Rodrigo Digong Duterte, o presidente eleito, reiterou a promessa de
reintroduzir a pena capital e dar às forças de segurança permissão
de atirar para matar. Fê-lo na primeira conferência de imprensa que fez
após as eleições que venceu no passado dia de 9 de maio, dizendo que vai pedir formalmente ao Congresso Filipino que restabeleça a pena de
morte: quem for condenado duas vezes, será enforcado duas vezes, “até que a
cabeça fique completamente separada do resto do corpo”.
As suas palavras não passam da confirmação do que adiantou na
campanha eleitoral: estão entre as suas prioridades o restabelecimento da pena
de morte e a licença para que a polícia atire a matar contra suspeitos que
resistam “de forma violenta” ou se ponham em fuga – isto porque “quem destrói a
vida dos nossos filhos será destruído” e “os que matam o meu país serão mortos”.
E não deixou de avisar que as promessas de campanha de “mão dura” contra os criminosos
não eram discurso de mera retórica.
Não é novidade
ter ouvido este teor de declarações da parte de Duterte, de 71 anos, que ficou
conhecido como o Justiceiro ou
“the Punisher” durante os 22 anos em que foi presidente da câmara de Davao por combater
a criminalidade com as próprias mãos e defender a criação de esquadrões da
morte.
Com
efeito, mais de 1.000 criminosos foram
mortos (execuções
extrajudiciais) pelas
forças de segurança em Davao durante a sua administração. Por outro lado,
prometeu dar a si mesmo e aos membros das forças de segurança, imunidade após
deixar o cargo, dizendo: “Perdão dado a Rodrigo Duterte pelo crime de
assassinato múltiplo”. Assinado: Rodrigo Duterte”. Por isso, em 2015, a Human Rights Watch descreveu o prefeito Duterte
como o “prefeito esquadrão da morte” por suas táticas de força em Davao.
A
pena de morte a restabelecer pelo Congresso – que fora abolida em 2006, na
sequência de uma moratória decretada em 2002 por tempo indeterminado – atingirá
homicidas, traficantes de droga e violadores. O Presidente eleito à primeira
volta, que vai tomar posse a 30 de junho para um mandato de 6 anos, prefere o
enforcamento ao pelotão de fuzilamento para não gastar balas.
Estão cerca
de mil prisioneiros detidos nos corredores da morte das penitenciárias
filipinas, que obviamente serão os primeiros afetados por esta medida
presidencial.
E, se o
Congresso aprovar as suas propostas presidenciais, quem resistir à polícia “de
forma violenta” ou tentar fugir poderá ser executado, de imediato, no local.
As propostas
de Duterte, cujas medidas são para a implementar o mais rapidamente possível (em cerca de 6 meses), incluem a proibição da venda de
álcool a partir das 2 horas da manhã, a restrição de venda de tabaco e o toque
de recolher obrigatório para crianças, com a acusação de abandono para os pais
que deixem os filhos menores andar sozinhos na rua à noite – pelo que esses
pais serão “abandonados” em prisões. E ainda prometeu transformar o palácio
presidencial num hospital. Na verdade, Duterte fez, em campanha presidencial,
muitas outras promessas que agradaram a pelo menos 38,5% dos eleitores, quase
todas em torno da ideia de que os traficantes de drogas, os elementos de grupos
criminosos e os corruptos devem ser mortos. A este respeito, atreveu-se a dizer
que havia de matar mais de 100 mil pessoas e que atiraria os seus corpos à baía
de Manila. E, em despudorado desafio ao povo e às instâncias internacionais,
advertiu:
“Esqueçam isso dos direitos
humanos. Se eu chegar ao palácio presidencial, farei exatamente o que fiz
enquanto presidente de câmara. Traficantes de droga, assaltantes e vagabundos é
melhor saírem daqui, porque vou matar-vos. Vou atirar os vossos corpos à baía
de Manila e engordar os peixes.”.
Porém, houve
declarações que chocaram os seus opositores e o povo em geral. Entre essas,
destacam-se uma piada que lançou sobre a violação e homicídio de Jacqueline
Hamil, uma freira australiana missionária, em 1989, durante um motim numa
prisão na cidade de Davao, quando era presidente da câmara local, e frases
insultuosas contra o Papa Francisco por ocasião da sua visita pastoral ao país.
Segundo o Público on line, de hoje, dia 16, sobre o
episódio da freira, referiu de forma boçal e impudente, achando-se no direito
de a violar também e de dever ser o primeiro a fazê-lo:
“Eles violaram todas as mulheres. Uma delas
era uma freira australiana. Quando tiraram de lá as pessoas, olhei para a cara
dela e pensei: 'Filha da p***, que pena.' Eles violaram-na. Fiquei furioso por
ela ter sido violada, mas era tão bonita. Pensei que o presidente da câmara
deveria ter sido o primeiro [a violar a freira].”.
A respeito do
Papa, este candidato à presidência num país em que mais de 80% da população diz
professar o catolicismo, declarou:
“Estávamos há cinco horas no trânsito.
Perguntei o que se passava e disseram-me que estava tudo fechado. Perguntei
quem estava a chegar e disseram-me que era o Papa. Apeteceu-me ligar-lhe e dizer-lhe
'Papa, seu filho da p***, volta para casa, não voltes cá'.”.
Face às
críticas generalizadas e em consonância com a sua personalidade indecorosa e
atrabiliária, o visado começou por dizer, sobre a violação da freira, que era
apenas “conversa de homens” e, depois, pediu desculpa num comunicado. Porém,
mais tarde alegou que não tinha lido bem o comunicado, pelo que mantinha as
declarações iniciais.
