Um
professor da Universidade de Coimbra e alegadamente antigo orientador do atual
Ministro da Educação vem, meio ano depois de este ser alçado ao cargo
ministerial, acusá-lo num órgão de comunicação social de suposta irregularidade
que já terá ocorrido há mais de 10 anos.
Pelo
que li no órgão de comunicação que foi premiado com a entrevista denunciadora e
cujo conteúdo foi parcialmente replicado e comentado, não sou capaz de concluir
por uma posição objetiva e clara a favor ou contra o governante. Porém,
ocorre-me formular a necessária pergunta de reflexão: porquê só agora, se os presumíveis factos ocorreram há mais de 10 anos?
O
delator responde à questão “Porque
decidiu falar agora?” de forma simpática, mas não conclusiva e plausível:
“Porque
as pessoas que chegam a cargos de eleição numa nação devem ter uma formação
moral e humanista e acima da média. O que Tiago Rodrigues fez foi cometer um
crime. Chocou-me que alguém como ele fosse ministro da Nação. Não contesto as
suas qualidades académicas. Esteve em centros de eleição, tem mérito e é
inteligente. A minha questão é moral.” (vd Sábado,
n.º 629, pg 49).
Ora
deixem-me esfregar bem a pena de aço e não de pato contra o professor que virou
a pseudomoralista. É óbvio que se trata de uma questão moral, mas o distinto
académico delator deve saber que a perceção indevida de dinheiros públicos, a
sua retenção (mesmo que temporária) e a putativa apresentação de falsas declarações,
além da moral, integram a área penal e a área administrativa. Depois, não
percebo a razão por que ao académico não se há de exigir a mesma probidade
moral e observância do direito que ao político eleito. Além disso, o ministro
ora visado, antes de ser chamado ao Governo, foi eleito deputado, sendo que o
estatuto do deputado também postula a probidade moral e a observância do
direito. Mais: ele passou a integrar o XXI Governo desde o início. Por isso, a
interrogação persiste: Porquê só agora,
momento em que eclodiu o conflito entre o Governo, pela via do Ministério da
Educação, e os colégios com contrato de associação? Corporizará Tiago Brandão
Rodrigues (um governante partidariamente independente) a ideologia “estatolátrica” do
monopólio do ensino contra a direita defensora da liberdade de escolha de
escola secundada pelo necessário financiamento público? Quer-se efetivamente a
racionalização de meios ou a “lactidependência” do Estado na iniciativa
privada?
***
A
denúncia de irregularidades ao retardador, aliás em momento considerado
oportuno e mais escandaloso, não aconteceu apenas com Tiago Rodrigues nem
somente agora.
Ainda
recentemente, foi preciso que o atual Ministro da Cultura fosse indigitado para
a pasta que sobraça para Urbi et Orbi
virem soar as campainhas de alarme por alegadamente afinal não ser um
embaixador no preciso sentido termo, dado que o seu processo estaria ferido de
irregularidade nos corredores do Ministério dos Negócios Estrangeiros, cujo
titular veio a público defender o governante alegando que alguma
responsabilidade que haja não lhe era imputável.
Foi
preciso Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa se definirem como candidatos
presidenciais para se colocarem dúvidas sobre a acumulação não graciosa de
funções não autorizada, no primeiro caso, e de gestão não isenta e não
imparcial da Universidade de Lisboa, no segundo caso. Algo semelhante aconteceu
com Marcelo sobre o facto de não ter cumprido o serviço militar a que por lei
estaria obrigado.
Passos
Coelho teve que ser nomeado Primeiro-Ministro para se saber que se esquecera de
fazer contas com o Fisco e com a Segurança Social. Algo parecido sucedeu com
Miguel Relvas, em termos do alegado tráfico de influências em prol da empresa
de formação em que ele e Passos eram parceiros.
Sócrates
foi nomeado Primeiro-Ministro em 2005, mas só em 2007 o Público publicou o dossiê sobre o processo da sua licenciatura (Lembram-se
da gorada OPA da Sonae sobre a PT em 2007?).
E
António Vitorino, Braga de Macedo e Miguel Cadilhe só foram denunciados a
propósito de irregularidades no âmbito do pagamento da velha sisa depois de
serem feitos ministros. E António Vitorino não pôde continuar ministro, mas
pôde ser feito comissário europeu!
***
Mas
voltemos ao caso do atual Ministro da Educação, que nega
acusações de burla relatadas no referido artigo-entrevista do n.º 629 da
revista Sábado.
O acima aludido professor acusa o Ministro de ter
pedido uma bolsa de estudos à FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) para pagar propinas que não existiam enquanto
propinas, mas como bench fees –
custos de bancada, pedidos quando o laboratório exige contrapartida financeira
ao aluno-investigador.
Diga-se de passagem que, ao ler o artigo-entrevista da
Sábado, percebe-se que o professor
denunciante quer passar pelo benfeitor e homem bom e gestor rigoroso contra o
ex-aluno vilão, prendendo-se a aspetos meramente formais normalmente exigidos
ou não para a consecução de um subsídio/bolsa conforme se trate de bench fees ou de propinas. Por outro
lado, dá informação errada ao desconhecer a margem de não presença em ações de
formação do Fundo Social Europeu.
Na
verdade, a FCT atribuiu uma bolsa a Tiago Brandão Rodrigues para um estágio de
doutoramento na Universidade de Dallas, no Estado do Texas. Ora, o Ministro da
Educação garante “não haver indício de ilegalidade” no processo, que foi dado
como concluído em 2002. Em comunicado enviado ao Expresso, a FCT, que é uma fundação pública,
ainda esclarece que foi informada pelo aluno de que teria sobrado dinheiro.
A
bolsa fora iniciada a 1 de Outubro do ano anterior e incluiu um período no
estrangeiro, pelo que foi adiantado o pagamento do correspondente subsídio de
manutenção mensal e as respetivas taxas de laboratório. Em 25 de Setembro de
2002, o bolseiro informou a FCT da redução do período de permanência no
estrangeiro e de não fora necessário pagar taxas de laboratório. Assim, a FCT
apurou o pagamento em excesso, que foi devolvido na totalidade.
Por
outro lado, a FCT recebeu – a 30 de setembro de 2005, ou seja, 5 dias após o
aluno ter informado a FCT – uma carta do aludido professor que faz as acusações
ao ministro no artigo-entrevista da Sábado,
em que denunciava alegadas irregularidades no processo de Rodrigues.
A isto
a Fundação respondeu que “todas as questões levantadas nessa carta foram
esclarecidas, tendo a FCT apurado que nunca existiu sobreposição entre a bolsa
de doutoramento atribuída pela FCT e qualquer outra bolsa”.
Tais
declarações reforçam a posição do Ministro de apresentar queixa-crime contra a
revista Sábado, na sequência da sua
negação de “qualquer irregularidade” e da sua declaração de que estas “não se
tratam de informações inocentes”.
É de
recomendar ao Ministro ou a quem por ele escreve a correção do erro de sintaxe:
não é não se tratam de informações,
mas não se trata de informações. O
verbo só concorda com o sujeito e o sujeito nunca vem regido de preposição.
“Trata-se de” é uma construção impessoal: o verbo coloca-se unicamente na 3.ª
pessoa do singular.
Julga-se
que a referência ministerial a afirmações não
inocentes será uma clara referência à polémica do Governo no atinente aos
contratos de associação com os colégios privados, dizendo o ME (Ministério da Educação) que o surgimento da história neste
momento não é por acaso. Com efeito, o comunicado divulgado oportunamente pelo
ME refere: “O Ministro da Educação
considera que não se trata de afirmações inocentes tendo em conta o calendário
político e os temas que têm estado na agenda do Ministério”.
No mesmo documento, o ME “repudia profundamente a publicação desta notícia
e desta falsidade”, sublinhando que os esclarecimentos prestados por Brandão
Rodrigues à Sábado não foram “tidos
em conta”.
É certo que a própria Sábado
refere que o agora Ministro da Educação devolveu, por iniciativa própria, a
totalidade do dinheiro, em setembro de 2002 (um ano após a realização do estágio
no Texas). Porém, à revista Sábado Brandão Rodrigues disse que as
declarações do aludido professor são “acusações cegas e ofensivas”.
Resta ainda abordar a questão do orientador. O facto de o professor ter
avalizado com outro o tema e o plano de trabalho do doutorando não significa
necessariamente que Rui Oliveira tenha sido efetivamente orientador da tese de
doutoramento. É o exercício (assumido efetivamente com Carlos Geraldes) e não a nomeação ou a aceitação de uma incumbência
que legitima a assunção do título.
Finalmente, é desejável que todas as pessoas que tenham conhecimento de
qualquer atitude, comportamento ou ação lesivos do direito e do erário público
façam o exercício de cidadania da cooperação com as entidades públicas em tempo
útil e não no aproveitamento oportunista das ocasiões. Mais: devem fazê-lo
antes de as coisas estarem resolvidas e não depois.
É de advertir que uma informação só interessa se for inteiramente
verdadeira, útil, portadora de alguma novidade e despida de qualquer laivo de
inveja.
2016.05.20 – Louro de Carvalho
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