domingo, 29 de maio de 2016

A propósito dos Congressos Eucarísticos de 2016

Entre a data própria da solenidade do Corpus Christi na Igreja Latina, que decorreu a 26 de maio, e a sua celebração no domingo subsequente levada a cabo nalguns países e tendo em conta que se avizinha a realização de dois congressos Eucarísticos Nacionais, o de Portugal, em Fátima, de 10 a 12 de junho, e o do Brasil, em Belém do Pará, de 15 a 21 de agosto, parece-me pertinente uma reflexão sobre o conteúdo e importância destes eventos.    
Um Congresso Eucarístico (CE), seja qual for a sua dimensão geográfica é uma demonstração pública de fé na presença real de Cristo na Eucaristia, com manifestações de ensinamento e adoração, compromisso e testemunho. Através de serviços litúrgicos, cerimónias religiosas públicas, secundadas por missões especializadas, reuniões de estudo, com o conveniente aparato solene, a revelar o grande valor duma celebração organizada ao mais alto nível, o CE reveste-se de inquestionável significado espiritual, moralizador e didático do maior valor, pelo que se considera da maior importância nos nossos tempos.
Um CE pode ser realizado: a nível diocesano ou interdiocesano, em que são chamados a participar, todo o clero e fiéis da(s) diocese(s) organizadora(s); a nível nacional, em que ficam envolvidos, todo o clero e fiéis de uma nação inteira; e a nível internacional, em que deve haver uma representação de todos os países do mundo católico.
Também em algumas dioceses se realizaram congressos eucarísticos de nível arciprestal. Pessoalmente, tive o ensejo de participar ativamente na organização e celebração do Congresso Eucarístico Arciprestal de Sernancelhe, cujo encerramento ocorreu a 13 de novembro de 1988 e que decorreu em paralelo com o Congresso Arciprestal dos Leigos no mesmo arciprestado. E não posso deixar de recordar o impulso que que os oradores deram à reflexão em torno da Eucaristia, em particular Mons. Bouça Pires e Mons. Jacinto Botelho, agora bispo emérito de Lamego, bem como a mensagem que o arcebispo-bispo de Lamego então endereçou ao povo reunido na Praça do Município através do secretário-geral do congresso.
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Os CE nasceram na segunda metade do século XIX (no ano de 1881) em França. Foi Emilie Tamisier (1834 – 1910), orientada por S. Pedro Julião Eymard (1811 – 1868), conhecido como o Apóstolo da Eucaristia, quem os inspirou, tomando algumas significativas iniciativas de adoração eucarística e dando azo a que Marie Marthe Tamisier de Touraine e Mons. Louis Gaston de Segur, com a comparticipação do industrial Philibert Vrau, tomassem em mãos a organização do I Congresso Eucarístico Internacional, com a ajuda de outros leigos, sacerdotes e bispos e com a aprovação papal de Leão XIII. Realizou-se na Universidade de Lille, em torno do tema, “A Eucaristia salva o mundo, com a presença de mais de 8000 pessoas da França, da Bélgica, da Holanda, da Inglaterra, da Espanha, da Suíça, da Grécia, do México e do Chile.
Apostava-se então numa renovada fé em Cristo presente na Eucaristia como remédio contra a ignorância e a indiferença religiosas.
Inspirado pela viva fé na presença real da pessoa de Jesus Cristo no sacramento da Eucaristia, o culto desenvolvido nos primeiros congressos manifestava-se de modo particular pela adoração solene e pelas grandiosas procissões que evidenciavam a dimensão triunfal da Eucaristia.
