sábado, 28 de maio de 2016

A divergência na Comissão Europeia quanto à aplicação de sanções

A Comissão Europeia optou pelo adiamanto da decisão de aplicar sanções a Portugal e Espanha por incumprimento por défice excessivo. Sabe-se que alguns membros do Ecofin não gostaram do adiamento e o Eurogrupo pedirá esclarecimentos à Comissão. Desde logo se desconfiou da bondade desta opção, não se pensando em qualquer efeito do discurso prospetivo de Marcelo no Parlamento Europeu ou nas diligências do Primeiro-Ministro ou do Ministro das Finanças, mas provavelmente na expectativa gerada em torno das eleições legislativas em Espanha.
O que não se sabia era o que ficara exarado nas atas da reunião do dia 10 de maio, que mostram divergências na Comissão sobre o assunto. O presidente Jean-Claude Juncker mostrou-se contra a aplicação de sanções, enquanto Valdis Dombrovskis, vice-presidente para o Euro defendeu mão pesada. Além disso, vários comissários entendiam que a credibilidade da Comissão está em causa, havendo, porém, quem sustentasse a necessidade de olhar a questão de forma política. O presidente admite as sanções face às regras, mas é contra a aplicação, considerando o esforço dos dois países e os acidentes de percurso por que passaram.
Na reunião anterior àquela em que a Comissão adiou efetivamente a decisão sobre as sanções, realizada a 18 de maio, a discussão terá sido repartida entre os que defendiam mão de ferro contra os incumpridores e os que não viam a decisão com bons olhos. Com efeito, as atas da dita reunião revelam que Valdis Dombrovskis, que tem a seu cargo a gestão do processo do semestre europeu, abrindo a discussão como habitualmente, defendeu que as sanções fossem mesmo aplicadas a Portugal e Espanha, que falharam as metas de correção do défice excessivo em 2015 e 2016, respetivamente, e a realização as ações necessárias que se esperavam deles.
Valdis Dombrovskis explicitou ainda: assim que o Conselho decidisse que os dois países não tinham aplicado medidas eficazes para corrigir os desvios e cumprir as metas, a Comissão teria 20 dias para apresentar a proposta de especificação das sanções recomendadas e recomendar a suspensão dos fundos estruturais e de investimento a estes países. Esta suspensão poderia ser levantada se, depois de feita nova recomendação, a Comissão procedesse a uma nova avaliação que apontasse no sentido de terem sido tomadas medidas eficazes. Em relação às sanções em si, haveria atenuantes a invocar quando se discutisse a dimensão das sanções.
Pierre Moscovici, comissário europeu para os Assuntos Económicos, mostrou-se preocupado por que o Conselho considerasse que Portugal e Espanha não tomaram medidas eficazes e, por isso, “a Comissão poderia ter de impor sanções de cerca de 0,2% do PIB”. E, embora lembrando que as sanções seriam inéditas e que os dois países poderiam solicitar o seu cancelamento ou a sua redução invocando circunstâncias excecionais, a Comissão teria de iniciar o processo para suspender os fundos e os países teriam de fazer um esforço adicional durante o resto do ano para conseguirem o levantamento da suspensão.
A discussão passou depois para os restantes comissários. Embora as atas não sejam elucidativas, parece que alguns terão defendido que a credibilidade e a autoridade da Comissão “dependem da aplicação estrita e consistente das regras” estipuladas nos tratados e nas leis que regulam a governação económica, sendo assim necessária a criação dum ambiente de consistência na aplicação das regras. Porém, outros terão sugerido que estas regras deveriam ser aplicadas de forma mais “política” e que a Comissão deveria adaptar as suas decisões não só aos precedentes que a aplicação de sanções criaria, mas também à dificuldade que os cidadãos dos países em causa teriam em aceitar tal decisão e ao contexto geral e nacional. Todavia, as posições tomadas que levaram ao predito adiamento não são inocentes do ponto de vista político. As atas fazem referência explícita ao contexto eleitoral de alguns Estados-membros, aludindo claramente ao caso espanhol, sem o nomear (as eleições estão marcadas para 26 de junho), relevando os problemas e constrangimentos que este contexto criou para tomar decisões orçamentais.
