segunda-feira, 23 de maio de 2016

Posicionamento de Portugal na Cimeira Humanitária Mundial

Decorre, entre 23 e 24 de maio, em Istambul, na Turquia, a I Cimeira Humanitária Mundial, convocada pelas Nações Unidas, com a participação de mais de 50 líderes mundiais, em delegações de 170 países (ao todo, 5000 presenças) e cujo objetivo é encontrar novos métodos para enfrentar as situações de crise, salvando vidas, atenuando sofrimentos e oferecendo uma melhor tutela às pessoas mais vulneráveis. Está em causa a criação de uma nova forma de ajudar cerca de 130 milhões de pessoas em risco.
O Papa referiu-se ao evento, a 22 de maio, depois da recitação do Angelus perante os fiéis reunidos na Praça de São Pedro, como sendo a 1.ª Cimeira Humanitária Mundial, “destinada a refletir sobre as medidas a adotar para vir ao encontro das dramáticas situações humanitárias causadas por conflitos, problemas ambientais e extrema pobreza”. E declarou acompanhar “com a oração os participantes em tal encontro para que se empenhem plenamente na realização do objetivo humanitário principal: salvar a vida de cada ser humano, sem excluir ninguém, em particular os inocentes e os mais indefesos”. Esta referência vem alinhada com o voto que formulou pelo seu êxito, já na sua mensagem Urbi et Orbi, no domingo de Páscoa:
“Que a próxima rodada da Cimeira Mundial Humanitária não deixe de colocar no centro a pessoa humana com a sua dignidade e possa desenvolver políticas capazes de ajudar e proteger as vítimas de conflitos e de outras situações de emergência, especialmente os mais vulneráveis e os que sofrem perseguição por motivos étnicos e religiosos”.
Pela importância que lhe dão pequenos Estados e/ou países, são de destacar: a participação da Santa Sé, que se fez representar por uma delegação chefiada pelo Cardeal Secretário de Estado, Pietro Parolin, e integrada pelos arcebispos Bernardito Auza, Observador Permanente junto da ONU  em Nova Iorque, e Dom Silvano Tomasi, ex-observador permanente junto da ONU em Genebra, que se encontra agora a prestar serviço no Conselho Pontifício Justiça e Paz (a Rádio Vaticano enviou três correspondentes); e a delegação portuguesa, chefiada pelo Primeiro-Ministro, António Costa, e que integra António Guterres, ex-Primeiro-Ministro, ex-Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e atual candidato ao cargo de secretário-geral da ONU.
Esta reunião inédita – para a qual foram convidados representantes dos governos, do setor privado, de organizações multilaterais, da sociedade civil, da academia e das comunidades afetadas pelas crises, incluindo as mulheres mais marcadas pela desigualdade – constitui uma prioridade do Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, no diálogo com a comunidade internacional para a resolução dos desafios globais que causam grande sofrimento humano, nomeadamente os relacionados com conflitos e desastres naturais. A questão central é: Como é que podemos agir em conjunto para criar um mundo mais seguro e humano?
Para ajudar à reflexão, Ban Ki-moon apresentou, na sede da ONU, em Nova Iorque, o seu relatório “Uma Humanidade: Responsabilidade Partilhada”, que está a servir de base à discussão na Cimeira e que enfatiza a necessidade de colocar a Humanidade no centro da decisão política global e apresenta cinco responsabilidades centrais que a comunidade internacional deve assumir. 
O principal programa da cimeira inclui sete mesas-redondas temáticas, com participação de responsáveis mundiais, baseadas naquele relatório do secretário-geral da ONU sobre o atual “estado do mundo”, enquanto numa sessão plenária vão ser apresentadas as linhas de ação e os compromissos concretos comuns, com o objetivo de garantir a Agenda para a Humanidade 2030, e outros objetivos delineados.
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A chanceler alemã apelou ao fim das promessas de doações (aliás muito frequentes) que não chegam a concretizar-se, considerando que “falta um sistema viável” para garantir o financiamento de projetos. As suas palavras surgiram depois de, na sessão de abertura, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ter exortado a comunidade internacional a uma maior partilha da responsabilidade na ajuda humanitária, considerando que o atual modelo é insuficiente, pois apenas “alguns países suportam esse fardo”, no que foi replicado por Barack Obama.

Por seu turno, o cardeal Luis Antonio Tagle, presidente da Caritas Internationalis (CI), um dos oradores da Cimeira, salienta que, perante desafios como “a guerra, o extremismo, a crescente desigualdade social, as mudanças climáticas e a escassez de água”, é urgente “um sistema de ajuda humanitário que seja capaz de ir ao encontro das necessidades”. Caso contrário, será impossível assegurar a sobrevivência de “milhões” de pessoas que continuarão “em perigo nos próximos anos”. Para este responsável, a Cimeira é uma “oportunidade para transformar todo o sistema de ajuda” às populações, potenciando mais as “organizações locais”. Apesar de, muitas vezes, serem “pouco reconhecidas”, as organizações locais, bem como as instituições de cariz religioso a atuar no terreno, assumem-se como as primeiras “infraestruturas de apoio” às populações, em situações de “emergência”.
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É neste contexto temático que surgem as preocupações da delegação de Portugal, chefiada por António Costa, a par do empenho em aproveitar a oportunidade para promover a candidatura de António Guterres para secretário-geral da ONU.