A partir dos decretos Sacra Tridentina Synodus (1905), sobre a comunhão frequente, e  Quam Singularis (1910), sobre a comunhão das crianças, ambos de S. Pio X, na preparação e na celebração dos Congressos, devia promover-se a comunhão frequente dos adultos e a primeira comunhão das crianças. Com o pontificado de Pio XI, o CE ganhou dimensão internacional e intercontinental, pois começou a ser celebrado rotativamente em todos os Continentes, adquirindo uma vertente missionária e de “reevangelização” (termo já usado para a preparação do Congresso de Manila de 1937). A partir do 37.° Congresso, celebrado em Munique em 1960, os Congressos Eucarísticos Internacionais foram chamados  statio orbis (designação proposta pelo conhecido liturgista Josef Jungmann, SJ), com a celebração da Eucaristia como centro e ápice de todas as várias manifestações e formas de devoção eucarística. Por seu turno, o Concílio Vaticano II, com a Constitução Sacrosanctum Concilium, de 1963, a Instrução Eucharisticum mysterium, de 1967 (n.º 67) e o Ritual Romano De sacra comunione e de cultu mysterii eucaristici extra Missam, de 1973 (nn.109-112), apresentam a nova imagem e indicam os critérios para a preparação e a celebração dos CE, que se abriram, doravante aos problemas do mundo contemporâneo, ao ecumenismo e, na fase de preparação, ao diálogo inter-religioso.
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Um CE há de concitar a convergência de todas as pessoas que professam a fé católica na realidade da Eucaristia e que desejam dar público testemunho da sua fé, pessoal e comunitária, na presença real do Senhor Jesus, animando, consolando e convertendo os fiéis. O CE é uma demonstração pública da fé: Anunciamos a sua morte e proclamamos a sua ressurreição! Vinde Senhor Jesus! O Papa Leão XIII afirmou aos organizadores do 1.º  Congresso Eucarístico Internacional que os Congressos Eucarísticos nasceram “para acender em todos o fogo celeste que Cristo trouxe à terra e que quer acender, sobretudo por meio da Eucaristia”. Este é um objetivo que as mais recentes orientações da Santa Sé concretizam em três direções: uma catequese mais intensa sobre a Eucaristia, especialmente enquanto mistério de Cristo, vivo e operante na Igreja; uma participação mais ativa na sagrada liturgia, que promova a religiosa escuta da Palavra de Deus e o sentido fraterno da comunidade; e uma busca atenta de iniciativas e de uma cuidadosa realização de obras sociais, que favoreçam a promoção humana e a devida comunhão de bens, inclusive temporais, a exemplo da comunidade cristã primitiva, de modo que a mesa Eucarística seja o centro difusor do fermento do Evangelho.
Assim, um CE não se pode resumir a um ciclo de palestras, de atos adoração ao Santíssimo Sacramento, celebrações festivas da Eucaristia, encontro e convívio de pessoas de muitas nações, raças e cores, nem a um acontecimento passageiro (ainda que grandioso e espetacular), nem a alguns milhares de pessoas com possibilidade de se deslocarem a qualquer lugar como em agradável passeio. O essencial do CE consiste na caminhada evangelizadora que as pessoas e as comunidades são chamadas a fazer, para que a Eucaristia seja percebida e assumida como mistério de fé, mistério de doação e fonte de Liberdade. O CE, mais do que um fruto, terá que ser uma semente, um dinamismo que alastra a todo o povo cristão, no seguimento da ordem: Ide, é a missão!
O povo das Escrituras caminhava rumo à Terra Prometida transportando consigo a arca da aliança, com as tábuas da lei, orientado por meio de Moisés e seus colaboradores; o povo do Novo Testamento caminha na história, em vista de novos céus e novas terras, levando consigo Jesus Cristo, alimentado pela Palavra das Escrituras e pela Eucaristia, a qual é o maior tesouro da Igreja Católica, porque é a presença do próprio Jesus Cristo no meio do povo de Deus. Um CE quer, pois, reafirmar esta certeza: Ele está no meio de Nós! É um convite a todos que escutam este convite de fé: Vinde e Vede! (Jo 1,39). A partir desta profissão explícita da fé na Eucaristia e reafirmando a nossa certeza da vida eterna, para lá dos horizontes da nossa história, pelo CE, buscamos as consequências práticas, o compromisso deste gesto tão sublime de adoração. Adoraremos o Senhor em Espírito e Verdade (cf Jo 4,24). Mas um ato de adoração radical a Jesus na Eucaristia implica um compromisso de coerência e autenticidade cristã. Por isso, um CE tem implicações teológicas e espirituais, pastorais e missionárias, catequéticas e vocacionais, sociais e políticas, culturais e ecológicas, ecuménicas e inter-religiosas. Adoramos Jesus na Eucaristia e queremos anunciá-Lo a todos os homens e mulheres do nosso tempo, como o Libertador e Salvador que nos assegura vida em abundância (Jo 10,10).
