Decorre,
entre 23 e 24 de maio, em Istambul, na Turquia, a I
Cimeira Humanitária Mundial, convocada pelas Nações Unidas, com
a participação de mais de 50 líderes mundiais, em delegações de 170 países (ao
todo, 5000 presenças)
e cujo objetivo é encontrar
novos métodos para enfrentar as situações de crise, salvando vidas, atenuando
sofrimentos e oferecendo uma melhor tutela às pessoas mais vulneráveis. Está em
causa a criação de uma nova forma de ajudar
cerca de 130 milhões de pessoas em risco.
O
Papa referiu-se ao evento, a 22 de maio, depois da recitação do Angelus perante os fiéis reunidos na
Praça de São Pedro, como sendo a 1.ª Cimeira Humanitária Mundial, “destinada a
refletir sobre as medidas a adotar para vir ao encontro das dramáticas
situações humanitárias causadas por conflitos, problemas ambientais e extrema
pobreza”. E declarou acompanhar “com a oração os participantes em tal encontro
para que se empenhem plenamente na realização do
objetivo humanitário principal: salvar a
vida de cada ser humano, sem excluir ninguém, em particular os inocentes e os
mais indefesos”. Esta referência vem alinhada com o voto que formulou pelo
seu êxito, já na sua mensagem Urbi et Orbi, no domingo de Páscoa:
“Que a próxima rodada da Cimeira Mundial Humanitária não
deixe de colocar no centro a pessoa humana com a sua dignidade e possa
desenvolver políticas capazes de ajudar e proteger as vítimas de conflitos e de
outras situações de emergência, especialmente os mais vulneráveis e os que
sofrem perseguição por motivos étnicos e religiosos”.
Pela importância que lhe dão pequenos Estados e/ou
países, são de destacar: a participação da Santa Sé, que se fez representar por
uma delegação chefiada pelo Cardeal Secretário de Estado,
Pietro Parolin, e integrada pelos arcebispos Bernardito Auza, Observador
Permanente junto da ONU em Nova Iorque, e Dom Silvano Tomasi,
ex-observador permanente junto da ONU em Genebra, que se encontra agora a
prestar serviço no Conselho Pontifício Justiça e Paz (a Rádio
Vaticano enviou três correspondentes); e a
delegação portuguesa, chefiada pelo Primeiro-Ministro, António Costa, e que
integra António Guterres, ex-Primeiro-Ministro, ex-Alto Comissário das Nações
Unidas para os Refugiados e atual candidato ao cargo de secretário-geral da
ONU.
Esta reunião
inédita – para a qual foram convidados representantes dos governos, do setor
privado, de organizações multilaterais, da sociedade civil, da academia e das
comunidades afetadas pelas crises, incluindo as mulheres mais marcadas pela desigualdade
– constitui uma prioridade do Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon,
no diálogo com a comunidade internacional para a resolução dos desafios globais
que causam grande sofrimento humano, nomeadamente os relacionados com conflitos
e desastres naturais. A questão central é: Como
é que podemos agir em conjunto para criar um mundo mais seguro e humano?
Para ajudar
à reflexão, Ban Ki-moon apresentou, na sede da ONU, em Nova Iorque, o seu
relatório “Uma Humanidade:
Responsabilidade Partilhada”, que está a servir de base à discussão na
Cimeira e que enfatiza a necessidade de colocar a Humanidade no centro da
decisão política global e apresenta cinco responsabilidades centrais que a
comunidade internacional deve assumir.
O principal
programa da cimeira inclui sete mesas-redondas temáticas, com participação de
responsáveis mundiais, baseadas naquele relatório do secretário-geral da ONU
sobre o atual “estado do mundo”, enquanto numa sessão plenária vão ser
apresentadas as linhas de ação e os compromissos concretos comuns, com o
objetivo de garantir a Agenda para a Humanidade 2030, e outros objetivos
delineados.
***
A chanceler alemã apelou ao fim das promessas de doações (aliás muito
frequentes) que não chegam a concretizar-se, considerando que “falta um sistema
viável” para garantir o financiamento de projetos. As suas palavras surgiram depois de, na sessão de abertura, o Presidente
turco, Recep Tayyip Erdogan, ter exortado a comunidade internacional a uma
maior partilha da responsabilidade na ajuda humanitária, considerando que o
atual modelo é insuficiente, pois apenas “alguns países suportam esse fardo”,
no que foi replicado por Barack Obama.
Por seu turno, o cardeal Luis Antonio Tagle, presidente
da Caritas Internationalis (CI), um dos oradores da Cimeira, salienta que, perante
desafios como “a guerra, o extremismo, a crescente desigualdade social, as
mudanças climáticas e a escassez de água”, é urgente “um sistema de ajuda
humanitário que seja capaz de ir ao encontro das necessidades”. Caso contrário,
será impossível assegurar a sobrevivência de “milhões” de pessoas que
continuarão “em perigo nos próximos anos”. Para este responsável, a Cimeira é
uma “oportunidade para transformar todo o sistema de ajuda” às populações,
potenciando mais as “organizações locais”. Apesar de, muitas vezes, serem
“pouco reconhecidas”, as organizações locais, bem como as instituições de cariz
religioso a atuar no terreno, assumem-se como as primeiras “infraestruturas de
apoio” às populações, em situações de “emergência”.
***
É neste contexto temático que surgem as preocupações da
delegação de Portugal, chefiada por António Costa, a par do empenho em
aproveitar a oportunidade para promover a candidatura de António Guterres
para secretário-geral da ONU.