Na cabeça da resposta às questões levantadas no âmbito das preocupações de Portugal, vem a afirmação de que o país tem ofertas para integrar refugiados “pelo emprego e educação”.
O primeiro-ministro, na linha do que, em tempo, declarou em Atenas na presença do Primeiro-Ministro grego, considera essencial a integração dos refugiados pelo emprego e pela educação, adiantando que Portugal tem ofertas nesse sentido e defendendo que as migrações representam simultaneamente um desafio e uma oportunidade face ao desequilíbrio demográfico mundial.
Na sua intervenção, proferida no âmbito dum painel intitulado “Não deixar ninguém para trás”, o líder do Executivo português demarcou-se totalmente da linha política europeia que defende o encerramento de fronteiras e sustentou, em contraponto, que os fenómenos das migrações são “tão antigos quanto a Humanidade” – razão por que não devem ser demonizados. Ao invés, segundo Costa, a imigração terá efeitos positivos na solução dos desequilíbrios demográficos globais. Por isso, acentuou que “é do interesse geral promover a migração segura e ordenada”.
Relativamente à atual vaga de refugiados, resultante sobretudo dos conflitos militares na Síria, Iraque e Afeganistão, António Costa anotou que Portugal está entre os países menos afetados pelo problema. Não obstante, declarou que “estamos dispostos a contribuir para encontrar soluções”, no âmbito do programa de recolocação de refugiados da União Europeia, que atribuiu a Portugal uma quota de acolhimento de cerca de cinco mil pessoas. E disse:
“Estamos dispostos a dobrar essa quota, num ato de solidariedade com outros países diretamente mais afetados. Portugal compromete-se a colocar em prática vias adicionais para admissão de refugiados, oferecendo também oportunidades de educação e de emprego para facilitar a integração dos refugiados”.
Costa especificou a relevância do acesso ao Ensino Superior por parte de alguns refugiados – missão que disse apoiada por “governos, organizações internacionais e regionais, comunidades académicas, fundações, organizações não governamentais e setor privado”.
O Primeiro-Ministro não olvidou a referência ao programa Simplex+, recentemente aprovado na em Conselho de Ministros, sobretudo em relação ao kit de boas-vindas a refugiados. Explicou que esse “kit” está escrito na língua materna dos refugiados e inclui informações sobre direitos básicos, direitos das mulheres, cuidados de saúde, acesso a educação e a proteção social.
No plano estritamente político, Costa considerou que, a nível diplomático, já estão identificadas as linhas de orientação para uma resposta eficaz ao fenómeno dos refugiados. Falta, no entanto, “um quadro global de atuação fundado numa política coerente, em que todas as partes ajam melhor e mais rapidamente”. E reiterou a ideia de que não considera as migrações apenas um desafio a enfrentar, mas sobretudo “uma oportunidade que importa aproveitar”.
Também o antigo Primeiro-Ministro português, António Guterres, pediu que os Estados façam ofertas firmes de diversos tipos de ajuda e se disponham a receber e reinstalar mais refugiados, advertindo que a Cimeira tem de assumir com urgência compromissos firmes na ajuda aos refugiados, aduzindo que o mundo está a assistir à multiplicação de situações dramáticas.
O aviso foi deixado pelo ex-alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), não propriamente no areópago oficial, mas em declarações aos jornalistas proferidas à margem dos trabalhos. No entanto, a sua declaração não deixa de ser pertinente quando afirma:
“O mundo está a assistir a uma multiplicação de situações humanitárias dramáticas, quer por causa de conflitos, quer em consequência de catástrofes naturais. Por todas estas razões, é essencial que haja um despertar de consciências e que os diferentes Estados possam fazer ofertas firmes de diversos tipos de ajuda, designadamente ajudas financeiras às vítimas e aos países que as apoiam na linha da frente, caso dos vizinhos da Síria e da Somália.”.
O ex-ACNUR julga também essencial que os países se disponham a receber e reinstalar mais refugiados, sob o signo de “uma maior solidariedade” e do propósito de haver doravante a capacidade da assunção de “uma responsabilidade coletiva em relação às trágicas situações que estamos vivendo”. Por isso, espera que “esta cimeira dê um grande impulso ao assumir esses compromissos – e, depois, que esses compromissos sejam cumpridos”.
Confrontado com a possibilidade de as conclusões da Cimeira poderem não passar
 de boas intenções, sem ulterior concretização, Guterres referiu que “esse é o risco de todas as cimeiras”. Aliás, “esse é o risco da vida política internacional de não haver vontade política para assumir uma responsabilidade conjunta em relação a dramas de natureza global” – assegurou.
Face a esta problemática, o candidato a secretário-geral das Nações Unidas formulou um elogio à atuação do Governo português em matéria de refugiados:
“É para mim muito reconfortante ver que Portugal tem tomado nesta cimeira uma atitude muito positiva e que essa atitude tem sido confirmada na prática pelas decisões tomadas no sentido de serem recebidos mais refugiados”.
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Não há como esperar pelas conclusões finais de amanhã a coroar as reflexões desta inédita iniciativa, de que devem resultar alterações positivas estruturantes na atenção aos que precisam.

2016.05.23 – Louro de Carvalho

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