Parece
que não temos mais alternativa que não seja oscilar entre o “otimismo crónico
por vezes irritante” de António Costa (assim o caraterizou Marcelo Rebelo de Sousa) – alegadamente
fruto de aposta de Costa no professor sobre classificação académica no tempo em
que o ora Primeiro-Ministro era estudante e aluno de Rebelo de Sousa na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa – e o inefável “realismo
irritante” de Passos Coelho, o pretenso modo como os outros o caraterizam,
segundo o que próprio enunciou.
A
este respeito, será redundante anotar que o “otimismo agudo” que Passos Coelho
revelou ao tomar conta da governação do país, em 2011, que lhe permitia estar à
vontade governando com o FMI ou ir além da troika, não por esta, mas “por nós”,
fundava-se no “realismo irritante” com que o então novel Primeiro-Ministro
encarava o exercício governativo do antecessor. Terá sido um realismo tão
eloquente que o levou a provocar eleições antecipadas para, segundo as
más-línguas, não ter de as sofrer dentro do seu partido. Poderíamos, de outro
modo, entender que o líder do PSD, que secundou a viabilização de um PEC do
XVIII Governo, com aumento de impostos, em maio de 2010, servindo
metaforicamente de par na dança do tango com José Sócrates (atitude de que veio a pedir desculpa aos
portugueses por ter rompido a promessa de não viabilizar nenhum aumento de
impostos), se limitou a corresponder ao repto do então Presidente Cavaco, que no
seu discurso de posse para o exercício do segundo mandato presidencial apelou
ao sobressalto democrático. Tal resposta consistiu na não aprovação do PEC 4,
facto político que levou à demissão do XVIII Governo e, consequentemente, à
dissolução da Assembleia da República e marcação de eleições legislativas
antecipadas.
***
Conversados
que ficamos sobre o otimismo dos governantes, para eleitor português consumir,
mas mascarando o pessimismo que a governação traz ao quotidiano dos órgãos de
soberania e dos analistas (e
não vale a pena o professor Marcelo lamentar-se, que a especulação é uma
tentação recorrente, a que ele próprio não escapou tantas vezes), é
tempo de passar a comentar “os 17 erros capitais de António Costa”,
segundo Passos Coelho.
Não
sei se aquelas pessoas que trazem para a apreciação política elementos da religião
e da moral sabem, de facto, do que estão a falar no atinente a esses campos de
que pretendem importar categorias classificativas.
A
propósito da governança de Guterres, um bispo bem conhecido na praça pública
declarara que o Governo tinha apenas cometido uns pecados veniais, obviamente
em comparação com os governos de Cavaco Silva. Mas esse mesmo bispo,
entrevistado no programa televisivo “Parabéns”, de Herman José também se
referiu de forma deselegante ao conteúdo dum almoço que o então
Primeiro-Ministro e líder do PSD lhe oferecera (arroz de tomate com jaquinzinhos – achando disparatado o facto de o
anfitrião lhe perguntar se queria um digestivo); e, quando o
apresentador do programa insinuava que também os bispos tinham pecados, limitou-se
a perguntar “quem os não tem”, podendo ter aproveitado para distinguir entre
tentação (a que todos estamos
sujeitos, incluindo Cristo) e pecado, em que incorre quem quer, por maldade
ou por fraqueza. Ora, Cristo foi tentado, mas não pecou.
Passos
Coelho importou os 17 erros capitais da governação de Costa do elenco dos sete
pecados ou vícios capitais enunciados pelo cristianismo: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Estes são
considerados “capitais” ou “mortais”, porque vêm à cabeça e são origem de todos
os outros, ou seja, comandam o aparecimento dos demais e eram a morte “espiritual”.
São sete e não menos nem mais, apenas por uma razão simbólica: sete é o número
da perfeição, somando os quatro atributos típicos do homem e os três referentes
a Deus. Assim é que se enumeram quatro virtudes humanas, típicas do homem de
caráter (prudência, justiça,
fortaleza, temperança) – também chamadas “cardeais”, porque as demais
gravitam em torno destas, e depois as três virtudes teologais (fé, esperança e caridade) com
origem em Deus e com referência a Deus, mas com repercussão na relação com o
próximo e com a comunidade. E Cristo manda que se perdoe não até 7 vezes, mas
70 vezes sete (isto
é, sempre). Ora, se o número sete é simbolicamente perfeito no caso da virtude,
também o há de ser no caso da falta de virtude, no vício. No entanto, contra os
sete vícios ou inclinações para o mal, que podem levar ao pecado (que é sempre obra da vontade, porque, a não o
ser, não é pecado, embora possa ser mal ou erro), enunciam-se sete
virtudes: humildade, liberalidade,
castidade, paciência, caridade e diligência.
