sábado, 14 de maio de 2016

Ânimos serenados em torno dos colégios com contrato de associação

A edição de hoje, dia 14 de maio, do jornal digital Observador dá a um texto, em que cita o Expresso, o seguinte título: “Presidente serenou ânimos sobre contratos de associação nas escolas”. Depois, aprecia o papel relevante de Marcelo por se manter “firme no objetivo de promover a estabilidade política”, chegando a afirmar que “o Presidente abordou o tema dos contratos de associação com António Costa e travou uma reação mais violenta da Igreja”. E refere que o Chefe de Estado preconiza, em nome da estabilidade, que “os estados de alma sobre a Educação são para apaziguar, independentemente das diferenças ideológicas sobre o tema”.
Segundo o Expresso, a abordagem, por Marcelo Rebelo de Sousa, da questão dos contratos de associação com os colégios privados, na reunião semanal com o Primeiro-Ministro, configura o que denomina de “diligências de bastidores”, que não significam a sanação da polémica.
Rebelo de Sousa estará atento à tensão – entre Governo e entidades privadas, nomeadamente as ligadas à Igreja Católica – resultante da revisão dos contratos de associação com colégios privados a que o Ministério da Educação quer proceder.
Um dia depois da audiência presidencial concedida ao Primeiro-Ministro, no debate quinzenal no Parlamento, o chefe do Executivo acentuou que esta “não é uma questão religiosa” e que “essa seria absolutamente inadmissível”, revelando que foi sensível à importância de separar as águas e evitar um conflito institucional com a Igreja. Todavia, não deixou de marcar as diferenças ideológicas em relação ao partido de Passos Coelho, que acusou de ter embarcado numa “deriva radical” e de se ter tornado “neoliberal”. Costa apontou o dedo a Passos Coelho por ter andado a “enganar os portugueses” no caso dos contratos de associação, postura a que as bancadas da direita responderam com uma ruidosa pateada.
No final do dia, na cerimónia da inauguração das novas instalações do Grupo Renascença Multimédia, o Presidente da República louvou, perante os protagonistas da tensão política – o Cardeal-Patriarca, o Primeiro-Ministro e os líderes do PSD e do CDS – “a sabedoria e o bom senso da democracia portuguesa de saber construir um Estado laico sem atacar a Igreja Católica ou qualquer outra religião”.
***
Nesta polémica, têm sido feitas afirmações das mais bizarras a par de algumas declarações sérias e vindo ao de cima interesses, na matéria, de entidades ligadas ao PS, PSD e CDS.
A afirmação mais chocante é a da “nogueirização” do Ministério da Educação, pretendendo afirmar-se que o Ministério está refém da Fenprof e do Partido Comunista e de seus interesses ideológico-marxistas. Não sei se alguma vez este Ministério deixou de ser acusado de se deixar influenciar por esta ou aquela corrente ideo-política. E o mal não serão as pressões e tentativas de influenciar, mas a não resistência às pressões e a não permanência no rumo firme ou a sede de tudo reformar com a tomada de posse de novo Governo, só para mostrar serviço.
A questão da estabilidade política não depende da satisfação de 79 colégios num conjunto de largas centenas de escolas privadas e Marcelo não traz benefício significativo ao país em armar-se em anjo da paz por tudo e por nada, sobretudo em matéria educativa, deixando até mal colocada a figura da sua assessora para a Educação a ponto de descredibilizar a sua ação enquanto titular da pasta, cuja prestação não foi polémica em comparação com a da sua predecessora.
Dizer que o Ministro não tem maturidade governativa e experiência política é desconhecer que o trabalho ministerial é um trabalho de equipa em que pontifica o Ministro, mas em articulação com secretarias de Estado e direções-gerais e com as audições dos escalões intermédios e das estruturas de base. Melhor, significa a falta de argumentos mais válidos e sustentados.
O senhor Cardeal-Patriarca veio a terreiro, já depois de o porta-voz da Conferência Episcopal o ter feito, para afirmar em concreto quatro coisas: que o Estado deve honrar os compromissos, ou seja, os contratos legalmente celebrados; que os pais dos alunos que frequentam os colégios também são contribuintes; que o Papa Francisco tem dito que o Estado deve garantir a liberdade de escolha da escola através do justo financiamento independentemente da titularidade, pública ou privada, da escola; e que um Estado só será solidário se for subsidiário.
Tanto quanto nos é dado saber, nunca esteve em causa o cumprimento dos contratos celebrados, mas apenas a celebração de novos contratos de associação em locais onde há oferta pública suficiente. Isto poderá levar à supressão total dos apoios ou à sua diminuição. Porém, não se compreende que haja escolas públicas com subocupação – a uma distância considerada razoável (entre 2 a 4 quilómetros) e o Estado continue a financiar escola privada ali ao lado como se nada fosse. Há que evitar a redundância de gastos e prover a sua racionalização – o que faz qualquer bom gestor!
É óbvio que algumas escolas privadas, mesmo a par de escolas públicas, respondem a necessidades que as escolas públicas ainda não respondem, como o acolhimento a alunos provenientes de instituições, por determinação judicial ou por oferta de disponibilidade de acolhimento enquanto os pais trabalham por turnos ou necessariamente para lá do tempo escolar. Obviamente, em casos destes, o Estado tem de ponderar o apoio, pelo menos enquanto não tiver possibilidade de responder por si próprio. E, pelos vistos, o Governo está disposto a lançar mão dos contratos de associação para cumprir o desígnio da generalização da educação pré-escolar a partir dos 3 anos de idade.
