segunda-feira, 9 de maio de 2016

No Dia da Europa 2016

Todos os anos se comemora, a 9 de maio, o Dia da Europa, festejando a paz e a unidade do Continente. A data evoca o aniversário da histórica “Declaração de Schuman” há 66 anos. Com efeito, em discurso proferido em Paris, em 1950, Robert Schuman, então Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, expôs a sua visão de uma nova forma de cooperação política na Europa, que tornaria impensável a eclosão de uma guerra entre países europeus.
Esta visão passava pela criação de uma instituição europeia encarregada de fazer a gestão comum da produção do carvão e do aço. Menos de um ano mais tarde, era assinado o tratado que instituía a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), entidade com aquela função. Considera-se que a atual União Europeia tem as suas raízes e até o seu início com Schuman.
Para comemorar o Dia da Europa, as instituições europeias abriram as portas ao público em maio, em Estrasburgo, no dia 8, e fá-lo-ão no Luxemburgo, no dia 21, e em Bruxelas, no dia 28. Nestes dias, as representações da UE (União Europeia) na Europa e suas delegações no resto do mundo organizam diversas atividades e eventos para todas as idades. E, como nos demais anos, também em 2016 milhares de pessoas participam em visitas, debates, concertos e outros eventos que assinalam o Dia da Europa e dão a conhecer melhor a União Europeia.
Porém, no ano em que ocorreu o 30.º aniversário da efetiva adesão de Portugal à UE, impõe-se a reflexão dos cidadãos portugueses sobre as reais consequências da integração nesta organização política transnacional, justamente quando o Reino Unido vai ter a oportunidade de dizer pela via do referendo se os cidadãos britânicos querem continuar a pertencer a esta megaestrutura. Sim, mais que celebrações e eventos culturais e políticos, importa a reflexão e mesmo a consulta popular sobre a permanência portuguesa na UE e perguntarem-nos se queremos lá os ingleses.
Na verdade, logo de início, houve cidadãos que manifestaram o seu euroceticismo que via a balança da Europa com o prato das perdas portuguesas (identidade, cultura e soberania) bem mais descido que o das vantagens (circulação de pessoas, bens e capitais; estratégias de desenvolvimento). É certo que muitos dos temores eram infundados e outros tiveram concretização por força da globalização e não tanto pelo fenómeno da europeização. Porém, como se dizia, tiveram que se pagar as verbas que passaram a entrar no país – algumas bem mal geridas. Mas os custos não se fizeram esperar: as limitações estenderam-se praticamente a todos os setores e as diretivas com peso vinculativo são mais que muitas. O mais chocante foram os subsídios à não produção.
Nunca se referendou a vontade dos portugueses. Nas diversas fases em que era conveniente referendar a pertença europeia, os poderes políticos, designadamente o executivo, decidiram pelos cidadãos. Mário Soares chegou a advertir, “hão de arrepender-se”. E Sócrates prometeu o referendo do Tratado Constitucional, mas não chegou a cumprir.  
Portugal foi sujeito a intervenção externa na base da pretensa pose à beira da bancarrota e a Europa (Comissão e BCE), acolitada pelo FMI, tratou bem mal os portugueses sob a capa da inevitabilidade. E, se foi verdade que Durão Barroso protegeu tanto Portugal, imagine-se o que teria sucedido aos portugueses se Barroso não tivesse sido o Presidente. Porém, o seu sucessor declarou que a Europa feriu a dignidade dos países sujeitos a intervenção externa.
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Referendar a pertença à UE e ao Euro depende de decisão política, cabendo aos defensores tomar as iniciativas consentâneas com a sua pretensão e o seu combate, deixando que os decisores tomem a conveniente atitude política e pressionando-os pelas formas legítimas de que dispõem, podendo e devendo fazer de modo semelhante os partidários do não referendo, até porque é discutível o recurso ao referendo em democracia representativa, a menos que os partidos ganhadores não tenham inscrito as matérias em causa nos programas eleitorais.
