No passado dia 28 de abril, foi promovido um debate sobre
liberdade religiosa no Conselho Económico e Social das Nações Unidas, em Nova
Iorque. Este debate foi
iniciativa da Missão permanente da Santa Sé na ONU, em parceria com outras
organizações não-governamentais que atuam na promoção e defesa dos direitos
humanos, prosseguiu até ao passado dia 30 e pôde ser acompanhado no Twitter.
O debate, repartido por três sessões, começou pela proteção
das vítimas de perseguição e pela promoção da liberdade religiosa no mundo
inteiro; depois, foram apresentadas vítimas e testemunhas oculares da
perseguição aos cristãos e outras minorias religiosas por parte do autoproclamado
Estado Islâmico (EI), na Síria e no Iraque, e pelo grupo
Boko Haram, na Nigéria.
A última sessão sobre liberdade religiosa apresentou, na ONU,
“em detalhes”, o sofrimento e os abusos sexuais a mulheres e meninas da minoria
yazidi no Médio Oriente.
Sobre o objeto da última sessão, o observador permanente da
Santa Sé na ONU, D. Bernardito Auza, considerou que, embora não seja possível “falar
sobre tudo o que precisa ser dito, num evento de três horas” e “fazer justiça a
cada grupo étnico e religioso alvo de expulsão e extermínio”, todavia, esperamos,
“por meio das particularidades”, “examinar, consciencializar para este
sofrimento onde quer que ele ocorra”.
O Arcebispo Bernardito Auza, que assumiu a coordenação das
sessões, destacou a necessidade de se promover continuadamente o debate sobre a
perseguição religiosa e sobre as situações dramáticas que ela origina.
Assim, ressoaram no Conselho Económico e Social das Nações Unidas
os testemunhos dos pais de um operador da Caritas síria assassinado pelo autoproclamado
Estado Islâmico (EI), de um sacerdote católico caldeu
sequestrado pelo EI, de uma religiosa missionária na Síria e de uma mulher
iezite sequestrada pelo EI.
Foram denunciadas situações verdadeiramente dramáticas – trabalhos
forçados, sequestro, violação, tortura, morte – que constituem um verdadeiro
genocídio com base em motivação religiosa, mais concretamente visando o
cristianismo.
A este respeito, o Padre Douglas Al Bazi, sacerdote católico
caldeu, que também foi sequestrado pelo EI, denunciou o genocídio em curso
contra os cristãos no Iraque:
“Em
2003, éramos mais de 1,5 milhão de cristãos no Iraque. Hoje somos apenas 300
mil, talvez somente 200 mil. Muitos deles vivem em campos no Curdistão, com
poucas esperanças. Eu sei o que as pessoas que vivem nos campos passaram: assim
como eles, eu fui sequestrado e torturado por terroristas simplesmente porque sou
cristão. Todos os dias eu olhava para a cela ensanguentada onde fui colocado.
Não quero mais ver o sangue do meu povo”.
E Dom Auza encerrou o debate recordando a carta que o Papa Francisco
enviara aos cristãos do Oriente Médio no Natal de 2014, com palavras de gratidão, estímulo e encorajamento:
“A vossa
presença é preciosa para o Oriente Médio. Vós sois um pequeno rebanho, mas com
uma grande responsabilidade na terra onde nasceu e de onde irradiou o cristianismo.
Sois como o fermento na massa. A maior riqueza para a região são os cristãos;
sois vós. Obrigado pela vossa perseverança!”.
***
A perseguição contra os cristãos no mundo
não acontece apenas no Médio Oriente e não é facto recente. Começou logo no
princípio do cristianismo e foi atravessando toda a História da Igreja, obviamente
sob modalidades diversas, mas com motivações semelhantes.
Porém, segundo dados da World Watch List 2016, publicada pela organização Open Doors, cresceu 2,6% em 2015. Entre
novembro de 2014 e novembro de 2015, foram assassinados 7.100 cristãos, contra 4.344 no ano precedente. Também cresceu o número de
igrejas atacadas: foram mais de 2.400, contra 1.062 em 2014.
E não são apenas os cristãos. Também judeus
e muçulmanos sofrem perseguição. Têm em comum, apesar das diferenças, o fundamento
no Livro e a adoração de um só Deus.
Um estudo do instituto
norte-americano Pew Research Center conclui que, embora se tenha registado
um decréscimo global da hostilidade religiosa, a perseguição aos judeus atingiu
em 2013 o mais alto nível dos últimos sete anos.
Na Europa, foram registadas formas de perseguição a
judeus, por parte de indivíduos ou de grupos sociais, em 34 dos 45 países do
continente europeu (76%).
Cristãos e muçulmanos – que juntos representam mais de
metade da população global – foram alvo de perseguição, respetivamente, em 102 (os cristãos) e 99 (os muçulmanos), dos 198 países analisados no estudo.
De acordo
com os dados da Comissão dos EUA sobre Liberdade Religiosa Internacional, mais
de 120 cristãos morreram no ano de 2013 em resultado de violência religiosa no
Paquistão.