Desde o início, os CE tiveram três caraterísticas essenciais: aprofundar a doutrina cristã sobre a Eucaristia; prestar culto público e solene ao Santíssimo Sacramento (adoração e reparação); e manifestar a universalidade e unidade da Igreja. Posteriormente, os CE passaram a abarcar também aspetos sociopolíticos diversificados e temáticas específicas: irradiar para a Igreja e para a sociedade os frutos da Eucaristia na ação social; promover seminários temáticos para públicos específicos (crianças, jovens, militares, universitários, operários, políticos e empresários, casais e idosos, doentes e deficientes, prisioneiros e dependentes de drogas, marginalizados e excluídos) – privilegiando temáticas como “Eucaristia e Missionariedade” e “Eucaristia, Evangelização e Meios de Comunicação Social”.
Para atingir seus objetivos, os CE realizam atividades diversificadas: reflexões teológico-pastorais; solenes celebrações litúrgicas; programas populares de educação da fé, como, por exemplo, missões populares; jornadas sociais em favor dos pobres e excluídos.
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O Congresso Eucarístico Nacional (CEN) é realizado em cada país Católico no mundo. Portugal, que já organizou três CEN, vai celebrar o seu 4.º Congresso Eucarístico Nacional, de 10 a 12 de junho em Fátima, em torno do tema “Viver a Eucaristia, fonte de Misericórdia”.
No Brasil, já houve 16 CEN. O primeiro realizou-se em 1933, em Salvador, Arquidiocese Primaz do Brasil, com o tema “Vinde, adoremos o Santíssimo Sacramento. Desde então, ocorre em diversas cidades brasileiras. E o mais recente (o 16.º) realizou-se de 13 a 16 de maio de 2010, em Brasília, com o tema “Eucaristia, Pão da Unidade dos Discípulos Missionários”.
Este ano Belém irá receber o CEN16. Em 1953, a capital paraense recebeu pela 1.ª vez o Congresso. Agora, também o XVII Congresso Eucarístico Nacional constituirá um grande evento nos 400 anos da cidade e nos 400 anos de Evangelização da Amazónia. A expectativa é que o evento reúna pelo menos 550.000 pessoas, entre bispos, sacerdotes, expositores e todo o povo de Deus, que deseja reafirmar a fé em Cristo Eucarístico, refletindo o tema “Eucaristia e Partilha na Amazónia Missionária” e o lema “Eles O reconheceram no partir do Pão” (cf Lc 24,35). Uma vasta programação está a ser preparada para receber os peregrinos e participantes entre os dias 15 e 21 de agosto. O Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa, ressalta a consciência que a Igreja de Belém tem acerca da grandiosidade deste CEN:
“É a segunda vez que o evento acontece em nossa cidade, cabe-nos uma grande responsabilidade, pois seremos a capital eucarística de nosso país, acolhendo pessoas de todas as regiões do Brasil. Temos em mãos a responsabilidade de mostrar para o Brasil as nossas riquezas e a maior delas é a nossa fé. Desejamos tornar visível em todo o Brasil a força da Eucaristia e a ação missionária na Amazónia, de um povo de fé que testemunha com sua cultura e maneira de ser Igreja viva na Amazónia”.
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 Recorde-se que 2016 é o ano 51.º Congresso Eucarístico Internacional, que se celebrou em Cebu, Filipinas, em 24-31 de janeiro de 2016, e cujo encerramento contou com a presidência do Papa Francisco. Além disso, desde agosto de 2015, celebraram-se os seguintes congressos nacionais eucarísticos ou em que a Eucaristia pontifica, o que revela o apreço por tão augusto mistério e a necessidade de colocar a vida em coerência com a sua celebração: o X Congresso Eucarístico Nacional do Peru, em Piura (13-16 de agosto de 2015); o VI Congresso Eucarístico Nacional do México, em Monterrey (9-13 de setembro de 2015); o V Congresso Eucarístico Nacional da Bolívia, em Tarija (16-20 de setembro de 2015);  o I Congresso Eucarístico Nacional da República Tcheca, em Brno (17 de outubro de 2015); o Congresso Eucarístico Nacional da Índia, em Mumbai (12-15 de novembro de 2015); o Congresso Nacional da Lituânia sobre a Misericórdia, em Vilnius (6-8 de maio de 2016); e o Congresso Eucarístico Nacional da Bielorrússia, em Grodno (24-26 de maio de 2016).

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Por ocasião da preparação do I Congresso Eucarístico Internacional, em 1881, foi constituído, com a aprovação do papa Leão XIII, um Comité permanente a que João Paulo II deu o título de “Pontifício”. O seu estatuto, fiel à originária inspiração, indica as finalidades: “O Pontifício Comité propõe-se fazer conhecer, amar e servir sempre melhor, Nosso Senhor Jesus Cristo no seu Mistério Eucarístico, centro da vida da Igreja e da sua missão para a salvação do mundo”.
Para tanto:
Promove a celebração periódica dos Congressos Eucarísticos Internacionais; convoca as Conferências Episcopais e os Sínodos Patriarcais para que nomeiem os Delegados nacionais, que se empenham na preparação dos Congressos e, quando necessário, constituam com a aprovação e com a contribuição da autoridade eclesiástica local, os Comités Eucarísticos Nacionais; favorece e privilegia aquelas iniciativas que, em harmonia com as disposições vigentes da Igreja, têm o objetivo de incrementar a devoção no mistério eucarístico em todos os seus aspetos, desde a celebração da Eucaristia  até ao culto extra missam; e requer, aos Delegados nacionais ou, se existirem, aos Comités Nacionais, a documentação e informação sobre o movimento eucarístico dos respetivos Países.
Na preparação dos Congressos Eucarísticos Internacionais – e, se for necessário, também dos Congressos Eucarísticos Nacionais – o Pontifício Comité oferece a sua colaboração. Segundo o Estatuto, pertence ao presidente do Comité local procurar colaborar estritamente com o Pontifício  Comité na escolha  do tema, na redação do texto-base e particularmente na participação ativa na assembleia plenária do Pontifício Comité; e também na programação da celebração do Congresso.
Em termos da preparação, o Ritual Romano privilegia os seguintes elementos:
- Uma mais intensa catequese sobre a Eucaristia, sobretudo como Mistério de Cristo vivente e operante na Igreja – indicada pelas competentes autoridades locais;
- Uma maior participação ativa na sagrada liturgia, para promover a religiosa escuta da Palavra de Deus e o sentido fraterno da comunidade;
- Uma atenta pesquisa de iniciativas e uma ativa realização de obras sociais para favorecer a promoção humana e a devida comunhão também dos bens temporais, a exemplo da primeira comunidade cristã, de modo que a mesa eucarística seja o centro de difusão do fermento do Evangelho, como força propulsora para a construção da sociedade humana neste mundo e garantia do mundo futuro.
Para uma preparação espiritualmente frutuosa, torna-se conveniente celebrar e viver os tempos fortes do Ano Litúrgico desde o Advento até à Quaresma e preparar-se com novenas e tríduos para as grandes festas como o Pentecostes e o Corpus Christi.
No quadro da celebração, o Ritual Romano indica os seguintes critérios:
- A Celebração Eucarística seja o centro e o ápice de todas as várias manifestações e formas de piedade;
- As celebrações da Palavra de Deus, as sessões de catequese e as reuniões plenárias sejam ordenadas por um aprofundamento do tema proposto e por uma mais clara explicação dos aspetos práticos do tema na sua realização concreta.
- Prepare-se um programa oportuno de reuniões de oração e adoração prolongadas à frente do Santíssimo exposto, em igrejas determinadas, particularmente indicadas para esses exercícios de piedade;
- Quanto à  procissão com o Santíssimo pelas ruas da cidade, acompanhada com hinos e orações, observem-se as normas sobre as procissões eucarísticas, tendo em conta a situação social e religiosa local.
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É grande e interpelante o mistério da divina Caridade e da sua imensa misericórdia!

2016.05.28 – Louro de Carvalho

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