A
edição de hoje, dia 14 de maio, do jornal digital Observador dá a um texto, em que cita o Expresso, o seguinte título: “Presidente serenou ânimos sobre contratos de associação nas escolas”. Depois, aprecia o papel relevante de Marcelo por se
manter “firme no objetivo de promover a estabilidade política”, chegando a
afirmar que “o Presidente abordou o tema dos contratos de associação com
António Costa e travou uma reação mais violenta da Igreja”. E refere que o
Chefe de Estado preconiza, em nome da estabilidade, que “os estados de alma
sobre a Educação são
para apaziguar, independentemente das diferenças ideológicas sobre o tema”.
Segundo
o Expresso, a abordagem, por Marcelo
Rebelo de Sousa, da questão dos contratos de associação com os colégios privados,
na reunião semanal com o Primeiro-Ministro, configura o que denomina de “diligências de bastidores”, que não significam a sanação da polémica.
Rebelo
de Sousa estará atento à tensão – entre Governo e entidades privadas,
nomeadamente as ligadas à Igreja Católica – resultante da revisão dos contratos
de associação com colégios privados a que o Ministério da Educação quer proceder.
Um dia depois
da audiência presidencial concedida ao Primeiro-Ministro, no debate quinzenal
no Parlamento, o chefe do Executivo acentuou que esta “não é uma questão religiosa” e que “essa
seria absolutamente inadmissível”, revelando que foi sensível à
importância de separar as águas e evitar um conflito institucional com a
Igreja. Todavia, não deixou de marcar as diferenças ideológicas em relação ao
partido de Passos Coelho, que acusou de ter embarcado numa “deriva radical” e
de se ter tornado “neoliberal”. Costa apontou o dedo a Passos Coelho por ter
andado a “enganar os portugueses” no caso dos contratos de associação, postura
a que as bancadas da direita responderam com uma ruidosa pateada.
No final do
dia, na cerimónia da inauguração das novas instalações do Grupo
Renascença Multimédia, o Presidente da República louvou, perante os protagonistas
da tensão política – o Cardeal-Patriarca, o Primeiro-Ministro e os líderes do
PSD e do CDS – “a sabedoria e o bom senso da democracia
portuguesa de saber construir um Estado laico sem atacar a Igreja Católica ou qualquer outra religião”.
***
Nesta polémica,
têm sido feitas afirmações das mais bizarras a par de algumas declarações
sérias e vindo ao de cima interesses, na matéria, de entidades ligadas ao PS,
PSD e CDS.
A afirmação
mais chocante é a da “nogueirização” do Ministério da Educação, pretendendo
afirmar-se que o Ministério está refém da Fenprof e do Partido Comunista e de
seus interesses ideológico-marxistas. Não sei se alguma vez este Ministério
deixou de ser acusado de se deixar influenciar por esta ou aquela corrente
ideo-política. E o mal não serão as pressões e tentativas de influenciar, mas a
não resistência às pressões e a não permanência no rumo firme ou a sede de tudo
reformar com a tomada de posse de novo Governo, só para mostrar serviço.
A questão da
estabilidade política não depende da satisfação de 79 colégios num conjunto de largas centenas de escolas privadas e Marcelo não traz benefício significativo ao país em
armar-se em anjo da paz por tudo e por nada, sobretudo em matéria educativa,
deixando até mal colocada a figura da sua assessora para a Educação a ponto de
descredibilizar a sua ação enquanto titular da pasta, cuja prestação não foi
polémica em comparação com a da sua predecessora.
Dizer que o
Ministro não tem maturidade governativa e experiência política é desconhecer
que o trabalho ministerial é um trabalho de equipa em que pontifica o Ministro,
mas em articulação com secretarias de Estado e direções-gerais e com as
audições dos escalões intermédios e das estruturas de base. Melhor, significa a
falta de argumentos mais válidos e sustentados.
O senhor
Cardeal-Patriarca veio a terreiro, já depois de o porta-voz da Conferência
Episcopal o ter feito, para afirmar em concreto quatro coisas: que o Estado
deve honrar os compromissos, ou seja, os contratos legalmente celebrados; que
os pais dos alunos que frequentam os colégios também são contribuintes; que o
Papa Francisco tem dito que o Estado deve garantir a liberdade de escolha da
escola através do justo financiamento independentemente da titularidade,
pública ou privada, da escola; e que um Estado só será solidário se for
subsidiário.
Tanto quanto
nos é dado saber, nunca esteve em causa o cumprimento dos contratos celebrados,
mas apenas a celebração de novos contratos de associação em locais onde há
oferta pública suficiente. Isto poderá levar à supressão total dos apoios ou à
sua diminuição. Porém, não se compreende que haja escolas públicas com
subocupação – a uma distância considerada razoável (entre 2 a 4
quilómetros) e o Estado
continue a financiar escola privada ali ao lado como se nada fosse. Há que
evitar a redundância de gastos e prover a sua racionalização – o que faz
qualquer bom gestor!
É óbvio que
algumas escolas privadas, mesmo a par de escolas públicas, respondem a
necessidades que as escolas públicas ainda não respondem, como o acolhimento a
alunos provenientes de instituições, por determinação judicial ou por oferta de
disponibilidade de acolhimento enquanto os pais trabalham por turnos ou
necessariamente para lá do tempo escolar. Obviamente, em casos destes, o Estado
tem de ponderar o apoio, pelo menos enquanto não tiver possibilidade de
responder por si próprio. E, pelos vistos, o Governo está disposto a lançar mão
dos contratos de associação para cumprir o desígnio da generalização da
educação pré-escolar a partir dos 3 anos de idade.
Depois, a
liberdade de escolha – que não é um direito absoluto, mas conjugável com outros
prioritários como o do acesso de todos à escolaridade – não tem inerente a si o
subsídio estatal, nem fica cerceado o seu exercício pela inexistência dos
contratos de associação. Torna-se é mais dispendioso para o respetivo orçamento
familiar.
Quanto à
obrigação do Estado de garantir pelo financiamento a liberdade de escolha de
escola, Dom Manuel Clemente não precisava de citar o Papa, dado que não é
preciso investigar muito para saber que essa é a posição de base da Igreja
Católica, devidamente documentada. Todavia, não é uma cruzada que a Igreja
tenha levado a peito. Essa formulação até é defensável em tese, mas a realidade
é o que é e as obrigações dos Estados estão priorizadas nas Constituições. De
resto, gostaria de saber em que medida os privados e a Igreja Católica em
Portugal exigiram tal financiamento ao regime de Salazar e de Caetano ou que
subsídios deram esses governos ao ensino privado.
Ora o que é
defensável em tese nem sempre é aplicável na prática. Por exemplo, defende-se
em tese que os idosos devem ser amparados no âmbito da família, que os pais
devem cuidar das crianças em tenra idade e que as comunidades devem tratar dos
seus carenciados. Não obstante, sei que a maior parte dos pais não consegue
cuidar permanentemente das suas crianças, ainda que o queiram fazer (por isso, se
multiplicam as creches e os infantários); que as
famílias não conseguem, em muitos casos, cuidar dos seus idosos e doentes (por isso se
multiplicam os lares de terceira idade e as unidades de cuidados continuados). E, quanto aos carenciados, porque pululam os casos
dos sem-abrigo, dos que vivem e morrem isolados?
Ora em tempo
de crise – e a troika o impôs, sem êxito – o Governo tinha de tratar a sério
preferencialmente o ensino público. Depois, quero perguntar-me por que motivo a
lei de bases do ensino particular e cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19 de março) não foi sujeita, ao tempo, à fiscalização abstrata
da constitucionalidade, já que foi além do preceituado no texto da CRP de 1976,
que só foi revista em 1982 (obviamente perante o texto subsequente e hoje em vigor
não restam dúvidas da constitucionalidade). No
entanto, o alçapão da lei a abranger por financiamento estatal mais escolas
privadas que as que se situavam na linha de supletividade do ensino público
entende-se pela fragilidade das instituições na vigência do 4.º Governo
Constitucional (o 2.º de iniciativa presidencial).
Há diretores
de colégios que vieram indignar-se porque o seu colégio se criou quando não
havia oferta pública de ensino e, depois, o Estado veio construir ali perto
escolas públicas, sem necessidade… Ora juízes das obrigações do Estado
oferecem-se!
Vieram
discutir agora a qualidade das escolas e a diferença de custos no público e no
privado. Marques Mendes até disse que a escola privada é melhor que a pública,
pois as escolas privadas vêm no topo dos rankings. Poderia o comentador anotar
que os rankings têm em conta exclusivamente os exames (algumas
disciplinas, parcialmente avaliadas em 180 minutos), que as escolas privadas escolhem os seus alunos e
que muitas vezes não contratam os melhores professores, mas os conhecidos e
amigos, que formatam para ensino com vista ao exame (é óbvio que
há boas exceções). E, quanto
à diferença de custos, tudo depende do tipo de contas.
Agitam o
fantasma do desemprego. Mas esqueceram-se de o agitar quando o Estado colocou
docentes em horário “zero”, aumentou o número de alunos por turma, não forneceu
horas para o desempenho de cargos e programou a saída de muitos por mútuo
acordo. E mais: não agitaram o espantalho do desemprego quando colégios despediram
centenas e centenas de professores mais antigos e sobrecarregaram os restantes
e os novos com horário letivo de 25 horas (de 60 minutos), podendo a totalidade de horas semanais perfazer o
número de trinta.
Por fim, não
é este o momento para o debate sobre a liberdade de escolha de escola, por mais
que Marcelo ou o Patriarca o queiram. Primeiro, o Governo tem de arrumar a
casa, consolidar a malha associal, insuflar novo ânimo na economia e no tecido
empresarial e cumprir as suas obrigações prioritárias em educação, saúde,
segurança social, defesa e segurança, equilíbrio de contas e contenção da
dívida. Por outro lado, quem se sente com direitos manifeste as suas
pretensões, mas não manipule os alunos e os professores com o espectro do
encerramento intempestivo de escolas, não conclusão de cursos, despedimentos. E
já pensaram que sucederia se pegasse a moda do encerramento intempestivo de
escolas privadas, como sucedeu em casos pontuais (soube
dalguns)? O Estado arcaria com as
consequências.
A
subsidiariedade não consiste principalmente na atribuição de subsídios, mas em promover
que os diversos agentes e instituições façam tudo o que podem e devem fazer,
vindo o Estado a fazer o que eles não podem ou não sabem. Mas isto implica a
criação da igualdade de oportunidades rumo ao sucesso e a inclusão – e não o
fazer de negócio com bens fundamentais.
2016.0.14 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário