultos e a primeira comunhão das crianças. Com o pontificado de Pio XI, o CE ganhou dimensão internacional e
intercontinental, pois começou a ser celebrado rotativamente em todos os
Continentes, adquirindo uma vertente missionária e de “reevangelização” (termo já
usado para a preparação do Congresso de Manila de 1937). A partir do 37.° Congresso, celebrado em Munique em
1960, os Congressos Eucarísticos
Internacionais foram chamados statio orbis (designação
proposta pelo conhecido liturgista Josef Jungmann, SJ), com a celebração da Eucaristia como centro e ápice
de todas as várias manifestações e formas de devoção eucarística. Por seu
turno, o Concílio Vaticano II, com a Constitução Sacrosanctum Concilium, de 1963, a Instrução Eucharisticum
mysterium, de
1967 (n.º 67) e o Ritual Romano De sacra comunione e de
cultu mysterii eucaristici extra Missam, de 1973 (nn.109-112), apresentam a nova imagem e indicam os critérios
para a preparação e a celebração dos CE,
que se abriram, doravante aos problemas do mundo contemporâneo, ao ecumenismo e,
na fase de preparação, ao diálogo inter-religioso.
***
Um CE há de concitar a convergência de todas as pessoas que professam a fé
católica na realidade da Eucaristia e que desejam dar público testemunho da sua
fé, pessoal e comunitária, na presença real do Senhor Jesus, animando, consolando e
convertendo os fiéis. O
CE é uma demonstração pública da fé: Anunciamos a sua morte e proclamamos a sua
ressurreição! Vinde Senhor Jesus! O Papa
Leão XIII afirmou aos
organizadores do 1.º Congresso Eucarístico Internacional que os Congressos Eucarísticos nasceram “para acender em todos o fogo
celeste que Cristo trouxe à terra e que quer acender, sobretudo por meio da
Eucaristia”. Este é um objetivo
que as mais recentes orientações da Santa Sé concretizam em três direções: uma
catequese mais intensa sobre
a Eucaristia, especialmente enquanto mistério de Cristo, vivo e operante na
Igreja; uma participação mais ativa na
sagrada liturgia, que promova a religiosa escuta da Palavra de Deus e o
sentido fraterno da comunidade; e uma busca atenta de iniciativas e de uma
cuidadosa realização de obras sociais, que favoreçam a
promoção humana e a devida comunhão de bens, inclusive temporais, a exemplo da
comunidade cristã primitiva, de modo que a mesa Eucarística seja o centro
difusor do fermento do Evangelho.
Assim,
um CE não se pode resumir a um ciclo
de palestras, de atos adoração ao Santíssimo Sacramento, celebrações festivas
da Eucaristia, encontro e convívio de pessoas de muitas nações, raças e cores,
nem a um acontecimento passageiro (ainda que grandioso e
espetacular), nem a
alguns milhares de pessoas com possibilidade de se deslocarem a qualquer lugar
como em agradável passeio. O essencial do CE consiste na caminhada evangelizadora
que as pessoas e as comunidades são chamadas a fazer, para que a Eucaristia
seja percebida e assumida como mistério
de fé, mistério de doação e fonte de Liberdade. O CE, mais do que um
fruto, terá que ser uma semente, um dinamismo que alastra a todo o povo cristão,
no seguimento da ordem: Ide, é a missão!
O povo das
Escrituras caminhava rumo à Terra Prometida transportando consigo a arca da
aliança, com as tábuas da lei, orientado por meio de Moisés e seus
colaboradores; o povo do Novo Testamento caminha na história, em vista de novos
céus e novas terras, levando consigo Jesus Cristo, alimentado pela Palavra das
Escrituras e pela Eucaristia, a qual é o maior tesouro da Igreja Católica,
porque é a presença do próprio Jesus Cristo no meio do povo de Deus. Um CE quer, pois, reafirmar esta certeza: Ele está no meio de Nós! É um convite a
todos que escutam este convite de fé: Vinde
e Vede! (Jo 1,39). A partir desta profissão explícita
da fé na Eucaristia e reafirmando a nossa certeza da vida eterna, para lá dos
horizontes da nossa história, pelo CE,
buscamos as consequências práticas, o compromisso deste gesto tão sublime de
adoração. Adoraremos o Senhor em Espírito
e Verdade (cf Jo 4,24). Mas um ato de adoração radical a
Jesus na Eucaristia implica um compromisso de coerência e autenticidade cristã.