No relatório daquela Comissão refere-se que a violência contra as comunidades cristãs aumentara substancialmente nos últimos meses daquele ano. Sete cristãos foram mortos em ataques entre Junho 2012 e Junho de 2013, enquanto nos últimos 12 meses foram já 128.
No relatório daquela Comissão refere-se que a violência contra as comunidades cristãs aumentara substancialmente nos últimos meses daquele ano. Sete cristãos foram mortos em ataques entre Junho 2012 e Junho de 2013, enquanto nos últimos 12 meses foram já 128.
Aquele
aumento exponencial deve-se sobretudo ao ataque à Igreja de Todos os Santos, em
Peshawar, em setembro de 2013, em que, pelo menos, 119 pessoas morreram quando
dois bombistas suicidas realizaram um ataque no decurso de uma celebração
eucarística na igreja, tal como a Fundação AIS (Fundação à Igreja que sofre) noticiara na ocasião.
O grupo
extremista islâmico TTP Jundullah, com ligações aos talibãs afegãos,
reivindicou a responsabilidade por aquela explosão, o mais mortífero ataque
contra os cristãos na história do país.
Não obstante,
o grupo religioso mais visado no Paquistão não são os cristãos, mas os
muçulmanos xiitas, pois mais de 220 xiitas foram assassinados por via de
atentados, tiroteios e ataques contra a comunidade.
O relatório
da referida Comissão dos EUA concluía que os atentados contra “grupos
religiosos” permanecem a um nível “alarmante” no Paquistão, “com pouca ou
nenhuma resposta eficaz por parte do governo a nível federal, estadual ou
local”.
Segundo os
relatores, “enquanto o governo não tomar medidas contra os autores da violência
religiosa, protegendo os mais vulneráveis, a situação continuará a
deteriorar-se”.
O Paquistão
é considerado um dos 10 países no mundo onde a comunidade cristã é mais
violentamente perseguida por causa da fé, registando-se um elevado grau de impunidade
para com os perseguidores, salientando-se os casos das conversões forçadas ao Islão e da lei da blasfémia, ambas responsáveis pelo aumento da tensão
religiosa.
É de
recordar o caso mundialmente conhecido de Asia Bibi, que, tal como a Fundação
AIS tem acompanhado, foi parar à prisão desde 2010, condenada por blasfémia.
***
O estudo acima referido do Pew Research
Center, que se realiza, desde 2007, com
periodicidade anual, mostra que a hostilidade social explicitamente relacionada
com a religião registou um declínio em 2013, depois de se ter verificado o
maior nível de sempre no ano anterior, tal como as restrições à religião
impostas pelos governos.
Nos termos do estudo, o número de países com níveis
altos ou muito altos de hostilidade religiosa caíram de 33%, em 2012, para 27%,
em 2013, enquanto os países com restrições graves e muito graves à religião
passaram de 29 para 27%, no mesmo período.
A hostilidade social referida materializa-se em atos
que vão do vandalismo de propriedade religiosa e profanação de textos sagrados
até aos ataques violentos que redundam em abusos sexuais, ferimentos e mortes,
ao mesmo tempo que as restrições governamentais à religião incluem tentativas
de controlo de pessoas ou de grupos religiosos pela via de registos
obrigatórios, políticas discriminatórias e restrição total de algumas
religiões.
Globalmente, o nível de restrições era alto ou muito
alto em 39% dos 198 países e territórios analisados no estudo, que estima que
5,5 mil milhões de pessoas (77% da população mundial) vivam em países que restringem e perseguem por motivos religiosos.
Em 2012, a percentagem de população a residir nestes
países era de 76% e, em 2007, de 68%. Entre os 25 países mais populosos, o
maior nível de restrições foi registado na Birmânia, Egito, Indonésia,
Paquistão e Rússia, onde quer a sociedade quer os governos impõem numerosas
limitações às crenças e à liberdade religiosa.
A China registou o maior nível de restrições
governamentais, em 2013, e a Índia, o maior índice de hostilidade social. O
Médio Oriente – onde tiveram origem o judaísmo, o cristianismo e o islamismo –
continua como a região do mundo com mais restrições e tensões religiosas.
***
Depois, verifica-se a hipocrisia com que se assinam os
tratados internacionais de promoção e defesa dos direitos humanos e das
liberdades, com relevo para a liberdade religiosa. E, por ironia dos factos,
embora a perseguição possa ter acusado algum decréscimo, recrudesce nalguns
lugares. É óbvio que raramente são explicitamente invocados fundamentos religiosos,
mas habitualmente razões de segurança do Estado ou ação e associação criminosa.
Resta acrescentar que, além da perseguição religiosa
explícita, se promove a encapotada ação laicista ou a chacota e a subestimação
das ideias e praticas religiosas consideradas ultrapassadas ou alienantes. Por outro
lado, entendem alguns que as práticas religiosas constituem falta de respeito
para com aqueles que as não querem observar e as ideias religiosas configuram
atos de manipulação das mentes e das consciências. Enfim tanta forma de julgar
mal e de fazer mal!
Até quando reinará a intolerância seja ela explícita,
seja ela encapotada?
2016.05.02 – Louro de Carvalho
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