Depois, a liberdade de escolha – que não é um direito absoluto, mas conjugável com outros prioritários como o do acesso de todos à escolaridade – não tem inerente a si o subsídio estatal, nem fica cerceado o seu exercício pela inexistência dos contratos de associação. Torna-se é mais dispendioso para o respetivo orçamento familiar.
Quanto à obrigação do Estado de garantir pelo financiamento a liberdade de escolha de escola, Dom Manuel Clemente não precisava de citar o Papa, dado que não é preciso investigar muito para saber que essa é a posição de base da Igreja Católica, devidamente documentada. Todavia, não é uma cruzada que a Igreja tenha levado a peito. Essa formulação até é defensável em tese, mas a realidade é o que é e as obrigações dos Estados estão priorizadas nas Constituições. De resto, gostaria de saber em que medida os privados e a Igreja Católica em Portugal exigiram tal financiamento ao regime de Salazar e de Caetano ou que subsídios deram esses governos ao ensino privado.
Ora o que é defensável em tese nem sempre é aplicável na prática. Por exemplo, defende-se em tese que os idosos devem ser amparados no âmbito da família, que os pais devem cuidar das crianças em tenra idade e que as comunidades devem tratar dos seus carenciados. Não obstante, sei que a maior parte dos pais não consegue cuidar permanentemente das suas crianças, ainda que o queiram fazer (por isso, se multiplicam as creches e os infantários); que as famílias não conseguem, em muitos casos, cuidar dos seus idosos e doentes (por isso se multiplicam os lares de terceira idade e as unidades de cuidados continuados). E, quanto aos carenciados, porque pululam os casos dos sem-abrigo, dos que vivem e morrem isolados?
Ora em tempo de crise – e a troika o impôs, sem êxito – o Governo tinha de tratar a sério preferencialmente o ensino público. Depois, quero perguntar-me por que motivo a lei de bases do ensino particular e cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19 de março) não foi sujeita, ao tempo, à fiscalização abstrata da constitucionalidade, já que foi além do preceituado no texto da CRP de 1976, que só foi revista em 1982 (obviamente perante o texto subsequente e hoje em vigor não restam dúvidas da constitucionalidade). No entanto, o alçapão da lei a abranger por financiamento estatal mais escolas privadas que as que se situavam na linha de supletividade do ensino público entende-se pela fragilidade das instituições na vigência do 4.º Governo Constitucional (o 2.º de iniciativa presidencial). 
Há diretores de colégios que vieram indignar-se porque o seu colégio se criou quando não havia oferta pública de ensino e, depois, o Estado veio construir ali perto escolas públicas, sem necessidade… Ora juízes das obrigações do Estado oferecem-se!
Vieram discutir agora a qualidade das escolas e a diferença de custos no público e no privado. Marques Mendes até disse que a escola privada é melhor que a pública, pois as escolas privadas vêm no topo dos rankings. Poderia o comentador anotar que os rankings têm em conta exclusivamente os exames (algumas disciplinas, parcialmente avaliadas em 180 minutos), que as escolas privadas escolhem os seus alunos e que muitas vezes não contratam os melhores professores, mas os conhecidos e amigos, que formatam para ensino com vista ao exame (é óbvio que há boas exceções). E, quanto à diferença de custos, tudo depende do tipo de contas.
Agitam o fantasma do desemprego. Mas esqueceram-se de o agitar quando o Estado colocou docentes em horário “zero”, aumentou o número de alunos por turma, não forneceu horas para o desempenho de cargos e programou a saída de muitos por mútuo acordo. E mais: não agitaram o espantalho do desemprego quando colégios despediram centenas e centenas de professores mais antigos e sobrecarregaram os restantes e os novos com horário letivo de 25 horas (de 60 minutos), podendo a totalidade de horas semanais perfazer o número de trinta. 
Por fim, não é este o momento para o debate sobre a liberdade de escolha de escola, por mais que Marcelo ou o Patriarca o queiram. Primeiro, o Governo tem de arrumar a casa, consolidar a malha associal, insuflar novo ânimo na economia e no tecido empresarial e cumprir as suas obrigações prioritárias em educação, saúde, segurança social, defesa e segurança, equilíbrio de contas e contenção da dívida. Por outro lado, quem se sente com direitos manifeste as suas pretensões, mas não manipule os alunos e os professores com o espectro do encerramento intempestivo de escolas, não conclusão de cursos, despedimentos. E já pensaram que sucederia se pegasse a moda do encerramento intempestivo de escolas privadas, como sucedeu em casos pontuais (soube dalguns)? O Estado arcaria com as consequências.
A subsidiariedade não consiste principalmente na atribuição de subsídios, mas em promover que os diversos agentes e instituições façam tudo o que podem e devem fazer, vindo o Estado a fazer o que eles não podem ou não sabem. Mas isto implica a criação da igualdade de oportunidades rumo ao sucesso e a inclusão – e não o fazer de negócio com bens fundamentais.

2016.0.14 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário