A propósito
do jubileu dos diáconos, que decorreu em Roma, de 27 a 29 de maio e cujo
encerramento ficou marcado pela celebração eucarística presidida por Francisco
na Praça de São Pedro, ocorre-me uma reflexão com algumas referências à homilia
papal.
O diaconado,
sem a esgotar, é expressão peculiar da diaconia
(serviço) na Igreja com vista à eucaristia (ação de graças celebrativa) e à koinonía (comunhão). Assim, o diácono, clérigo inserido
no 1.º grau da hierarquia de ordem, enquadra-se, antes de mais, no âmbito do
serviço a Cristo e à comunidade e não tanto na carreira eclesiástica e, menos
ainda, na onda do prestígio social.
O diaconado
de transição para o sacerdócio só difere do diaconado permanente pela sua
pressuposta curta durabilidade em exercício com vista à ordenação presbiteral e,
na Igreja Católica de rito latino, pela exigência do celibato. O diaconado
permanente pode ser conferido a homens já matrimoniados com idade madura e sob
consentimento da esposa. Porém, casados ou celibatários, não podem os diáconos contrair
matrimónio depois da ordenação diaconal.
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A reflexão
sobre o diaconado deve partir do texto bíblico de Mateus, que transcreve as
palavras da missão de Jesus: “...o Filho do Homem não veio para ser servido,
mas para servir” (Mt 20,
28). Daí inferimos que o
ministério diaconal é tipicamente o decorrente da vocação ao serviço, em
conformação com o exemplo de Jesus, o Mestre e Servo. É em Cristo, servo do Pai
e dos homens, que o diácono se fortalece no seu ministério pastoral. Jesus é o
modelo perfeito do “servo” de que fala a Escritura, Aquele que Se esvaziou de
Si mesmo de forma radical, para assumir “a condição de servo” (Fl 2,7) e dedicar-Se em pleno às coisas do Pai (Lc 2,49),
qual Filho predileto em quem o Pai Se compraz (Mt 17,5). Não veio efetivamente para ser servido, “mas para servir e dar a vida
em resgate de muitos” (Mt
20,28), lavou os pés aos
discípulos e obedeceu ao desígnio misterioso do Pai “até à morte e morte de
cruz” (Fl 2,8). Por isso, o Pai O exaltou e Lhe
deu um nome que O fez Senhor do céu e da terra (cf Fl 2,9-11). Ora, para compreendermos o sentido do ministério diaconal,
temos de olhar sempre para as atitudes concretas de Jesus, o servo do Pai e o
exemplo dos cristãos.
Também
Francisco centra a sua reflexão diaconal na expressão “servo de Cristo” (Gl 1,10), com a qual Paulo, que no início da carta aos
Gálatas se apresentara como apóstolo
por vontade do Senhor Jesus (cf Gl 1,1), define o seu estatuto apostólico.
Por outro lado, o Papa assegura que os termos, apóstolo e servo, andam
juntos, não podendo separar-se, mas funcionando como as duas faces duma mesma
medalha ou duma mesma moeda: “quem anuncia Jesus é chamado a servir, e quem
serve anuncia Jesus”. E fundamenta as suas declarações no exemplo modelar de
Cristo:
“O primeiro que nos mostrou isto mesmo
foi o Senhor: Ele, a Palavra do Pai, Ele que nos trouxe a boa-nova (cf Is 61,1), Ele que em Si mesmo é a
boa-nova (cf Lc 4,18),
fez-Se nosso servo (Fl 2, 7), ‘não veio para ser servido, mas
para servir’ (Mc 10,45). ‘Fez-Se diácono de todos’,
como escreveu um Padre da Igreja (S. Policarpo, Ad Philippenses V, 2).
Ora, como
Cristo fez, assim são chamados a fazer os seus anunciadores, os seus pregoeiros
“cheios de misericórdia e de zelo, caminhando segundo a caridade do Senhor, que
Se fez servo de todos” (ib). Porque o discípulo não é mais do que
o Mestre, não pode seguir um caminho diferente do caminho do Mestre. Mais: este
Mestre é ele próprio o caminho. E
ingressar neste caminho implica imitá-Lo, tal como fez Paulo, que almejou
tornar-se servo.
Jesus, o Servo e o Senhor, é também
Aquele que chama a ser
como Ele, porque só no serviço, o ser humano descobre a dignidade própria e a dos outros. Chama
a servir como Ele serviu:
quando as relações interpessoais se inspiram no serviço recíproco, cria-se o mundo novo, em que
se desenvolve uma autêntica cultura vocacional, realiza-se
a palavra, “Onde estou eu, aí também estará
meu servo” (Jo 12,26) e ressoará sempre o apelo do Senhor: “Se alguém quer servir-me, siga-me” (Jo 12,26). Portanto, não há lugar a medo de acolher Cristo.
Encontrar-se-ão dificuldades, mas encontrar-se-á a felicidade por servir e a
capacidade de testemunho daquela alegria que o mundo não pode dar, qual chama
viva do amor infinito e eterno.
A vocação do
diácono permanente é a vocação do serviço. Por isso, ele é simultaneamente pai
e esposo, exerce uma profissão civil e consagra-se à comunidade eclesial pelo
sacramento da Ordem. É uma vocação que abrange três aspetos ou grandes
dimensões: familiar, profissional e
eclesial. Embora constituam desafios próprios, não deixam de contribuir
positivamente para a realização da vocação diaconal. Administrar tais desafios
e colocá-los ao serviço da missão configura a tarefa de cada dia. Requer-se
maturidade para atribuir a cada função o peso certo no momento exato. A
harmonização dos possíveis conflitos exige uma escala de valores ditada pela
vivência dos sacramentos do Matrimónio e da Ordem e pela responsabilidade
profissional. Não se privilegia uma das dimensões em detrimento das outras,
mas, ao dar prioridade momentânea a uma delas, buscar-se-á o equilíbrio. Sem
tal harmonia não existe plena realização vocacional.
Para servir
em diaconia é preciso assumir a vida do “servo Jesus” onde se espelha a
história de cada vocação, a história do Criador para com o ser humano, história
que passa pelo chamamento a servir e culmina na descoberta do nome novo pensado
por Deus para cada um. Sendo assim, a pessoa chamada ao ministério diaconal
alcança a sua identidade na orientação para a realização de si mesma, o que a
torna livre e feliz. Com efeito, a vocação do diácono permanente é, sempre e
por natureza, vocação ao serviço generoso a Deus e ao próximo. A diaconia (diakonía) é um verdadeiro
e próprio itinerário pastoral.
***
A este
respeito, o Papa Francisco assegura que, “se evangelizar é a missão dada a cada cristão no
Batismo, servir é o estilo pelo qual viver a missão
numa linha de serviço é o único modo de ser discípulo de Jesus”. E “é sua
testemunha quem faz como Ele: quem serve os irmãos e as irmãs, sem se cansar de
Cristo humilde, sem se cansar da vida cristã que é vida de serviço”.
O primeiro
passo para nos tornarmos “servos bons e fiéis” (cf Mt 25,21) é sentirmo-nos instados a viver na disponibilidade. O servo
aprende, a cada momento, a desprender-se da tendência a dispor de tudo para si
e de dispor de si mesmo como quer. De facto, quem serve – diz o Papa – “não é
um guardião cioso do seu tempo, antes renuncia a ser senhor do seu próprio dia”
e “sabe que o tempo que vive não lhe pertence, mas é um dom que recebe de Deus
a fim de, por sua vez, o oferecer: só assim produzirá verdadeiramente fruto”. Mas
atenção: o servidor não é um escravo daquilo que fixa a agenda; ao invés, está
disponível para o não programado, “pronto para o irmão e aberto ao imprevisto,
que nunca falta, sendo tantas vezes a surpresa diária de Deus”. Neste sentido,
porque “o servo não se cinge aos horários”, Francisco repele a existência dum
horário nas paróquias, questionando se, fechada a porta, “não há padre, nem
diácono, nem leigo que receba as pessoas…”. Por isso, pede aos diáconos que
deixem “cair os horários”, que tenham “a coragem de pôr de lado os horários”,
pois, “vivendo na disponibilidade”, o seu serviço “será livre de qualquer
interesse próprio e evangelicamente fecundo”.
***
Também o
Evangelho do IX domingo do tempo comum (Lc 7,1-10) fala de serviço, mostrando-nos dois servos: o servo do centurião,
curado por Jesus, e o próprio centurião, ao serviço do Imperador. Surpreendem as
palavras com que manda recado a Jesus para não vir a sua casa, “Não Te incomodes, Senhor, pois não sou digno
de que entres sob o meu teto” (v. 6)
e “nem me julguei digno de ir ter contigo”
(v. 7); e, ainda, “também eu tenho os meus superiores a quem devo obediência e soldados
sob as minhas ordens” (v. 8). São
palavras bem diferentes das que tendencialmente dizemos em nossas orações. Jesus
admira a grande humildade, a mansidão
do centurião. E – conclui o Papa – a mansidão
é uma das virtudes dos diáconos.
Em nome do
serviço, o diácono é manso e assume o estilo de servo e não cai na veleidade de
simular de padre. O centurião, confrontado com o problema que o atingia,
fazendo valer a sua autoridade, poderia ter feito alarido para ser ouvido. Pelo
contrário, faz-se pequeno, discreto, manso. Comporta-se segundo o estilo de
Jesus, que é “manso e humilde de coração”
(Mt 11,29). Na verdade, o Deus Amor leva o seu amor até ao
ponto de nos servir: é paciente, benévolo, sempre disponível e bem disposto,
sofre com os nossos erros e procura o caminho da ajuda a tornarmo-nos melhores.
Manso e humilde devem ser os adjetivos
caraterizadores do serviço cristão, que é imitar
Deus servindo os outros: acolhendo-os com amor paciente, sem nos cansarmos
de os compreender, fazendo com que se sintam bem-vindos a casa, à comunidade
eclesial, onde o maior não é quem manda, mas quem serve (cf Lc 22,26). Na mansidão de serviço, em que
nunca deve haver ralhos, os diáconos amadurecerão a vocação pessoal de ministros
da caridade em comunhão, que disponibilizam em prol da comunidade.
Contemplado
que foi o serviço de Cristo, de Paulo e do centurião, há que olhar para um
terceiro servo: o que é curado por Jesus. Este servo, que estava doente (sem que se saiba de que doença grave
sofria), era muito
querido do seu amo (v. 2). De acordo com as considerações
papais, também nos devemos reconhecer naquele servo:
“Cada um de nós é muito querido de Deus, amado
e escolhido por Ele; somos chamados a servir, mas primeiro precisamos de ser
curados interiormente. Para estar apto ao serviço, precisamos da saúde do
coração: um coração curado por Deus, que se sinta perdoado e não seja fechado
nem duro. Ser-nos-á útil rezar confiadamente todos os dias por isto, pedindo
para sermos curados por Jesus, assemelhar-nos a Ele, que “já não nos chama
servos, mas amigos” (cf Jo 15,15).
Ganhando o
hábito da oração em que apresentem as fadigas, os imprevistos, os cansaços e as
esperanças – uma oração verdadeira que leve a vida ao Senhor e traga o Senhor à
vida – os diáconos tornar-se-ão dignos de servir à Mesa Eucarística, onde
encontrarão a presença de Jesus, que Se dá a eles para que eles se doem aos
outros.
***
Pelo exposto, concluiremos que os diáconos, enquanto homens escolhidos por Deus, respondem generosamente à
vocação a que são chamados por Deus, confirmada pelo bispo e pela comunidade. Cheios
do Espírito Santo e conduzidos por Ele, entregam-se à realização da missão da
Igreja no ministério do serviço, como colaboradores do bispo (que detém a
plenitude do ministério sacerdotal),
realizando a sua missão em unidade com o presbitério (os padres).
O diácono
não é diácono só quando está no altar. É-o também quando imerso nas realidades
do dia a dia, na história concreta que lhe cabe viver. A identidade e o papel
do diácono na Igreja é ser sinal de Cristo-Servo e animador da “diaconía” da
Igreja, da vocação ao serviço de cada comunidade eclesial e de cada cristão. O
diácono tem a graça peculiar de detetar os necessitados e de fazer surgir os
diferentes serviços, seja dentro da comunidade, seja da comunidade para o
mundo. Mediante o serviço da Palavra, da Liturgia e da Caridade, o diácono leva
todos os membros da Igreja a viver em plenitude o serviço, tornando a Igreja um
sinal autêntico de Cristo-Servo que prossegue a realização da sua obra de
salvação nos dias de hoje.
O diácono é
construtor e animador dum novo rosto de Igreja, uma Igreja acolhedora,
serviçal, criativa, solidária, ministerial, de comunhão e participação.
Portanto, a missão do diácono é a missão da Igreja (evangelizar
para construir o Reino de Deus). Porém,
ele realiza esta missão destacando a dimensão do serviço. A sua missão
específica é fazer com que a Igreja seja uma Igreja servidora, para que seja
vivida e testemunhada a palavra de Cristo: “...o Filho do homem veio, não para
ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por todos” (Mt 20,28).
O diaconado,
constituindo o ingresso no estado clerical, é o primeiro grau do Sacramento da
Ordem, sendo os outros o presbiterado e o episcopado. Portanto, diáconos,
presbíteros e bispos compõem a hierarquia da Igreja. São impostas as mãos aos
diáconos para o ministério e não para o sacerdócio. A Ordem imprime caráter,
que, neste caso, o faz diácono para sempre.
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O diaconado
foi estabelecido pelos apóstolos conforme iam surgindo as necessidades na
Igreja e para a elas acorrer, como se pode ver no livro dos Atos (At 6,1-6). Os apóstolos impuseram as mãos sobre os primeiros
sete diáconos: Filipe, Prócoro, Nicanor, Tímon, Pérmenas, Nicolau e Estêvão que
foi o protomártir (At 6,8-7,60). Podemos,
ainda, ver outras referências como Fl 1,1 e 1Tm 3,8-ss. Permaneceu florescente
na Igreja do Ocidente até ao século V, tendo desaparecido, depois, por várias
razões históricas, uma das quais foi a prevalência da prebenda sobre o serviço comunitário.
Foi
restabelecido pelo Concílio Vaticano II. Inicialmente foi regulamentado pelo
Papa Paulo VI, em 1967, pelo Motu Próprio “Sacrum
Diaconatus Ordinem”. Em 31 de março desse ano, foram promulgadas pela
Congregação para o Clero as “Normas
Fundamentais para a Formação dos Diáconos Permanentes”. Estes documentos
deixam explícito que “a restauração do diaconado permanente numa nação não
implica a obrigação da sua restauração em todas as dioceses”, competindo ao Bispo
Diocesano restaurá-lo.
Se ficar viúvo, o diácono permanente pode ser ordenado presbítero. No entanto, precisa de autorização especial e de
completar os estudos, de concordância do Bispo e do Conselho de Presbíteros e
de, forma preponderante, da certeza absoluta de sua vocação ao presbiterado.
Para se tornar diácono permanente, por norma, o candidato deve ter
formação de, pelo menos três anos de duração, em Teologia Bíblica, Dogmática, Liturgia e Pastoral; deve, no caso de
matrimoniado, estar casado no mínimo há cinco anos; há de ter pelo menos 35
anos de idade; deve apresentar vida matrimonial e eclesial exemplar; e deve
ainda obter autorização da esposa. Depois, as dioceses têm normas específicas. Em
geral, o candidato é escolhido entre aqueles que sobressaem na comunidade pela
sua espiritualidade e compromisso com a mesma comunidade, mas nada impede que
alguém explicite ao pároco ou mesmo ao bispo diocesano a sua vocação de servir à
Igreja como ministro ordenado.
No atinente
às suas funções, o diácono é ordenado para servir. Integra o ministério do
Cristo-Servo, “que veio para servir e não para ser servido”. A Lumen Gentium diz que os diáconos “servem
o povo de Deus na diaconia da liturgia, da palavra e da caridade” (LG 29). Na liturgia eucarística, o diácono tem funções
próprias: proclamar o Evangelho, servir ao altar, instar ao abraço da paz,
purificar os vasos sagrados e fazer a despedida. Incentiva, ainda, a
participação correta e efetiva da assembleia na Liturgia. O diácono, ordenado
para o serviço e não para o sacerdócio, é ministro ordinário dum Sacramento, o
do Batismo; é também ministro ordinário da Comunhão Eucarística; e pode ainda
ministrar todos os sacramentais, dar a bênção com o Santíssimo Sacramento e presidir
à celebração do matrimónio.
Em tese, pode exercer
o seu ministério em qualquer lugar do mundo, pois, afinal de contas ele recebeu
um sacramento válido para a Igreja, que é una, santa e católica, ou seja, universal.
No entanto, o diácono está intimamente ligado ao bispo diocesano a quem deve
plena obediência. O bispo pode colocá-lo como auxiliar noutra paróquia, desde
que disponha de tempo e tenha autorização do titular competente.
O diácono
permanente é o único a poder viver a dupla sacramentalidade, a da Ordem e a do
Matrimónio. Uma não elimina a outra. A vida matrimonial é, portanto, vivida em
sua plenitude. Esta é a razão pela qual a esposa tem que autorizar, por
escrito, e de viva voz, no momento da ordenação. O bispo pede a sua autorização
para ordenar o marido. Todo o seu trabalho é uma doação à Igreja. No entanto,
nada impede que seja ressarcido de todos os gastos que venha a fazer como, por
exemplo, com o combustível que gasta nas suas locomoções no exercício do seu
ministério. Geralmente, o diácono, além de nada receber, presta a sua ajuda
pecuniária à paróquia onde atua, já que deve ter suficiência económica.
Prosit!
2016.05.30 – Louro de Carvalho
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