Celebra-se hoje, dia 8 de maio, o 50.º Dia
Mundial das Comunicações Sociais, para o qual o Papa Francisco elaborou e
fez divulgar uma pertinente mensagem, datada de 24 de janeiro, dia litúrgico de
São Francisco de Sales, proclamado patrono dos escritores e jornalistas por Pio
XI.
O tema da mensagem papal – comunicação
e misericórdia: um encontro fecundo – parece um tanto surpreendente,
já que muita da comunicação social hodierna, a coberto da propalada objetividade,
marca distância, cria saturação e gera indiferença. Por outro lado, a sede do
lucro, a arreigada obsessão da venda de papel ou da consecução de audiências e
o protagonismo do exclusivo do preenchimento da cena pública são marcas da
atividade empresarial no campo das comunicações chegando a espezinhar a
liberdade, a dignidade, a privacidade e a sobrevivência de tantos. Tanto assim é
que alguns, como Dom Pio Alves, Presidente da Comissão Episcopal da
Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais, afirmam que a misericórdia está muito ausente da comunicação social. Por
outro lado, assistimos a fenómenos de intoxicação da opinião pública através da
repetição e excesso de informação que levam à habituação ou à indiferença
perante os dramas da humanidade que a comunicação social ostenta, tantas vezes,
sem piedade, sem pena, compaixão e misericórdia – como dado inerente à
sociedade ou aos poderes. Além disso, muitos repórteres perdem tempo a expor as
vítimas, os sinistrados ou os simples “seres frágeis” ao incómodo de terem de expressar
os seus sentimentos e as suas vivências, quando aquilo que que precisavam era
tranquilidade, paz, acompanhamento e apoio.
Não obstante, Francisco tem razão ao olhar para as comunicações como fator
e instrumento de misericórdia por várias razões. Antes de mais, comunicar é pôr
em contacto pessoas, estabelecer pontes entre mundos iguais e diferentes. Conhecendo
o outro e o seu mundo, temos a rampa de lançamento para a proximidade. Depois,
comunicar é alimentar a relação dialógica diluindo o sofrimento e potenciando o
gosto de viver. E comunicar é cair na realidade com os olhos, os ouvidos, o
olfato, o sabor e o tacto. Ora, se a aguda lucidez da inteligência analisar a
realidade e a força da vontade a quiser modificar em ordem à melhoria, a
misericórdia acontecerá.
É que a misericórdia é cair na realidade com o coração, saboreando o
gosto das coisas boas e a felicidade daquelas pessoas que são felizes e dinâmicas
e, ao mesmo tempo e por maioria de razão, abeirar-se dos infelizes, dos que não
sabem, não têm e sofrem os males do corpo ou do espírito – não têm vez nem voz,
sofrem o descarte, não são livres, tiraram-lhes as condições de viver em
dignidade.
E hoje a comunicação social passou de típica comunicação unilateral e
difusão a efetivo espaço comunicação interativa e multilateral: muitos
programas de rádio e de televisão dão vez e voz aos ouvintes e telespectadores;
os jornais editados suporte de papel têm a secção do correio do leitor ou de cartas
ao diretor; os jornais on line permitem
comentários e artigos de opinião; foi instituído o mecanismo do exercício do
direito de resposta; e multiplicam-se os debates, simpósios, fóruns e mesas
redondas. Portanto, se a justa liberdade de expressão, o apreço pela insofismável
dignidade da pessoa humana, o equilíbrio informativo com a objetividade possível
e a capacidade discreta de formação pelos valores axiológicos se sobrepuserem
aos objetivos meramente empresariais e ideológicos, fica aberto o campo para a
misericórdia. Com efeito, conhecendo os bons ideais enunciados algures temos
acesso à adesão a eles através das pontes de encontro criadas e facilitadas pela
comunicação social. As mesmas pontes nos permitirão aderir às boas práticas que
virmos em outras comunidades. As mesmas pontes de encontro nos abrirão ao mundo
dos que mais precisam e mais sofrem, tornando-nos nós os seus próximos. E as
mesmas pontes nos exporão naturalmente, com os nossos ideais, boas práticas e
dores ao apelo à comunhão dos outros connosco.
***
Francisco, na sua já mencionada mensagem,
chama a atenção para o facto de o “Ano Santo da Misericórdia” nos convidar a “refletir sobre a
relação entre a comunicação e a misericórdia”. Isto, porque “a Igreja unida a
Cristo, encarnação viva de Deus Misericordioso, é chamada a viver a
misericórdia como traço caraterístico de todo o seu ser e agir”. Assim, cada palavra
ou gesto deveria expressar a compaixão, a ternura e o perdão de Deus para todos.
E diz o Papa:
“O amor, por sua natureza, é
comunicação: leva a abrir-se, não se isolando. E, se o nosso coração e os
nossos gestos forem animados pela caridade, pelo amor divino, a nossa
comunicação será portadora da força de Deus.”.
