Decorrerá, de acordo com programa atempadamente elaborado e difundido,
de 10 a 12 de junho, no Santuário de Fátima, o 4.º Congresso Eucarístico
Nacional, promovido pelo Episcopado Português, em torno do lema “Viver a Eucaristia, fonte de Misericórdia”.
O Papa nomeou o cardeal brasileiro D. João Braz de
Aviz, um dos ilustres oradores convidados pelos promotores para este evento
eclesial, como seu “enviado especial” a Fátima presidir ao encerramento
deste acontecimento eucarístico, ao mesmo tempo celebrativo e reflexivo, com a participação
de mais de meio milhar de congressistas.
Na verdade, o Cardeal Prefeito da Congregação
para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica
já integrava o elenco dos conferencistas estrangeiros com a apresentação do
tema “A misericórdia na missão da Igreja”,
às 17 horas do dia 11 de junho, no Centro Pastoral Paulo VI. Agora, com a
incumbência de enviado especial do Santo Padre, também lhe caberá presidir à
celebração da Eucaristia de encerramento do 4.º Congresso Eucarístico
Nacional no dia seguinte, 12 de junho, a partir das 11 horas, na esplanada
do Recinto de Oração do Santuário de Fátima.
O semanário Ecclesia, do passado dia 20 de maio, publica uma
entrevista com o padre Manuel Morujão SJ, coordenador da comissão designada
pelas entidades promotoras para a organização do Congresso, que nos dá conta da
importância, significado e oportunidade desta ação eclesial. Respigam-se as
ideias consideradas mais pertinentes, aqui expostas de forma um tanto liberta
da estrutura da entrevista e, por vezes, formalmente desviada do seu estrito
conteúdo.
Sendo a Eucaristia,
“o centro e o cume de toda a vida cristã”, o Congresso Eucarístico Nacional constituirá
uma ajuda, pelas celebrações e pela reflexão aprofundante de temas com ela conexos,
de modo que o “memento” subversivo do banquete sacrificial e eucarístico seja
percebido na devida relevância e sentido para a vida dos cristãos, a começar
pelos agentes de pastoral.
Em razão da sua importância e pertinência e tendo em conta o decurso do
Ano Santo da Misericórdia, para que a Igreja foi convocada, e o centenário das
aparições do Anjo em Fátima, de teor predominantemente eucarístico, a
organização do Congresso – a Conferência Episcopal, o Santuário de Fátima e o Secretariado
Nacional do Apostolado da Oração – privilegiou a seleção de temas relacionados com o Ano Jubilar e com a
mensagem de Fátima.
Por outro lado, a pertinência dos temas escolhidos torna-se mais
evidente quando deparamos com noticiários
repletos de histórias de ímpia “anti-misericórdia”, pelo que os cristãos devem
oferecer ao mundo, como contraponto evidente, a luz e o calor da misericórdia
justamente no momento em que a escuridão da falta de misericórdia teima em
impor-se – seja através do terrorismo organizado ou da guerra, seja através das
diversas formas de escravidão, como a exploração, o tráfico de pessoas, a
violência doméstica e de rua, ou os ódios clubísticos, as diferenças
ideológicas e as divisões religiosas. A par disso, avizinha-se o ano centenário
das aparições da Senhora em Fátima, cuja mensagem vem muito centrada na
misericórdia de Deus, bastando que os homens estejam abertos para ela, a
solicitem, a acolham e a repliquem.
***
Mas a Eucaristia não pode ficar circunscrita aos agentes de pastoral;
ela tem de chegar à vida de todos os cristãos e de cada um e configurar um
testemunho eloquente face aos não cristãos e aos não crentes. Isto, “muito simplesmente porque a Eucaristia é Cristo” –
sustenta o entrevistado. A Eucaristia é “o próprio Cristo que viveu cerca de 33
anos no mistério da sua encarnação humana”. Portanto, assegura o padre Morujão,
“não podemos ser cristãos não eucarísticos, pois isso seria uma contradição”.
Assim, a Eucaristia,
quer na vertente de celebração quer nas vertentes de comunhão e de adoração,
deve levar os cristãos à identificação com Cristo e com o seu estilo de vida,
que foi amar e servir, a começar pelos que mais precisam: pobres, doentes,
pecadores, marginalizados. Este Cristo, celebrado e recebido na Eucaristia é
“fonte de misericórdia”, de amor e serviço – como sugere o lema do Congresso.
O padre Morujão
assegura a ligação do Congresso a Fátima e ao Ano da Misericórdia como uma
ligação espontânea e natural, já que a Eucaristia “torna presente o ato supremo
da misericórdia de Deus que dá a vida por nós na cruz do calvário”. Depois,
cita São João Paulo II, que, na sua última Encíclica, que foi sobre a
Eucaristia (Ecclesia de
Eucharistia, de 17 de abril de 2003), tem uma exclamação poderosa: “Mistério
grande, mistério de misericórdia! Que mais poderia ter feito Jesus por nós?!”.
Por seu turno, o Anjo, na 3.ª aparição aos pastorinhos de Fátima, no outono de
1916, apresentou-se com o cálix e a hóstia, que lhes deu a comungar,
ensinando-lhes uma oração vincadamente trinitária e eucarística. As próprias aparições
de Nossa Senhora, em 1917, têm uma clara vertente eucarística, conduzindo os
pastorinhos à devoção da Eucaristia: “Meu
Deus, meu Deus, eu vos amo no Santíssimo Sacramento” (1.ª aparição). E a última aparição, relatada por Lúcia nas suas
memórias, ocorreu a 13 de junho de 1929, em Tuy, na casa das Doroteias, num
contexto eucarístico e mariano, em que tudo se resume no binómio “Graça e Misericórdia”. Por isso, pode
inferir-se que os temas da Eucaristia e da Misericórdia integram o núcleo
central da mensagem fatimita.