A decisão de adiamento não foi tomada no dia 10. Os comissários reuniram novamente no dia 18, tendo nesta reunião decidido o adiamento da decisão sobre as sanções a aplicar a Portugal e Espanha para o início de julho, já depois das eleições gerais em Espanha, e dar mais um ano a Portugal e Espanha para reduzirem o défice excessivo, postura assumida pelos dois comissários responsáveis (Moscovici até defendia mais dois anos para a Espanha). No entanto, Juncker, fez uma intervenção final em que alertou para as consequências negativas de aplicar a sanções aos dois países, sublinhando as eventuais consequências de algumas das recomendações dos comissários para os mercados financeiros e para os cidadãos, mesmo que elas se justifiquem à luz das regras atuais. E chegou mesmo a questionar a bondade política da imposição de mais constrangimentos “a Estados-Membros que estavam a reduzir os seus défices e se mantinham muito pró-europeus, ou sanções a outros que já tinham feito esforços consideráveis para recuperar e conseguiram fazer regressar um crescimento significativo”.
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Neste contexto das sanções e das dificuldades por que passam os cidadãos, os Estados-Membros e a própria UE, Věra Jourová, comissária da Justiça, Consumidores e Igualdade de Género, afirmou que a discussão de eventuais sanções a Portugal foi “longa e difícil” e que a Comissão está em comunicação com o Governo para tentar perceber como é que Portugal “pretende melhorar os números e diminuir a dívida de forma sustentável”. E sustenta que “as mulheres pagaram o preço mais pesado da crise”.
A comissária checa, que sobraça um dos portefólios mais extenso da equipa de Juncker, tocando alguns dos temas mais quentes na mesa da discussão, como a proteção dos consumidores e a liberdade de circulação, veio garantir que os consumidores não serão afetados pela conclusão do TTIP (Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento) e que o acordo entre a UE e o Reino Unido para tentar evitar o Brexit, nomeadamente o travão de benefícios, não vem “diminuir” a qualidade das condições para quem pretende trabalhar noutro Estado-membro.
Em entrevista ao jornal digital Observador, referiu que não consegue prever se haverá ou não sanções a Portugal, mas enuncia a necessidade de obedecer às regras instituídas para todos os Estados-membros, tendo de haver, é claro, tratamento igual para todos, sem desprimor para o olhar para cada país individualmente e para o seu progresso. Não se pronunciando sobre se a questão da revisão dos números por parte do Governo vai resultar em novas medidas de austeridade, entende que para acautelar tais consequências é que “foi dado mais tempo ao país, de forma a encontrar as medidas mais equilibradas para o país”, na certeza de que “ninguém quer sanções pelas sanções”, mas “colocar o país em linha com as metas orçamentais e que consiga melhorar o seu desempenho”.
Quanto à proteção dos cidadãos e, em especial, dos consumidores face ao TTIP, assegura a vontade de continuar a aprofundar os padrões de qualidade muito elevados na Europa. Sendo “uma decisão política muito má se os abandonássemos”, garante que “não planeamos que isso aconteça”. E garante que “a proteção de consumidores e o seu interesse” se vão manter, não sendo tocados por “qualquer acordo internacional”. No atinente aos debates sobre “a comida e os químicos”, no âmbito do TTIP, refere que, embora esses tópicos não façam diretamente parte do seu portefólio, tem trabalhado com a comissária do Comércio, Cecilia Malmström, que bem sabe que é preciso não só manter a atual proteção dos consumidores europeus, mas também não impossibilitar que essa proteção seja ainda mais forte no futuro.
Sobre uma eventual saída do Reino Unido da UE, atesta a vontade, por parte da Europa, de o Reino Unido continuar a integrar a União e alude a muitos estudos que mostram que a saída teria um impacto grave no Reino Unido e nos Estados-Membros, tanto a nível económico como a nível da segurança. A Comissão Europeia, embora não participe na campanha, “expressa o seu desejo pela manutenção do país na UE. E, em caso de saída, haverá um período “em que teremos de acordar a futura coexistência e cooperação” – assunto que envolverá os Estados-membros e o Parlamento Europeu. Se o Reino Unido ficar, há que trabalhar no acordo obtido no Conselho, designadamente no quadro da liberdade de circulação, preparando a proposta que dará corpo às condições do acordo, sem tocar nas liberdades básicas daquele princípio. Mais refere que o travão para os benefícios de trabalhadores não tocará a substância dos direitos dos europeus, continuado a poder viajar e trabalhar noutros Estados-membros em boas condições.
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Tendo vindo a Portugal falar sobre a importância da proteção das crianças, que ficaram afetadas pelas medidas de austeridade no âmbito da crise por que passaram as famílias, assegura que, enquanto comissária responsável pelo bem-estar das crianças, apoia as medidas de austeridade que não afetem nem as crianças nem os indivíduos mais frágeis da sociedade, na convicção de que “os mais vulneráveis não podem pagar o preço dessas medidas”. E isto não devia acontecer em Portugal nem em nenhum Estado-membro, tendo de encontrar-se “medidas mais equilibradas em que haja austeridade, mas cujo ónus recaia sobre os que o podem suportar”.
Aqui pergunto-me quem o pode suportar e se quem o pode suportar estará na disposição de o fazer ou se o Estado dispõe e quer dispor de meios para o urgir. O certo é que a comissária da justiça é apoiante e paladina da austeridade imposta. E, pela leitura do que vem a seguir, se vê que a eurocrata vive num mundo irreal frente ao da incapacidade das famílias e instituições:
“As famílias não devem depender do Estado, nem da esfera pública, porque devem ser as famílias a educar em primeiro lugar e a dar a primeira assistência. Cabe ao Estado eliminar quaisquer riscos, criar condições para um nível de educação igualitário, assim como uma boa assistência social.”
Porém, a comissária, que até poderia querer vir a dar uma ajudinha em prol dos colégios em guerra com o Estado, tem razão no que diz a seguir:
“Há outros tipos de proteção a ter em conta. Hoje em dia é importante proteger as crianças das armadilhas da Internet. Temos um capítulo dedicado a ajudar os pais a protegerem as crianças nesse ambiente. Também é preciso melhorar a vida dos menores que cometem erros e que ficam a cargo do sistema judicial. Garantir que esses menores têm acesso a um advogado e que não ficam nos mesmos estabelecimentos que os reclusos adultos garante que eles não são estigmatizados até ao fim da sua vida. Estamos agora desenvolver uma diretiva que garanta a salvaguarda de menores suspeitos ou acusados de crimes.”.
Sobre a importância, sustentabilidade ou falhanço do Estado Social na Europa, declara que, embora os sistemas de Segurança Social sejam da competência dos Estados, a UE não se deve contentar em estabelecer os princípios mínimos. Há que lutar pela igualdade e contra a discriminação, mas cabe aos Estados-membros criar um sistema que equilibre também a redistribuição de riqueza. É certo que não se podem obrigar os Estados-Membros a fazer isto de uma certa maneira, mas devem ser respeitados os princípios básicos de igualdade inscritos na nossa carta de direitos fundamentais.
No atinente à igualdade na Europa, nomeadamente entre homens e mulheres, sustenta que as mulheres pagaram o preço mais pesado da crise. Veem-se as diferenças no aumento do emprego e na precariedade e na perda do trabalho, embora também tenham sido as mulheres as primeiras a recuperar conseguindo novos trabalhos e elas próprias a tornarem-se empreendedoras.
Também denuncia a violência, não só a violência doméstica – um problema grave em Portugal e Espanha – mas também outros tipos de violência como as perseguições na Internet e os abusos sexuais, em que as mulheres são as mais afetadas.
Por outro lado, defende que é preciso trabalhar para que mais mulheres cheguem a lugares de poder nas empresas. As dificuldades são muitas: a introdução de quotas é vista como impopular; uma maioria no Conselho bloqueia a medida legislativa da igualdade no topo das empresas; e muitas empresas do setor privado ainda não abriram para este mecanismo de igualdade.
Por outro lado, o mecanismo das quotas não resolve a situação, pois, se é verdade que muitas das maiores empresas dizem que “já adotaram as suas regras para fazer com que as mulheres progridam nas suas carreiras porque há provas de que é importante ter diversidade nos conselhos de supervisão e administração”, muitas empresas ainda não abriram tais possibilidades. Por outro lado, não se podem descurar as questões referentes às capacidades. Neste âmbito, a comissária é sensata quando declara:
“Eu também não quero que se crie um ambiente desigual para aceder a estes lugares. Quero que haja concorrência justa entre homens e mulheres. Se houver um concurso para um posto e os dois tiverem a mesma experiência e capacidades similares, só aí é que se deve escolher em função do género menos representado.”
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E, falando de países e de igualdade de género, sustenta a necessidade de não discriminar no salário, no trabalho, no acesso aos lugares de decisão ou na aplicação de sanções.
Finalmente, pergunto-me sobre o que vem fazer a Lisboa o Presidente do Parlamento Europeu para encontros com Marcelo, António Costa e Ferro Rodrigues? Será apenas para retribuir a visita do Presidente da República ao Parlamento Europeu, em Estrasburgo? Certamente que não será para colocar o país no epicentro das decisões europeias e mundiais, corrigir injustiças, desigualdades e discriminações ou reforçar o Estado Social.

2016.05.27 – Louro de Carvalho

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