Não obstante, a reflexão impõe-se, dadas as fragilidades criadas aos países e aos cidadãos pelo nervo todo-poderoso do diretório da União. Neste aspeto, Durão Barroso descai-se ao dizer, na entrevista ao Expresso, de 7 de maio, que “não podíamos perder a confiança nem o apoio dos países, digamos, mais duros, a Alemanha, a Finlândia, a Holanda…”.
E, além do discurso de Marcelo no Parlamento Europeu, a protestar o sonho da sua geração e o seu numa Europa de futuro, e o de Ferro Rodrigues, a 25 de abril, tão questionante da hodierna marcha europeia, há que ter em conta os discursos do Papa Francisco, em 2014, no Conselho da Europa e no Parlamento Europeu, entre o aplauso ao sonho e vocação da Europa e a sua atual prestação insuficiente na atenção aos que a procuram e aos que nela vivem. A este respeito, parece-me escandalosa a postura das autoridades europeias: em vez de planearem a mudança da rota de medidas recarrilando a preceito o projeto europeu e recalibrando de forma equitativa o seu investimento holístico e merónimo, limitam-se a atribuir ao Papa o Prémio Carlos Magno. É óbvio que Sua Santidade o merece, mas se pensavam que o silenciariam com o prémio, enganaram-se. Agradeceu as palavras que lhe dirigiram e ofereceu o prémio à própria Europa em homenagem ao seu ideário, mas não perdeu o ensejo de a interrogar na sua responsabilidade:
“Que te sucedeu, Europa humanista, paladina dos direitos humanos, da democracia e da liberdade? Que te sucedeu, Europa terra de poetas, filósofos, artistas, músicos, escritores? Que te sucedeu, Europa mãe de povos e nações, mãe de grandes homens e mulheres que souberam defender e dar a vida pela dignidade dos seus irmãos?”
E reiterou o sonho pessoal de uma Europa “jovem, capaz de ainda ser mãe”, e de “uma Europa que promova e tutele os direitos de cada um, sem esquecer os deveres para com todos”.
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Outro farol de reflexão sobre a Europa são as recentes declarações do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, ao Diário de Notícias, que o revelam contra a austeridade, defendendo políticas contra a fuga aos impostos e os paraísos fiscais. A este respeito, disse:
“Nunca se conseguiu sanar as contas públicas através de cortes. Também é preciso aumentar as receitas. Aqui, a União Europeia pode responder imediatamente com mais de mil biliões de euros por ano que estão nos paraísos fiscais, por fraudes e fuga ao fisco.”.
Está visto que aqueles que têm mais dinheiro e que “o podem pôr em paraísos fiscais” devem contribuir para a gestão dos custos do bem-estar público. E, questionado sobre a postura da Comissão Europeia, que apresentará recomendações claras aos países que se encontram sob a “vertente corretiva” do Programa de Estabilidade e Crescimento, Martin Schulz sustentou que a 'Comissão Juncker' já mostrou mais flexibilidade no passado, esclarecendo:
“Obviamente, podemos continuar a pedir cortes para a redução do défice. Mas o que devemos ter em conta é se esses cortes não são contraproducentes. O que me parece é que a Comissão procurará um equilíbrio entre a disciplina orçamental, que é inevitável e obrigatória, baseada no tratado.”.
Porém, o presidente do Parlamento Europeu diz que os governos precisam de margem de manobra para a estabilidade pública e investimento. E acrescenta que a situação de 0% por cento de juros que hoje se verifica é vantagem concedida pelo BCE para os governos gerirem melhor a dívida soberana e o défice anual, vantagem que devem usar tanto quanto possível.
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Por outro lado, o Manifesto por Uma Nova Europa – hoje apresentado e subscrito por muitas vozes da UE, em que se conta a eurodeputada socialista Maria João Rodrigues – preconiza um acordo europeu à laia do New Deal (programas económicos implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, para recuperar e reformar a economia norte-americana no rescaldo da Grande Recessão) de Roosevelt para a Europa recuperar da grande crise económica e financeira que se abateu sobre ela. Todavia, se os esforços ficarem por aí, desapareceremos.
A criação dum novo New Deal não é ideia nova, mas ganhou corpo no Parlamento Europeu, onde uma resolução, de que foi relatora a eurodeputada portuguesa e que foi aprovada, aposta em políticas económicas viradas para a procura interna e numa estratégia diferente de reformas estruturais. A eurodeputada socialista explica-se nos termos seguintes:
“Há um conjunto de princípios sobre os quais é possível ter o acordo de todos os países da zona euro – e eu testei isto desde Helsínquia até Atenas. Os princípios são: um sistema financeiro responsável e capaz de apoiar o que interessa que é crescimento, investimento e emprego; disciplina orçamental, mas compatível com uma perspetiva de crescimento; um novo modelo de crescimento, com outro padrão energético, digital de envolvimento das populações e que exige investimento em grande escala; conseguir uma dinâmica de convergência; e, depois, um quinto princípio, que é conseguir decisões democráticas sobre isto tudo.”.
O manifesto ganha força com a questão lançada pelo Papa: “O que te aconteceu Europa?”. E a UE deve debruçar-se sobre ela, investigando formas de combate às diversas crises por que passa (da crise financeira à crise cultural e moral). Efetivamente, sucederam muitas coisas. Vários países são reféns de credores externos. A extrema-direita sobe em flecha. Mais dum milhão de pessoas fugidas de guerras e repressões violentas no Médio Oriente e África inundam o Continente. Os britânicos vão a referendo a questionar a sua pertença à UE. E a Europa continua a fazer a narrativa da paz e da prosperidade, hoje gasta. Ora, os europeus têm de parar e respirar fundo. Urge evitar a marginalização (económica, política moral e cultural). O desafio comum é reconhecer que a Europa é composta por milhões de cidadãos desiludidos (Schulz diz que a UE é uma bicicleta de rodas vazias) e, a partir daí, encontrar formas de recriar uma Europa influente, virada para o futuro, que traga esperança. E este Manifesto por uma Nova Europa, para restabelecer a confiança da população e relançar a dinâmica europeia, delineado em 6 pontos:
Fortalecimento da democracia europeia, com um programa de educação cívica comum e eleição do Presidente da Comissão;
Estratégia de segurança e defesa dos cidadãos, com o reforço, nos e entre os Estados-Membros, dos intercâmbios entre as polícias (através da Europol), do ramo judicial (Eurojust) e dos serviços de informação, implementando eficazes políticas fronteiriças de controlo e hospitalidade consistentes com os nossos valores e, em paralelo, com a adoção duma política de estabilização nas regiões vizinhas, tanto nos planos económico e cultural como ao nível diplomático e militar;
Política de apoio aos refugiados, ultrapassando as insuficiências do acordo com a Turquia e visando: acolher, integrar, educar e dar garantias de condições para que os refugiados possam viver na Europa ou, eventualmente, regressar aos seus países e às suas casas;
Aplicação da 2.ª fase do Plano Juncker para relançar o crescimento económico, gizando um conjunto de reformas que passam por investir no futuro de indústrias-chave com efeito na criação de emprego local e modernização da economia europeia para garantir vantagem competitiva, lançando uma “política industrial comum” para recuperar a autonomia do Continente que passará pela restauração do desenvolvimento sustentável, associado ao uso de novos materiais e tecnologias digitais que transformarão as vidas dos cidadãos e colocarão a UE ao leme da mudança global no setor (5 planos específicos de ação nos setores dos transportes, energias renováveis, competências digitais de futuro, saúde e indústrias culturais e criativas);
Reforma da zona euro, para enfrentar os choques assimétricos da crise, favorecendo a convergência económica e social, que passa por atribuir novos poderes ao MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade), com vista à fina negociação (“entre responsabilidade e solidariedade ou prevenção e redução de riscos e partilha de riscos” – palavras da eurodeputada referida); e
Democratização do programa Erasmus, alargando os horizontes culturais de todos os jovens cidadãos europeus, na promoção da igualdade de oportunidades e do sentimento de pertença.
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Oxalá que o Manifesto dê o resultado pretendido! Para tanto, têm de se automobilizar as instituições europeias e os cidadãos.

2016.05.09 – Louro de Carvalho

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