Na
cabeça da resposta às questões levantadas no âmbito das preocupações de Portugal,
vem a afirmação de que o país tem ofertas para integrar refugiados “pelo
emprego e educação”.
O primeiro-ministro, na linha do que, em tempo, declarou em Atenas na
presença do Primeiro-Ministro grego, considera essencial a integração dos
refugiados pelo emprego e pela educação, adiantando que Portugal tem ofertas
nesse sentido e defendendo que as migrações representam simultaneamente um
desafio e uma oportunidade face ao desequilíbrio demográfico mundial.
Na sua intervenção, proferida no âmbito dum painel intitulado “Não deixar ninguém para trás”, o líder
do Executivo português demarcou-se totalmente da linha política europeia que
defende o encerramento de fronteiras e sustentou, em contraponto, que os
fenómenos das migrações são “tão antigos quanto a Humanidade” – razão por que
não devem ser demonizados. Ao invés, segundo Costa, a imigração terá efeitos
positivos na solução dos desequilíbrios demográficos globais. Por isso,
acentuou que “é do interesse geral promover a migração segura e ordenada”.
Relativamente à atual vaga de refugiados, resultante sobretudo dos
conflitos militares na Síria, Iraque e Afeganistão, António Costa anotou que
Portugal está entre os países menos afetados pelo problema. Não obstante,
declarou que “estamos dispostos a contribuir para encontrar soluções”, no âmbito
do programa de recolocação de refugiados da União Europeia, que atribuiu a Portugal
uma quota de acolhimento de cerca de cinco mil pessoas. E disse:
“Estamos dispostos a dobrar essa quota, num ato de
solidariedade com outros países diretamente mais afetados. Portugal
compromete-se a colocar em prática vias adicionais para admissão de refugiados,
oferecendo também oportunidades de educação e de emprego para facilitar a
integração dos refugiados”.
Costa especificou a relevância do acesso ao Ensino Superior por parte de
alguns refugiados – missão que disse apoiada por “governos, organizações
internacionais e regionais, comunidades académicas, fundações, organizações não
governamentais e setor privado”.
O Primeiro-Ministro não olvidou a referência ao programa Simplex+, recentemente aprovado na em
Conselho de Ministros, sobretudo em relação ao kit de boas-vindas a refugiados. Explicou que esse “kit” está
escrito na língua materna dos refugiados e inclui informações sobre direitos
básicos, direitos das mulheres, cuidados de saúde, acesso a educação e a proteção
social.
No plano estritamente político, Costa considerou que, a nível diplomático,
já estão identificadas as linhas de orientação para uma resposta eficaz ao
fenómeno dos refugiados. Falta, no entanto, “um quadro global de atuação
fundado numa política coerente, em que todas as partes ajam melhor e mais
rapidamente”. E reiterou a ideia de que não considera as migrações apenas um
desafio a enfrentar, mas sobretudo “uma oportunidade que importa aproveitar”.
Também o antigo Primeiro-Ministro português, António
Guterres, pediu que os Estados façam ofertas firmes de diversos tipos de ajuda
e se disponham a receber e reinstalar mais refugiados, advertindo que a Cimeira
tem de assumir com urgência compromissos firmes na ajuda aos refugiados, aduzindo
que o mundo está a assistir à multiplicação de situações dramáticas.
O aviso foi deixado pelo ex-alto comissário das Nações Unidas
para os Refugiados (ACNUR), não propriamente no areópago
oficial, mas em declarações aos jornalistas proferidas à margem dos trabalhos. No
entanto, a sua declaração não deixa de ser pertinente quando afirma:
“O mundo
está a assistir a uma multiplicação de situações humanitárias dramáticas, quer por
causa de conflitos, quer em consequência de catástrofes naturais. Por todas
estas razões, é essencial que haja um despertar de consciências e que os
diferentes Estados possam fazer ofertas firmes de diversos tipos de ajuda,
designadamente ajudas financeiras às vítimas e aos países que as apoiam na
linha da frente, caso dos vizinhos da Síria e da Somália.”.
O ex-ACNUR julga também essencial que os países se disponham
a receber e reinstalar mais refugiados, sob o signo de “uma maior solidariedade”
e do propósito de haver doravante a capacidade da assunção de “uma
responsabilidade coletiva em relação às trágicas situações que estamos vivendo”.
Por isso, espera que “esta cimeira dê um grande impulso ao assumir esses compromissos
– e, depois, que esses compromissos sejam cumpridos”.
Confrontado com a possibilidade de as conclusões da Cimeira
poderem não passar
de boas intenções, sem
ulterior concretização, Guterres referiu que “esse é o risco de todas as
cimeiras”. Aliás, “esse é o risco da vida política internacional de não haver
vontade política para assumir uma responsabilidade conjunta em relação a dramas
de natureza global” – assegurou.
Face a esta problemática, o candidato a secretário-geral das Nações
Unidas formulou um elogio à atuação do Governo português em matéria de
refugiados:
“É para mim muito reconfortante ver que Portugal tem tomado
nesta cimeira uma atitude muito positiva e que essa atitude tem sido confirmada
na prática pelas decisões tomadas no sentido de serem recebidos mais refugiados”.
***
Não
há como esperar pelas conclusões finais de amanhã a coroar as reflexões desta inédita
iniciativa, de que devem resultar alterações positivas estruturantes na atenção
aos que precisam.
2016.05.23 – Louro de Carvalho
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