Realizou-se,
no passado dia 30 de abril, no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian, a
Conferência subordinada ao tema “Currículo para o Século XXI:
competências, conhecimentos e valores numa escolaridade de 12 anos”. Esta iniciativa da Direção-Geral
da Educação contou com a presença do Ministro da Educação e do Secretário de
Estado da Educação.
A “Conferência”,
que teve significativa participação, quer em presença, quer à distância,
mediante vídeo-difusão, constou de comunicações, na modalidade de conferência,
proferidas por especialistas nacionais e internacionais, e de painéis temáticos
em que foram debatidos temas específicos, do interesse dos representantes das
associações de professores das várias áreas curriculares. O programa iniciou-se com a
sessão de abertura, em que intervieram: Guilherme d´Oliveira Martins,
Administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian; José Vítor Pedroso,
Diretor-Geral da Educação; e João Costa, Secretário de Estado da Educação. E a
sessão de encerramento foi presidida pelo Ministro da Educação.
Do
recheio do programa constaram três intervenções na modalidade de conferência
dirigidas a todos os participantes sobre os temas: “Education and Social Progress” (Educação e Progresso Social), por Andreas Schleicher, OCDE, Director for Education and Skills;
“Nueve valores educativos para sobrevivir
en una sociedade del conocimiento” (Nove valores educativos para sobreviver numa
sociedade do conhecimento), por Daniel Innerarity, catedrático de filosofia política
e social, investigador “Ikerbasque” na
Universidade do País Basco e diretor do Instituto de Governança Democrática;
e “Que Educação para o Mundo da vida
do século XXI? Perfis, Objetivos e Desafios”, por Guilherme d'Oliveira Martins.
E foram organizados quatro painéis temáticos dirigidos a participantes
específicos, designadamente as associações de professores interessadas:
Painel 1 – A Literacia no Currículo e a Aprendizagem da
Língua – Português, Línguas Clássicas e Línguas Estrangeiras;
Painel 2 – O Domínio das Expressões no Currículo:
competências, conceitos e estratégias na Educação Artística e na Educação
Física;
Painel 3 – As
Ciências Sociais e Humanas no Currículo: os conhecimentos e as competências
para construir sociedades mais sustentáveis e inclusivas; e
Painel 4 – As
Competências no Domínio da Matemática, das Ciências e das Tecnologias:
conhecimentos, estratégias e competências científicas e tecnológicas.
***
O Expresso, na edição on line de 30 de abril, recolhe em entrevista a Andreas Schleicher, diretor do departamento de Educação e Competências da OCDE, o essencial do que é preciso mudar no ensino para garantir jovens bem sucedidos, num mundo que “já não recompensa as pessoas apenas por aquilo que sabem”. O especialista, que é o responsável máximo pelos testes PISA – provas que não determinam um juízo de valor sobe os alunos, mas sobre os países participantes no estudo, entende que Portugal vem a melhorar, mas está longe dos melhores desempenhos.
Com efeito, o método de ensino nas nossas escolas tem de evoluir adaptando-se
às novas exigências, como frisa Schleicher, um dos oradores convidados da “Conferência”
e um dos mais influentes no setor da educação. Graças a ele, muitos países
promoveram reformas no sistema de ensino ante os fracos resultados obtidos nos
testes do PISA (Programme for International Students Assessment), que ele lançou em 2000.
Na verdade, o PISA realiza a maior comparação
internacional na área da educação, levada a cabo em 65 países e economias e
aplicada, de três em três anos, a uma amostra de mais de meio milhão de jovens.
Com a divulgação dos resultados, fica-se a saber quem melhorou, quem piorou e
quem se destaca nestes rankings de testagem
da literacia matemática, científica e de leitura dos alunos aos 15 anos.
Há uma geração, os professores esperavam “que o que
ensinavam aos alunos seria válido ao longo de toda a vida”. Porém, as escolas
têm, hoje, de preparar os estudantes para uma mudança socioeconómica muitíssimo
rápida, para empregos que ainda nem foram criados, para a utilização de tecnologias
que ainda não existem e para a resolução de problemas que ainda não sabemos que
vão surgir. “O sucesso educativo já não reside maioritariamente na reprodução
de conteúdos, mas na extrapolação do que sabemos e na sua aplicação criativa a
situações novas” – diz Schleicher. Por isso, “a educação tem cada vez mais que
ver com o desenvolvimento da criatividade, do pensamento crítico, da resolução
de problemas e da tomada de decisões; e com formas de trabalho que implicam
comunicação e colaboração”.
Enclausurados numa única disciplina, não desenvolveremos
as competências para topar donde surgirá a próxima invenção significativa. Por
isso, o foco do próximo teste do PISA incidirá nas “Competências Globais”. Mas,
no século XXI, temos de ir mais adiante reconhecendo a insuficiência do
conhecimento e das competências per se.
Pegando no caso de banqueiros criativos que arruinaram o sistema financeiro e
de empreendedores que estão à frente de organizações mafiosas, o responsável do
PISA sustenta a necessidade do cultivo de “qualidades mais vastas a nível do
caráter” – empatia, resiliência, curiosidade, coragem, liderança e valores. É
isto, feito “de forma pensada e sistemática”, que distinguirá o currículo do
século XXI do currículo tradicional.
Se considerarmos a relação entre a carga horária
letiva e os resultados educativos em cada país, “encontramos uma relação
positiva”. Porém, comparando os diferentes países, verificamos não haver
relação unívoca entre os dois fatores. De facto, os resultados educativos “são
sempre fruto da quantidade e da qualidade do ensino”. Assim, porque a Finlândia
investe em experiências educativas de qualidade muito alta, os estudantes
conseguem bons resultados, mesmo com horário mais curto do que em outros
países.
No caso português, se considerarmos os dados do PISA, os
alunos tendem para boas prestações em tarefas que exigem a reprodução dos conteúdos,
mas não são tão bons na sua aplicação criativa. Neste aspeto, as escolas ainda
não fizeram a transição de século. Todavia,
a prestação dos alunos é apreciada “de forma muito positiva” e “Portugal
registou desde 2000 uma das melhorias mais acentuadas entre todos os países da
OCDE”.
Não obstante, há que
descolar do sistema tradicional, mais burocrático – em que “os professores são frequentemente deixados
sozinhos nas salas de aula e lhes é dito tudo o que têm de ensinar” – para um
sistema de escola diferente. Neste, as escolas apresentam melhores desempenhos porque
“estabelecem metas ambiciosas, são claras acerca do que os estudantes devem ser
capazes de fazer, mas dão aos docentes a autonomia para definir que conteúdos e
que tipo de ensino precisam de dar aos seus alunos”. Em vez de alunos
diferentes serem ensinados da mesma forma, nas melhores escolas aceita-se a
diversidade e usam-se práticas pedagógicas diferenciadas; o ensino deixa de
ficar centrado no currículo para se centrar no aluno.
***
Por seu turno, o Ministro Educação aponta o facto de
os documentos curriculares dos ensinos básico e secundário, em vigor, terem
sido “homologados e implementados ao longo dos últimos 26 anos”. E estranha a
coexistência, na mesma disciplina, de situações muito díspares, por exemplo: programas de 1991 com metas curriculares de
2014, programas de 2001 com metas curriculares de 2014, programas e metas curriculares
de 2015.
Tradicionalmente considera-se como currículo escolar
o conjunto de planos de estudo que integram disciplinas, organizadas por áreas
disciplinares e/ou componentes de formação. O saber disciplinar que se aprende
na escola inclui as regras e padrões que influenciam a forma de pensar,
comunicar e interagir dos alunos, bem como o tipo de olhar que eles constroem sobre
si próprios e sobre o mundo. Porém, considera-se que “o currículo escolar não
abrange tudo o que se aprende, seja no domínio específico de cada área do
saber, seja nos domínios mais transversais de desenvolvimento pessoal, social e
cultural”. E Tiago Brandão Rodrigues acompanha Schleicher
ao afirmar que as sociedades atuais se debatem com inexplicáveis “questões como
a imprevisibilidade do futuro e a sustentabilidade dos atuais padrões de
desenvolvimento económico”. Hoje a educação e a escola enfrentam os graves
desafios que resultam da globalização, da convivência multicultural e dos
rápidos desenvolvimentos económicos e tecnológicos, que “suscitam novas
questões e exigências”.
Não se pode afirmar hoje que o conhecimento emerja
exclusivamente da escola, embora esta continue como “o território de referência
para a construção do saber, através da relação educativa pessoal estabelecida
pela presença do professor”. A escola de hoje “é o território de eleição no
desenvolvimento de competências para a sociedade do conhecimento e para o
exercício de uma cidadania ativa e democrática”. Assim, “numa sociedade e
economia” assentes na aprendizagem, saber e qualificações, a educação é, ao
mesmo tempo, “condição de empregabilidade e competitividade” e “condição
fundamental para uma sociedade coesa e progressiva”. Por isso, a aposta na
educação e qualificação” é “um meio imprescindível para a valorização dos
cidadãos, para uma cidadania democrática e para o desenvolvimento sustentável
do país”. Neste contexto, o Ministro apela à reflexão sobre as opções a tomar
no desenho curricular, projetado para os 12 anos da escolaridade obrigatória,
no atinente: às escolhas curriculares para garantia do acesso de todos ao
conhecimento; a seleção de conhecimentos significativos para a visão dos jovens
sobre o mundo e necessários para o transformarem; a definição de competências e
valores a adquirir na escola pelos jovens, com vista a uma sociedade mais
desenvolvida, mais justa e mais democrática.
Aqui, os professores – diz o Ministro – “enquanto
agentes principais do desenvolvimento do currículo, têm um papel fundamental na
sua avaliação, na reflexão sobre as opções a tomar e na sua exequibilidade e
adequação aos contextos de cada comunidade escolar, tornando-o um efetivo
instrumento da promoção do sucesso escolar para todos”.
***
E
Daniel Innerarity, na sua comunicação,
desenvolveu os nove valores educativos para a sobrevivência numa sociedade do
conhecimento: a reflexividade (o importante é o saber novo); a incerteza
(é preciso gerir o que não sabemos); a benéfica
destruição do conhecimento (é preciso aniquilar a informação, o esquecimento e a desatenção); a interpretação
(é conveniente fazer-se um ideia geral); a criatividade
(o difícil não é encontrar, mas buscar); a autonomia
(é preciso pensar por si mesmo); a inexatidão
(é preciso apreciar as coisas mesmo que o seu valor
não seja muito grande); a incompetência (é preciso questionar para que serve aquilo que serve); e a inutilidade
(é preciso apreciar o saber em si mesmo, independentemente
de ele ser aplicável no imediato).
***
Trata-se, pois, de uma iniciativa cujo objeto são
temas cuja reflexão deve chegar a todos os agentes educativos, para ver se,
mudando de paradigma educacional, se dá a volta a esta sociedade em que a
cidadania é atropelada a cada passo e em qualquer esquina, em que o mundo é
cada vez mais o mundo dos poucos que se julgam seus donos únicos.
2016.05.03 –
Louro de Carvalho
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