terça-feira, 17 de maio de 2016

A pena de morte regressa às Filipinas!

Rodrigo Digong Duterte, o presidente eleito, reiterou a promessa de reintroduzir a pena capital e dar às forças de segurança permissão de atirar para matar. Fê-lo na primeira conferência de imprensa que fez após as eleições que venceu no passado dia de 9 de maio, dizendo que vai pedir formalmente ao Congresso Filipino que restabeleça a pena de morte: quem for condenado duas vezes, será enforcado duas vezes, “até que a cabeça fique completamente separada do resto do corpo”.
As suas palavras não passam da confirmação do que adiantou na campanha eleitoral: estão entre as suas prioridades o restabelecimento da pena de morte e a licença para que a polícia atire a matar contra suspeitos que resistam “de forma violenta” ou se ponham em fuga – isto porque “quem destrói a vida dos nossos filhos será destruído” e “os que matam o meu país serão mortos”. E não deixou de avisar que as promessas de campanha de “mão dura” contra os criminosos não eram discurso de mera retórica.
Não é novidade ter ouvido este teor de declarações da parte de Duterte, de 71 anos, que ficou conhecido como o Justiceiro ou the Punisher durante os 22 anos em que foi presidente da câmara de Davao por combater a criminalidade com as próprias mãos e defender a criação de esquadrões da morte.
Com efeito, mais de 1.000 criminosos foram mortos (execuções extrajudiciais) pelas forças de segurança em Davao durante a sua administração. Por outro lado, prometeu dar a si mesmo e aos membros das forças de segurança, imunidade após deixar o cargo, dizendo: “Perdão dado a Rodrigo Duterte pelo crime de assassinato múltiplo”. Assinado: Rodrigo Duterte”. Por isso, em 2015, a Human Rights Watch descreveu o prefeito Duterte como o “prefeito esquadrão da morte” por suas táticas de força em Davao.
A pena de morte a restabelecer pelo Congresso – que fora abolida em 2006, na sequência de uma moratória decretada em 2002 por tempo indeterminado – atingirá homicidas, traficantes de droga e violadores. O Presidente eleito à primeira volta, que vai tomar posse a 30 de junho para um mandato de 6 anos, prefere o enforcamento ao pelotão de fuzilamento para não gastar balas.
Estão cerca de mil prisioneiros detidos nos corredores da morte das penitenciárias filipinas, que obviamente serão os primeiros afetados por esta medida presidencial.
E, se o Congresso aprovar as suas propostas presidenciais, quem resistir à polícia “de forma violenta” ou tentar fugir poderá ser executado, de imediato, no local.
As propostas de Duterte, cujas medidas são para a implementar o mais rapidamente possível (em cerca de 6 meses), incluem a proibição da venda de álcool a partir das 2 horas da manhã, a restrição de venda de tabaco e o toque de recolher obrigatório para crianças, com a acusação de abandono para os pais que deixem os filhos menores andar sozinhos na rua à noite – pelo que esses pais serão “abandonados” em prisões. E ainda prometeu transformar o palácio presidencial num hospital. Na verdade, Duterte fez, em campanha presidencial, muitas outras promessas que agradaram a pelo menos 38,5% dos eleitores, quase todas em torno da ideia de que os traficantes de drogas, os elementos de grupos criminosos e os corruptos devem ser mortos. A este respeito, atreveu-se a dizer que havia de matar mais de 100 mil pessoas e que atiraria os seus corpos à baía de Manila. E, em despudorado desafio ao povo e às instâncias internacionais, advertiu:
 “Esqueçam isso dos direitos humanos. Se eu chegar ao palácio presidencial, farei exatamente o que fiz enquanto presidente de câmara. Traficantes de droga, assaltantes e vagabundos é melhor saírem daqui, porque vou matar-vos. Vou atirar os vossos corpos à baía de Manila e engordar os peixes.”.
Porém, houve declarações que chocaram os seus opositores e o povo em geral. Entre essas, destacam-se uma piada que lançou sobre a violação e homicídio de Jacqueline Hamil, uma freira australiana missionária, em 1989, durante um motim numa prisão na cidade de Davao, quando era presidente da câmara local, e frases insultuosas contra o Papa Francisco por ocasião da sua visita pastoral ao país.
Segundo o Público on line, de hoje, dia 16, sobre o episódio da freira, referiu de forma boçal e impudente, achando-se no direito de a violar também e de dever ser o primeiro a fazê-lo:
 “Eles violaram todas as mulheres. Uma delas era uma freira australiana. Quando tiraram de lá as pessoas, olhei para a cara dela e pensei: 'Filha da p***, que pena.' Eles violaram-na. Fiquei furioso por ela ter sido violada, mas era tão bonita. Pensei que o presidente da câmara deveria ter sido o primeiro [a violar a freira].”.
A respeito do Papa, este candidato à presidência num país em que mais de 80% da população diz professar o catolicismo, declarou: 
“Estávamos há cinco horas no trânsito. Perguntei o que se passava e disseram-me que estava tudo fechado. Perguntei quem estava a chegar e disseram-me que era o Papa. Apeteceu-me ligar-lhe e dizer-lhe 'Papa, seu filho da p***, volta para casa, não voltes cá'.”.
Face às críticas generalizadas e em consonância com a sua personalidade indecorosa e atrabiliária, o visado começou por dizer, sobre a violação da freira, que era apenas “conversa de homens” e, depois, pediu desculpa num comunicado. Porém, mais tarde alegou que não tinha lido bem o comunicado, pelo que mantinha as declarações iniciais.
Quanto ao Bispo de Roma, prometeu, na semana passada, ir ao Vaticano apresentar o pedido de desculpas ao Papa, mas nas últimas horas recuou e disse que enviou uma carta – esquecendo que insultara publicamente um Chefe de Estado e líder religioso.
***
As declarações produzidas ao longo da campanha eleitoral pelo candidato vencedor e agora reforçadas mostram claramente o perfil do homem que muitos, incluindo o Presidente, ora saída, Benigno Aquino, consideram uma enorme ameaça ao Estado de direito e aos Direitos Humanos. Com efeito, a reintrodução da pena de morte representa um significativo retrocesso civilizacional, uma supina falta de imaginação na descoberta de formas alternativas de punição do crime, a convicção de quem se julga senhor da vida de outrem, o maquiavelismo da bondade dos meios desde que atinjam o fim em vista e um mecanismo de reação primária ao crime, bem como meter no mesmo saco transgressões de diferente natureza e proporções, como reação violenta, fuga tentada ou consumada, tabaco, álcool, trânsito noturno de menores na rua.
Depois, as execuções de imediato no local ou o atirar a matar não configuram o instituto de pena de morte, mas o excesso de utilização de meios (nenhuma força policial pode ser proibida de usar meios proporcionados, mesmo que levem à morte, em legítima defesa, para restabelecer a ordem pública ou evitar a fuga), execução extrajudicial (só um tribunal pode decretar pena após tramitação processual judicial), economia saloia (enforcamento para não gastar balas) e malvadez requintada (enforcar duas vezes a ponto de a cabeça ficar desprendida do corpo e atirar os corpos para a baía de Manila).
Depois, um homem que publicamente confessa pena ou inveja de não ter violado, invocando o cargo, ou insulta um visitante de Estado e/ou um líder religioso, vindo a economizar meios no pedido de desculpas, não deveria merecer o voto popular.   
Porém, de mais de 54 milhões de filipinos, a maioria elegeu-o, contra outros quatro candidatos, como o próximo Presidente do país, ao mesmo tempo que elegeu vários senadores e cerca de 18 mil autoridades locais, designadamente autarcas, nas 7000 ilhas do arquipélago.
Benigno Aquino, o ainda Presidente, que no dia 7 voltou a pedir aos eleitores que não votassem em Duterte, um homem que, em determinadas alturas, desmentiu as acusações de ter ordenado que mais de mil prisioneiros fossem executados durante as duas décadas que liderou a autarquia de Davao e, noutras, se gabou dessa atuação, dizia aos outros quatro candidatos presidenciais:
Preciso da vossa ajuda para impedir o regresso do terror à nossa terra, não posso fazê-lo sozinho”. Todos se recusaram a abandonar a corrida para reforçar uma única candidatura contra Duterte, mas sem êxito.
O tom violento e mordaz das suas críticas e promessas, bem como a defesa acérrima de execuções extrajudiciais não repeliu os eleitores e até parece ter convencido uma maioria qualificada a elegê-lo para suceder a Aquino. No entanto, reagindo às despudoradas declarações de Duterte sobre a cidadã australiana violada e assassinada, o porta-voz de Benigno, Herminio Coloma, declarou que os comentários do candidato mostram que o seu perfil não é adequado ao gabinete presidencial, entre outros motivos pela sua “declarada falta de respeito pelas mulheres”. E o vice-presidente filipino e rival de Duterte na corrida, Jejomar Binay, foi mais longe, ao declarar: “Você é um maníaco doido que não respeita as mulheres e que não merece ser Presidente”.
Perante o ambiente pesado que se criou, mais de 100 mil agentes policiais foram destacados para as ruas do país para suster a onda de violência que antecedeu a votação. Sete pessoas tinham sido, há uma semana, encurraladas e abatidas a tiro na cidade de Rosario, na província de Cavite, a sul da capital filipina – região tida como uma área preocupante devido às rivalidades políticas existentes. A dois dias da ida às urnas, um candidato a uma autarquia desta região foi assassinado.