***
Além das
celebrações e das reflexões temáticas, o Congresso Eucarístico ficará marcado
por uma megacampanha de doação de sangue. Com efeito, comentando o refrão “dar
sangue é dar vida”, presente nas diversas campanhas de doação de sangue, o
entrevistado da Ecclesia estabelece a
conexão pragmática com a Eucaristia:
“Celebra-se
a doação da vida de Jesus, por inteiro e até ao fim, derramando o seu sangue
pela salvação da humanidade. Por isso, o cristão deve ser particularmente
sensível à necessidade da doação de sangue, muitas vezes urgente e premente,
que experimentam os hospitais e centros de saúde para as necessárias
transfusões.”.
Mais: descobre-se
que a doação de sangue é uma vertente daquela obra de misericórdia
“assistir/visitar os doentes”, incluindo todos os que, de qualquer forma,
precisam de restabelecer a saúde. Trata-se, pois, duma ação de misericórdia “que
se deve promover”, pois todos poderemos vir a ter necessidade duma transfusão
de sangue. A realização desta campanha passará pela motivação das pessoas para
a doação de sangue próprio e/ou inspirando outros a que o façam, bem como pelo
fornecimento das indicações práticas das unidades de saúde a que se devem dirigir
com a finalidade de oferecer vida através da oferta de sangue.
***
É óbvio que
o grande escopo do Congresso é a renovação pastoral, que se faz “por pequenos
passos” e não resulta “de solenes decretos reais, pontifícios ou episcopais”.
Esta renovação precisa de orientações, programas, estratégias e planos – que
são o corpo da renovação. Mas, para que o corpo da renovação “funcione e seja
fonte de vida” é precisa a alma, que advém pela oração, sacramentos e sobretudo
pela Eucaristia, onde se encontra e toma o Cristo real e vivo, que se nos dá em
alimento. Todos podem apreciar o bem que a Igreja faz nas suas múltiplas obras
sociais. Porém, o motor de toda a ação benéfica da Igreja “vem de Cristo, que a
inspira e anima”.
Este é o 4.º
Congresso Eucarístico Nacional promovido pelo Episcopado Português, tendo o 3.º
e mais recente decorrido em 1999 na varanda do grande Jubileu do ano 2000. É
justo questionar o impacto que ele teve na vida da Igreja em Portugal nestes
primeiros anos do 3.º milénio.
A isto o
padre Morujão reconhece que “todas
as dioceses têm os seus planos pastorais e não têm faltado iniciativas de
dinamização espiritual, sacramental e social”. Todavia reconhece que “há ainda
muito caminho a percorrer para concretizar o que o Papa João Paulo II chamou de
fantasia da caridade, com
criatividade pastoral”. Além disso, no encalço do desígnio do Papa Francisco, o
Papa da misericórdia, “precisamos de nos formatar como Igreja em saída, indo ao encontro dos que precisam das boas
notícias do evangelho da alegria.
Por fim, o coordenador da Comissão
promotora do congresso – a par do padre Manuel Barbosa, pela Conferência
Episcopal Portuguesa; do padre Vítor Coutinho, vice-reitor do Santuário de
Fátima e do padre Sérgio Henriques, diretor do seu Serviço de Liturgia; e do
padre António Valério, diretor do Secretariado Nacional do Apostolado da Oração
– referiu-se à reposição dos feriados religiosos, com elevo para o da Solenidade do
Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo, que se celebrará, este ano, a 26 de maio,
uma quinta-feira, 60 dias depois da Páscoa.
Sobre o significado de a sua celebração voltar às ruas no seu dia
litúrgico, o padre Morujão, em termos históricos, no quadro da tradição
eclesiástica e da economia da salvação, diz:
“Esta solenidade
remonta já aos meados do século XIII, realçando que a Eucaristia é o centro da
vida da Igreja, porque é o próprio Cristo. O nosso povo chama à solenidade do
Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo a festa do Corpo de Deus, porque Deus
encarnou na nossa humanidade, fazendo-se um de nós, demonstrando até que
extremo chega o amor de Deus por nós, pela nossa humanidade.”.
Ora, se efetivamente a Eucaristia
atualiza o mistério da encarnação, Jesus cumpre através dela a sua promessa de
ficar convosco até à consumação dos séculos (vd Mt 28,20). A celebração deste dia costuma ser assinalada, além da
missa, pela procissão eucarística, manifestando assim os cristãos a sua fé,
expondo publicamente o tesouro ou a joia da coroa da sua fé, o Cristo, que “se
faz pão da nossa fome mais profunda”. E o facto de a festa voltar a ser
celebrada em quinta-feira, dia da semana em que foi instituída a Eucaristia, dá-lhe
peculiar importância, uma vez que não é apenas mais uma festa do Senhor, mas a
valorização do Cristo eucarístico, centro da nossa fé e vida, que se dispõe a
viver no nosso mundo, na nossa comunidade, na nossa pessoa.
Finalmente, é de referir que a
celebração do Congresso Eucarístico fica no espaço temporal que medeia entre a
peregrinação das crianças e a peregrinação aniversária da segunda aparição. A
peregrinação das crianças evoca as aparições do anjo trinitário e eucarístico e
a afeição das crianças videntes à Senhora e a Jesus Eucaristia; a segunda
aparição é a da obrigação de aprender a ler e da referência ao Coração de Maria
como ícone da misericórdia amorosa de Deus espelhada no coração maternal
enquanto rosto da dimensão materna de Deus.
2016.05.21 – Louro de Carvalho
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