Quanto ao
Bispo de Roma, prometeu, na semana passada, ir ao Vaticano apresentar o pedido
de desculpas ao Papa, mas nas últimas horas recuou e disse que enviou uma carta
– esquecendo que insultara publicamente um Chefe de Estado e líder religioso.
***
As declarações produzidas ao longo da campanha eleitoral pelo
candidato vencedor e agora reforçadas mostram claramente o perfil do homem que
muitos, incluindo o Presidente, ora saída, Benigno Aquino, consideram uma
enorme ameaça ao Estado de direito e aos Direitos Humanos. Com efeito, a
reintrodução da pena de morte representa um significativo retrocesso
civilizacional, uma supina falta de imaginação na descoberta de formas
alternativas de punição do crime, a convicção de quem se julga senhor da vida
de outrem, o maquiavelismo da bondade dos meios desde que atinjam o fim em
vista e um mecanismo de reação primária ao crime, bem como meter no mesmo saco
transgressões de diferente natureza e proporções, como reação violenta, fuga
tentada ou consumada, tabaco, álcool, trânsito noturno de menores na rua.
Depois, as execuções de imediato no local ou o atirar a matar
não configuram o instituto de pena de morte, mas o excesso de utilização de
meios (nenhuma força
policial pode ser proibida de usar meios proporcionados, mesmo que levem à
morte, em legítima defesa, para restabelecer a ordem pública ou evitar a fuga), execução extrajudicial (só um tribunal pode decretar pena
após tramitação processual judicial), economia saloia (enforcamento para não gastar balas) e malvadez requintada (enforcar duas vezes a ponto de a
cabeça ficar desprendida do corpo e atirar os corpos para a baía de Manila).
Depois, um homem que publicamente confessa pena ou inveja de
não ter violado, invocando o cargo, ou insulta um visitante de Estado e/ou um
líder religioso, vindo a economizar meios no pedido de desculpas, não deveria
merecer o voto popular.
Porém, de mais de 54 milhões de filipinos, a maioria elegeu-o,
contra outros quatro candidatos, como o próximo Presidente do país, ao mesmo
tempo que elegeu vários senadores e cerca de 18 mil autoridades locais,
designadamente autarcas, nas 7000 ilhas do arquipélago.
Benigno Aquino, o ainda Presidente, que no dia 7 voltou a
pedir aos eleitores que não votassem em Duterte, um homem que, em determinadas
alturas, desmentiu as acusações de ter ordenado que mais de mil prisioneiros
fossem executados durante as duas décadas que liderou a autarquia de Davao e,
noutras, se gabou dessa atuação, dizia aos outros quatro candidatos
presidenciais:
“Preciso da vossa ajuda
para impedir o regresso do terror à nossa terra, não posso fazê-lo sozinho”.
Todos se recusaram a abandonar a corrida para reforçar uma única candidatura
contra Duterte, mas sem êxito.
O tom violento e mordaz das suas críticas e promessas, bem
como a defesa acérrima de execuções extrajudiciais não repeliu os eleitores e
até parece ter convencido uma maioria qualificada a elegê-lo para suceder a
Aquino. No entanto, reagindo às despudoradas declarações de Duterte sobre a
cidadã australiana violada e assassinada, o porta-voz de Benigno, Herminio
Coloma, declarou que os comentários do candidato mostram que o seu perfil não é
adequado ao gabinete presidencial, entre outros motivos pela sua “declarada falta
de respeito pelas mulheres”. E o vice-presidente filipino e rival de Duterte na
corrida, Jejomar Binay, foi mais longe, ao declarar: “Você é um maníaco doido que não respeita as mulheres e que não merece
ser Presidente”.
Perante o ambiente pesado que se criou, mais de 100 mil
agentes policiais foram destacados para as ruas do país para suster a onda de
violência que antecedeu a votação. Sete pessoas tinham sido, há uma semana, encurraladas
e abatidas a tiro na cidade de Rosario, na província de Cavite, a sul da
capital filipina – região tida como uma área preocupante devido às rivalidades
políticas existentes. A dois dias da ida às urnas, um candidato a uma autarquia
desta região foi assassinado.
Apesar de os
resultados oficiais do plebiscito do dia 9 ainda não terem sido declarados, o
principal rival de Duterte, Mar Roxas, ex-banqueiro de investimento e neto do
primeiro Presidente da República das Filipinas, já admitiu a derrota, após as
sondagens à boca de urna preverem uma maioria qualificada de votos para
Duterte. E, no discurso da vitória, o político de 71 anos – acusado de ter ordenado
execuções extrajudiciais de mais de mil prisioneiros nas duas décadas em que
presidiu à autarquia de Davao – prometeu cumprir o mandato com “extrema
humildade”, ao mesmo tempo que prometeu alterar a Constituição, sublinhando que
pode vir a implementar, a nível nacional, a proibição de permanecer em bares
até tarde a beber álcool e um recolher obrigatório para crianças não
acompanhadas.
Foi a clara retórica anticrime e de defesa assertiva da ordem
pública, inequivocamente impressa na campanha de Duterte, que, apesar de levar
muitos a classificá-lo como o Donald
Trump do Leste, concitou o apoio popular maioritário, subestimando as
consequências inumanas que possam surgir da eleição.
Este epifenómeno deveria constituir um relevante ponto de
reflexão para os países europeus em crise, que se devem autoprecaver contra a
criação de condições sociais para este género de oratória.
2016.05.16
– Louro de Carvalho
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