Apesar de os resultados oficiais do plebiscito do dia 9 ainda não terem sido declarados, o principal rival de Duterte, Mar Roxas, ex-banqueiro de investimento e neto do primeiro Presidente da República das Filipinas, já admitiu a derrota, após as sondagens à boca de urna preverem uma maioria qualificada de votos para Duterte. E, no discurso da vitória, o político de 71 anos – acusado de ter ordenado execuções extrajudiciais de mais de mil prisioneiros nas duas décadas em que presidiu à autarquia de Davao – prometeu cumprir o mandato com “extrema humildade”, ao mesmo tempo que prometeu alterar a Constituição, sublinhando que pode vir a implementar, a nível nacional, a proibição de permanecer em bares até tarde a beber álcool e um recolher obrigatório para crianças não acompanhadas.

Foi a clara retórica anticrime e de defesa assertiva da ordem pública, inequivocamente impressa na campanha de Duterte, que, apesar de levar muitos a classificá-lo como o Donald Trump do Leste, concitou o apoio popular maioritário, subestimando as consequências inumanas que possam surgir da eleição.
Este epifenómeno deveria constituir um relevante ponto de reflexão para os países europeus em crise, que se devem autoprecaver contra a criação de condições sociais para este género de oratória.

2016.05.16 – Louro de Carvalho

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