Todos os anos se comemora, a 9 de maio, o Dia da Europa, festejando a paz
e a unidade do Continente. A data evoca o aniversário da histórica “Declaração
de Schuman” há 66 anos. Com efeito, em discurso proferido em Paris, em 1950,
Robert Schuman, então Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, expôs a sua
visão de uma nova forma de cooperação política na Europa, que tornaria
impensável a eclosão de uma guerra entre países europeus.
Esta visão passava pela criação de uma instituição europeia encarregada
de fazer a gestão comum da produção do carvão e do aço. Menos de um ano mais
tarde, era assinado o tratado que instituía a CECA (Comunidade Europeia
do Carvão e do Aço), entidade com aquela função. Considera-se que a atual União
Europeia tem as suas raízes e até o seu início com Schuman.
Para comemorar o Dia da Europa,
as instituições europeias abriram as portas ao público em maio, em Estrasburgo,
no dia 8, e fá-lo-ão no Luxemburgo, no dia 21, e em Bruxelas, no dia 28. Nestes dias, as representações
da UE (União Europeia) na Europa e suas delegações no
resto do mundo organizam diversas atividades e eventos para todas as idades. E, como nos demais
anos, também em 2016 milhares de pessoas participam em visitas, debates,
concertos e outros eventos que assinalam o Dia da Europa e dão a conhecer
melhor a União Europeia.
Porém, no ano
em que ocorreu o 30.º aniversário da efetiva adesão de Portugal à UE, impõe-se
a reflexão dos cidadãos portugueses sobre as reais consequências da integração
nesta organização política transnacional, justamente quando o Reino Unido vai
ter a oportunidade de dizer pela via do referendo se os cidadãos britânicos
querem continuar a pertencer a esta megaestrutura. Sim, mais que celebrações e
eventos culturais e políticos, importa a reflexão e mesmo a consulta popular
sobre a permanência portuguesa na UE e perguntarem-nos se queremos lá os
ingleses.
Na verdade,
logo de início, houve cidadãos que manifestaram o seu euroceticismo que via a
balança da Europa com o prato das perdas portuguesas (identidade, cultura e soberania) bem mais descido que o das
vantagens (circulação de
pessoas, bens e capitais; estratégias de desenvolvimento). É certo que muitos dos temores
eram infundados e outros tiveram concretização por força da globalização e não
tanto pelo fenómeno da europeização. Porém, como se dizia, tiveram que se pagar
as verbas que passaram a entrar no país – algumas bem mal geridas. Mas os
custos não se fizeram esperar: as limitações estenderam-se praticamente a todos
os setores e as diretivas com peso vinculativo são mais que muitas. O mais
chocante foram os subsídios à não produção.
Nunca se
referendou a vontade dos portugueses. Nas diversas fases em que era conveniente
referendar a pertença europeia, os poderes políticos, designadamente o
executivo, decidiram pelos cidadãos. Mário Soares chegou a advertir, “hão de arrepender-se”. E Sócrates
prometeu o referendo do Tratado Constitucional, mas não chegou a cumprir.
Portugal foi
sujeito a intervenção externa na base da pretensa pose à beira da bancarrota e
a Europa (Comissão e BCE), acolitada pelo FMI, tratou bem mal
os portugueses sob a capa da inevitabilidade. E, se foi verdade que Durão
Barroso protegeu tanto Portugal, imagine-se o que teria sucedido aos portugueses
se Barroso não tivesse sido o Presidente. Porém, o seu sucessor declarou que a
Europa feriu a dignidade dos países sujeitos a intervenção externa.
***
Referendar a
pertença à UE e ao Euro depende de decisão política, cabendo aos defensores
tomar as iniciativas consentâneas com a sua pretensão e o seu combate, deixando
que os decisores tomem a conveniente atitude política e pressionando-os pelas
formas legítimas de que dispõem, podendo e devendo fazer de modo semelhante os
partidários do não referendo, até porque é discutível o recurso ao referendo em
democracia representativa, a menos que os partidos ganhadores não tenham
inscrito as matérias em causa nos programas eleitorais.
Não obstante,
a reflexão impõe-se, dadas as fragilidades criadas aos países e aos cidadãos
pelo nervo todo-poderoso do diretório da União. Neste aspeto, Durão Barroso
descai-se ao dizer, na entrevista ao Expresso,
de 7 de maio, que “não podíamos perder a confiança nem o apoio dos países,
digamos, mais duros, a Alemanha, a Finlândia, a Holanda…”.
E, além do
discurso de Marcelo no Parlamento Europeu, a protestar o sonho da sua geração e
o seu numa Europa de futuro, e o de Ferro Rodrigues, a 25 de abril, tão
questionante da hodierna marcha europeia, há que ter em conta os discursos do
Papa Francisco, em 2014, no Conselho da Europa e no Parlamento Europeu, entre o
aplauso ao sonho e vocação da Europa e a sua atual prestação insuficiente na
atenção aos que a procuram e aos que nela vivem. A este respeito, parece-me
escandalosa a postura das autoridades europeias: em vez de planearem a mudança
da rota de medidas recarrilando a preceito o projeto europeu e recalibrando de
forma equitativa o seu investimento holístico e merónimo, limitam-se a atribuir
ao Papa o Prémio Carlos Magno. É
óbvio que Sua Santidade o merece, mas se pensavam que o silenciariam com o
prémio, enganaram-se. Agradeceu as palavras que lhe dirigiram e ofereceu o
prémio à própria Europa em homenagem ao seu ideário, mas não perdeu o ensejo de
a interrogar na sua responsabilidade:
“Que te
sucedeu, Europa humanista, paladina dos direitos humanos, da democracia e da
liberdade? Que te sucedeu, Europa terra de poetas, filósofos, artistas,
músicos, escritores? Que te sucedeu, Europa mãe de povos e nações, mãe de
grandes homens e mulheres que souberam defender e dar a vida pela dignidade dos
seus irmãos?”
E reiterou o sonho pessoal de uma Europa “jovem, capaz de
ainda ser mãe”, e de “uma Europa que promova e tutele os direitos de cada um,
sem esquecer os deveres para com todos”.
***
Outro farol de reflexão sobre a Europa são as recentes declarações
do presidente do Parlamento
Europeu, Martin Schulz, ao Diário de Notícias, que o revelam contra
a austeridade, defendendo políticas contra a fuga aos impostos e os paraísos
fiscais. A este respeito, disse:
“Nunca se conseguiu sanar as contas
públicas através de cortes. Também é preciso aumentar as receitas. Aqui, a
União Europeia pode responder imediatamente com mais de mil biliões de euros
por ano que estão nos paraísos fiscais, por fraudes e fuga ao fisco.”.
Está visto que aqueles que têm mais
dinheiro e que “o podem pôr em paraísos fiscais” devem contribuir para a gestão
dos custos do bem-estar público. E, questionado sobre a postura da Comissão
Europeia, que apresentará recomendações claras aos países que se encontram sob
a “vertente corretiva” do Programa de Estabilidade e Crescimento, Martin Schulz
sustentou que a 'Comissão Juncker' já mostrou mais flexibilidade no passado,
esclarecendo:
“Obviamente, podemos continuar a pedir
cortes para a redução do défice. Mas o que devemos ter em conta é se esses
cortes não são contraproducentes. O que me parece é que a Comissão procurará um
equilíbrio entre a disciplina orçamental, que é inevitável e obrigatória, baseada
no tratado.”.
Porém, o presidente do Parlamento
Europeu diz que os governos precisam de margem de manobra para a estabilidade
pública e investimento. E acrescenta que a situação de 0% por cento de juros
que hoje se verifica é vantagem concedida pelo BCE para os governos gerirem
melhor a dívida soberana e o défice anual, vantagem que devem usar tanto quanto
possível.
***
Por outro lado, o Manifesto
por Uma Nova Europa – hoje apresentado e subscrito por muitas vozes da UE,
em que se conta a eurodeputada socialista Maria João Rodrigues – preconiza um acordo
europeu à laia do New Deal (programas
económicos implementados nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, para recuperar e
reformar a economia norte-americana no rescaldo da Grande Recessão) de Roosevelt para a Europa recuperar da grande crise
económica e financeira que se abateu sobre ela. Todavia, se os esforços ficarem
por aí, desapareceremos.
A criação dum novo New Deal não é
ideia nova, mas ganhou corpo no Parlamento Europeu, onde uma resolução, de que
foi relatora a eurodeputada portuguesa e que foi aprovada, aposta em políticas
económicas viradas para a procura interna e numa estratégia diferente de
reformas estruturais. A eurodeputada socialista explica-se nos termos seguintes:
“Há um conjunto de princípios sobre os quais é
possível ter o acordo de todos os países da zona euro – e eu testei isto desde
Helsínquia até Atenas. Os princípios são: um sistema financeiro responsável e
capaz de apoiar o que interessa que é crescimento, investimento e emprego;
disciplina orçamental, mas compatível com uma perspetiva de crescimento; um
novo modelo de crescimento, com outro padrão energético, digital de
envolvimento das populações e que exige investimento em grande escala;
conseguir uma dinâmica de convergência; e, depois, um quinto princípio, que é
conseguir decisões democráticas sobre isto tudo.”.
O manifesto ganha força com a questão lançada pelo Papa: “O que te aconteceu Europa?”. E a UE deve
debruçar-se sobre ela, investigando formas de combate às diversas crises por
que passa (da crise financeira à crise cultural e moral). Efetivamente, sucederam muitas coisas. Vários países são reféns de
credores externos. A extrema-direita sobe em flecha. Mais dum milhão de pessoas
fugidas de guerras e repressões violentas no Médio Oriente e África inundam o Continente.
Os britânicos vão a referendo a questionar a sua pertença à UE. E a Europa continua
a fazer a narrativa da paz e da prosperidade, hoje gasta. Ora, os europeus têm
de parar e respirar fundo. Urge evitar a marginalização (económica,
política moral e cultural). O desafio
comum é reconhecer que a Europa é composta por milhões de cidadãos desiludidos (Schulz diz que a UE é uma bicicleta de rodas vazias) e, a
partir daí, encontrar formas de recriar uma Europa influente, virada para o futuro,
que traga esperança. E este Manifesto por uma Nova Europa, para restabelecer a confiança da população e relançar a
dinâmica europeia, delineado em 6 pontos:
Fortalecimento da democracia
europeia, com um programa
de educação cívica comum e eleição do Presidente da Comissão;
Estratégia de
segurança e defesa dos cidadãos, com o reforço, nos e entre os Estados-Membros, dos intercâmbios entre as polícias (através da
Europol), do ramo judicial (Eurojust) e dos serviços de informação, implementando eficazes
políticas fronteiriças de controlo e hospitalidade consistentes com os nossos
valores e, em paralelo, com a adoção duma política de estabilização nas regiões
vizinhas, tanto nos planos económico e cultural como ao nível diplomático e
militar;
Política de
apoio aos refugiados, ultrapassando
as insuficiências do acordo com a Turquia e visando: acolher, integrar, educar
e dar garantias de condições para que os refugiados possam viver na Europa ou,
eventualmente, regressar aos seus países e às suas casas;
Aplicação da 2.ª
fase do Plano Juncker para relançar o crescimento económico, gizando um conjunto de reformas que passam por
investir no futuro de indústrias-chave com efeito na criação de emprego local e
modernização da economia europeia para garantir vantagem competitiva, lançando
uma “política industrial comum” para recuperar a autonomia do Continente que
passará pela restauração do desenvolvimento sustentável, associado ao uso de
novos materiais e tecnologias digitais que transformarão as vidas dos cidadãos
e colocarão a UE ao leme da mudança global no setor (5 planos
específicos de ação nos setores dos transportes, energias renováveis, competências
digitais de futuro, saúde e indústrias culturais e criativas);
Reforma da zona
euro, para enfrentar os choques assimétricos da crise,
favorecendo a convergência económica e social, que passa por atribuir novos
poderes ao MEE (Mecanismo Europeu de Estabilidade), com vista à fina negociação (“entre
responsabilidade e solidariedade ou prevenção e redução de riscos e partilha de
riscos” – palavras da eurodeputada referida); e
Democratização
do programa Erasmus, alargando os horizontes culturais de todos os jovens
cidadãos europeus, na promoção da igualdade de oportunidades e do sentimento de
pertença.
***
Oxalá que o Manifesto dê o resultado pretendido! Para tanto, têm de se
automobilizar as instituições europeias e os cidadãos.
2016.05.09 – Louro de Carvalho
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