Por isso, um CE tem implicações
teológicas e espirituais, pastorais e missionárias, catequéticas e vocacionais,
sociais e políticas, culturais e ecológicas, ecuménicas e inter-religiosas.
Adoramos Jesus na Eucaristia e queremos anunciá-Lo a todos os homens e mulheres
do nosso tempo, como o Libertador e Salvador que nos assegura vida em
abundância (Jo 10,10).
Desde o
início, os CE tiveram três caraterísticas
essenciais: aprofundar a doutrina cristã sobre a Eucaristia; prestar culto
público e solene ao Santíssimo Sacramento (adoração e reparação); e manifestar a universalidade e unidade da Igreja. Posteriormente,
os CE passaram a abarcar também aspetos
sociopolíticos diversificados e temáticas específicas: irradiar para a Igreja e
para a sociedade os frutos da Eucaristia na ação social; promover seminários
temáticos para públicos específicos (crianças, jovens, militares, universitários, operários,
políticos e empresários, casais e idosos, doentes e deficientes, prisioneiros e
dependentes de drogas, marginalizados e excluídos) – privilegiando temáticas como “Eucaristia e
Missionariedade” e “Eucaristia, Evangelização e Meios de Comunicação Social”.
Para atingir
seus objetivos, os CE realizam
atividades diversificadas: reflexões teológico-pastorais; solenes celebrações litúrgicas; programas
populares de educação da fé, como, por exemplo, missões populares; jornadas sociais
em favor dos pobres e excluídos.
***
O Congresso Eucarístico Nacional (CEN) é
realizado em cada país Católico no mundo. Portugal, que já organizou três CEN, vai celebrar o seu 4.º Congresso
Eucarístico Nacional, de 10 a 12 de junho em Fátima, em torno do tema “Viver a
Eucaristia, fonte de Misericórdia”.
No Brasil, já houve 16 CEN. O primeiro realizou-se em 1933, em Salvador, Arquidiocese Primaz do Brasil, com o tema “Vinde, adoremos o Santíssimo Sacramento”. Desde então, ocorre em diversas cidades brasileiras. E o mais recente (o
16.º) realizou-se de
13 a 16 de maio de 2010, em Brasília, com o tema “Eucaristia,
Pão da Unidade dos Discípulos Missionários”.
Este ano Belém
irá receber o CEN16. Em 1953, a
capital paraense recebeu pela 1.ª vez o Congresso. Agora, também o XVII Congresso Eucarístico Nacional constituirá
um grande evento nos 400 anos da cidade e nos 400 anos de Evangelização da
Amazónia. A expectativa é que o evento reúna pelo menos 550.000 pessoas, entre bispos,
sacerdotes, expositores e todo o povo de Deus, que deseja reafirmar a fé em
Cristo Eucarístico, refletindo o tema “Eucaristia
e Partilha na Amazónia Missionária” e o lema “Eles O reconheceram no partir do Pão” (cf
Lc 24,35). Uma vasta
programação está a ser preparada para receber os peregrinos e participantes
entre os dias 15 e 21 de agosto. O Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom
Alberto Taveira Corrêa, ressalta a consciência que a Igreja de Belém tem acerca
da grandiosidade deste CEN:
“É a segunda vez que o evento acontece
em nossa cidade, cabe-nos uma grande responsabilidade, pois seremos a capital
eucarística de nosso país, acolhendo pessoas de todas as regiões do Brasil.
Temos em mãos a responsabilidade de mostrar para o Brasil as nossas riquezas e
a maior delas é a nossa fé. Desejamos tornar visível em todo o Brasil a força
da Eucaristia e a ação missionária na Amazónia, de um povo de fé que testemunha
com sua cultura e maneira de ser Igreja viva na Amazónia”.
***
Recorde-se que 2016 é o
ano 51.º Congresso
Eucarístico Internacional, que se celebrou em Cebu, Filipinas, em 24-31 de
janeiro de 2016, e cujo encerramento contou com a presidência do Papa Francisco.