Porque na nossa
condição de filhos de Deus e irmãos de todos, “somos chamados a comunicar com
todos, sem exclusão”, torna-se “próprio da linguagem e das ações da Igreja” a
transmissão da misericórdia, “para tocar o coração das pessoas e sustentá-las
no caminho rumo à plenitude da vida que Jesus Cristo, enviado pelo Pai, veio
trazer a todos”. É “acolher em nós mesmos e irradiar ao nosso redor o calor
materno da Igreja, para que Jesus seja conhecido e amado”.
Porque “a
comunicação tem o poder de criar pontes, favorecer o encontro e a inclusão” – “tanto
no ambiente físico como no digital”, “enriquecendo assim a sociedade” – as nossas
“palavras e ações hão de ser tais que nos ajudem a sair dos círculos viciosos
de condenações e vinganças que mantêm prisioneiros os indivíduos e as nações”. Ao
invés, “a palavra do cristão visa fazer crescer a comunhão e, mesmo quando deve
com firmeza condenar o mal, procura não romper jamais o relacionamento e a
comunicação”. Por isso, Francisco pretende “convidar todas as pessoas de boa
vontade a redescobrirem o poder que a misericórdia tem de curar as relações
dilaceradas e restaurar a paz e a harmonia entre as famílias e nas comunidades”.
Neste aspeto,
a mensagem papal parte do dinamismo da comunicação para lançar o apelo para as
palavras e atitudes de misericórdia a toda a Igreja, a cada um dos cristãos e às
pessoas de boa vontade. Porém, não deixa de apelar a que “também a linguagem da
política e da diplomacia se deixe inspirar pela misericórdia, que nunca dá nada
por perdido” – apelo extensivo àqueles que têm responsabilidades políticas,
institucionais e de formação da opinião pública, “para que estejam sempre
vigilantes sobre o modo como se exprimem a respeito de quem pensa ou age de
forma diferente e ainda de quem possa ter errado”.
E a mensagem
de Francisco pretende lançar as bases da alteração do modo de comunicar e
servir dos pastores na Igreja de forma a nunca expressarem “o orgulho soberbo
do triunfo sobre um inimigo”, nem humilharem “aqueles que a mentalidade do
mundo considera perdedores e descartáveis”.
A quem pense
que “uma visão da sociedade enraizada na misericórdia seja injustificadamente
idealista ou excessivamente indulgente”, recorda as primeiras experiências de
relação no seio da família:
“Os pais amavam-nos e apreciavam-nos
mais pelo que somos do que pelas nossas capacidades e os nossos sucessos.
Naturalmente os pais querem o melhor para os seus filhos, mas o seu amor nunca
esteve condicionado à obtenção dos objetivos. A casa paterna é o lugar onde
sempre és bem-vindo (cf Lc 15,11-32).
Por analogia,
o Papa encoraja todos a pensarem “a sociedade humana não como um espaço onde
estranhos competem e procuram prevalecer, mas antes como uma casa ou uma
família onde a porta está sempre aberta e se procura aceitar uns aos outros”. Por
isso, lembra o essencial do ato de comunicar: comunicar é partilhar; e partilhar
exige escuta e acolhimento para se poder responder em conformidade enriquecendo
o que se escutou. É preciso escutar mais que ouvir: ouvir refere-se à
informação; escutar refere-se à comunicação e postula a proximidade.
Falando de e-mails, sms, redes sociais, chats, sustenta que “podem
ser formas de comunicação plenamente humanas, pois “não é a tecnologia que
determina se a comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e a sua
capacidade de fazer bom uso dos meios ao seu dispor”.
Verificando que
“a comunicação, os seus lugares e os seus instrumentos permitiram um
alargamento de horizontes para muitas pessoas”, define este fenómeno como “um
dom de Deus” e “uma grande responsabilidade”. E, finalmente, sintetiza o
essencial da mensagem:
“Gosto de definir este poder da
comunicação como proximidade. O encontro entre a comunicação e a misericórdia é
fecundo na medida em que gerar uma proximidade que cuida, conforta, cura,
acompanha e faz festa. Num mundo dividido, fragmentado, polarizado, comunicar
com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e solidária proximidade
entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade.”
***
Hoje, após a oração
do Regina Coeli, Francisco evocou o
50.º Dia Mundial das Comunicações Sociais
celebrado neste Domingo da Ascensão do Senhor (nalguns países, a Ascensão
celebrou-se passada quinta-feira, como é da tradição bíblico-litúrgica), enviando a todos quantos trabalham na comunicação uma
cordial saudação e fazendo votos para que o modo de comunicar na Igreja tenha
sempre um claro “estilo evangélico”, um estilo que una a verdade e a
misericórdia.
É o recado que visa incutir na comunicação social o
elemento fundante da comunicação – proximidade e partilha – possibilitador do
ambiente da misericórdia e, o mesmo tempo, lançar as bases de uma comunicação
mais misericordiosa e inclusiva em Igreja.
É óbvio que a Igreja, consciente da sua missão de evangelização,
não se fica na função informativa e na de entretenimento da comunicação social;
quer ir mais longe, fomentando o levar da proximidade solidária a quem festeja
a vida e os seus valores, atender com alma e coração solidários os que sofrem
lutando pela implantação da justiça e formando na doutrina e nos costumes.
Prosit.
2016.05.08 – Louro de Carvalho
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