Além disso, desde agosto de 2015, celebraram-se os seguintes congressos nacionais
eucarísticos ou em que a Eucaristia pontifica, o que revela o apreço por tão
augusto mistério e a necessidade de colocar a vida em coerência com a sua
celebração: o X Congresso Eucarístico Nacional do Peru, em Piura (13-16 de agosto
de 2015); o VI
Congresso Eucarístico Nacional do México, em Monterrey (9-13 de setembro
de 2015); o V Congresso
Eucarístico Nacional da Bolívia, em Tarija (16-20 de setembro de 2015); o I Congresso Eucarístico Nacional da
República Tcheca, em Brno (17 de outubro de 2015); o Congresso Eucarístico
Nacional da Índia, em Mumbai (12-15 de novembro de 2015); o Congresso
Nacional da Lituânia sobre a Misericórdia, em Vilnius (6-8 de maio de
2016); e o Congresso
Eucarístico Nacional da Bielorrússia, em Grodno (24-26 de maio de 2016).
***
Por ocasião
da preparação do I Congresso Eucarístico Internacional, em 1881, foi
constituído, com a aprovação do papa Leão XIII, um Comité permanente a que João
Paulo II deu o título de “Pontifício”. O seu estatuto, fiel à originária
inspiração, indica as finalidades: “O
Pontifício Comité propõe-se fazer conhecer, amar e servir sempre melhor, Nosso
Senhor Jesus Cristo no seu Mistério Eucarístico, centro da vida da Igreja e da
sua missão para a salvação do mundo”.
Para tanto:
Promove a celebração periódica dos Congressos Eucarísticos
Internacionais; convoca as Conferências
Episcopais e os Sínodos Patriarcais para que nomeiem os Delegados nacionais,
que se empenham na preparação dos Congressos e, quando necessário, constituam
com a aprovação e com a contribuição da autoridade eclesiástica local, os
Comités Eucarísticos Nacionais; favorece
e privilegia aquelas iniciativas que, em harmonia com as disposições vigentes
da Igreja, têm o objetivo de incrementar a devoção no mistério eucarístico em
todos os seus aspetos, desde a celebração da Eucaristia até ao culto extra
missam; e requer, aos
Delegados nacionais ou, se existirem, aos Comités Nacionais, a documentação e
informação sobre o movimento eucarístico dos respetivos Países.
Na
preparação dos Congressos Eucarísticos Internacionais – e, se for necessário,
também dos Congressos Eucarísticos Nacionais – o Pontifício Comité oferece a
sua colaboração. Segundo o Estatuto, pertence ao presidente do Comité local
procurar colaborar estritamente com o Pontifício Comité na escolha
do tema, na redação do texto-base e particularmente na participação ativa na assembleia
plenária do Pontifício Comité; e também na programação da celebração do Congresso.
Em termos da
preparação, o Ritual Romano privilegia os seguintes elementos:
- Uma mais intensa catequese sobre a Eucaristia, sobretudo como Mistério de
Cristo vivente e operante na Igreja – indicada pelas competentes autoridades
locais;
- Uma maior participação ativa na sagrada liturgia, para promover a
religiosa escuta da Palavra de Deus e o sentido fraterno da comunidade;
- Uma atenta pesquisa de iniciativas e uma ativa realização de obras
sociais para favorecer a promoção humana e a devida comunhão também dos bens
temporais, a exemplo da primeira comunidade cristã, de modo que a mesa
eucarística seja o centro de difusão do fermento do Evangelho, como força
propulsora para a construção da sociedade humana neste mundo e garantia do
mundo futuro.
Para uma
preparação espiritualmente frutuosa, torna-se conveniente celebrar e viver os
tempos fortes do Ano Litúrgico desde
o Advento até à Quaresma e preparar-se com novenas e tríduos para as grandes
festas como o Pentecostes e o Corpus
Christi.
No quadro da celebração, o Ritual
Romano indica os seguintes critérios:
- A
Celebração Eucarística seja o centro e o ápice de todas as várias manifestações
e formas de piedade;
- As
celebrações da Palavra de Deus, as sessões de catequese e as reuniões plenárias
sejam ordenadas por um aprofundamento do tema proposto e por uma mais clara
explicação dos aspetos práticos do tema na sua realização concreta.
- Prepare-se
um programa oportuno de reuniões de oração e adoração prolongadas à frente do
Santíssimo exposto, em igrejas determinadas, particularmente indicadas para esses
exercícios de piedade;
- Quanto
à procissão com o Santíssimo pelas ruas da cidade, acompanhada com hinos
e orações, observem-se as normas sobre as procissões eucarísticas, tendo em
conta a situação social e religiosa local.
***
É
grande e interpelante o mistério da divina Caridade e da sua imensa misericórdia!
2016.05.28 – Louro de Carvalho
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