Só
peço que não se confunda nunca liberalidade (generosidade) com liberalismo, castidade (autorregulação, moderação)
com aniquilação de sentimos e energias, paciência (capacidade de sintonizar com o outro e
entregar-se por ele) com resignação, e caridade (solidariedade à semelhança da de Deus, espontânea
e estruturante) com caridadezinha a substituir a justiça, autossatisfazendo
o prestador e criando dependências no próximo, a quem se devem 7 obras de
misericórdia corporais e 7 obras de misericórdia espirituais (aliás tudo o que
se possa fazer por ele)!
***
Passos
Coelho pode ter as suas razões e fundamentos para traçar um cenário nigérrimo
dos primeiros 6 meses de governação socialista, questionar os números do
Governo e criticar as políticas e falar em declínio da nossa democracia. Tem
esse direito, se é isso o que efetivamente pensa e sente, mas não apenas se o
faz para regressar à direção executiva do poder soberano. Além disso, deve
enunciar as consequências de forma clara e, sobretudo, contrapor aos preditos
17 erros capitais as 17 virtudes correspondentes. É que o problema não se
resolve apenas com a crítica ou com a injeção ou não de mais Estado na
sociedade e na economia, com o emagrecimento das gorduras do Estado ou com a
entrega de serviços públicos aos privados e com as parcerias. Será que o cenário
traçado por Passos configura erros capitais, ou seja, estarão na origem dos demais
erros? E, a ser verdade, quanto e quais são os erros derivados?
O
ex-Primeiro-Ministro denuncia como seis erros capitais: o parco crescimento económico do país;
a queda do investimento privado;
a redução das exportações;
a deterioração do saldo externo do
país; a destruição de 62
mil postos de trabalho entre o final de 2015 e o 1.º trimestre de
2016; e o aumento das taxas de juro das
obrigações portuguesas, que deixaram o país “mais perto daqueles de
quem se pretendia distanciar, como é o caso da Grécia”. E isto sintetiza-se na
“deterioração dos principais indicadores económicos”, que Passos diz que vem
logo à cabeça.
Quero dizer
que não se trata de erros capitais, mas de elementos negativos de caraterização
da situação do país. Era preciso que ex-governante e agora analista dissesse
qual a causa inequívoca disto – interna e/ou externa – e as consequências desta
situação a curto, a médio e a longo prazo. Caso contrário, estamos perante o
fenómeno e retórica política adequada a quem incumbe o esforço de oposição, já que
detém o respetivo estatuto.
Vem, a
seguir, mais uma “tranche” de cinco erros capitais, com a indicação do vício
original e com as consequências: as reversões feitas nos transportes urbanos de Lisboa e do Porto, com
a consequente permanência da instabilidade gerada pelo abuso no exercício do
direito à greve e regresso “às necessidades de dispêndio público exagerado”; a
reversão a 50% da privatização da TAP,
com o Governo a atirar “pela janela” os esforços de “20 anos” para resolver o
problema da companhia (Queriam mesmo resolver o problema a sério?); as alterações
à Lei do Arrendamento; a reestruturação
do setor das águas; e a reposição dos feriados.
Como causas desta situação, que Passos está no seu direito de considerar
como erros (não sei é se são capitais), apresentam-se: o
“capricho político” e a política de
devolução de rendimentos que o líder socialdemocrata considera errada. E, como
consequências, teremos o abuso do exercício do direito à greve e a necessidade
de maior e excessivo dispêndio público, já referidos, bem como o risco da “evolução
da produtividade” e da “competitividade” na economia”.
Vêm depois
os outros seis: a contrarreforma do IRC
(que põe “em
causa as expectativas dos investidores”); a “desastrada reposição das 35 horas” na
administração pública (diga-se, em abono da verdade, que o aumento de 5 horas
semanais de trabalho representou mais um corte de 15% do salário a juntar aos
demais cortes salariais e subsídios); a
“subversão dos mecanismos de seleção e recrutamento dos dirigentes da Administração
Pública” (com o enchimento da
Administração Pública de boys socialistas); “o fim
anunciado dos programas Descentralizar
e Aproximar, o que suscita
incerteza e gera desconfiança para o futuro”; as reversões feitas na Educação e na Saúde; e a deterioração da relação com
Europa.
Passos
Coelho coloca como pano de fundo originário destes erros, para lá do capricho,
que soa a pouco, a política assente no “taticismo” e na “manipulação
intelectual”. Como tática, Costa apresenta-se, segundo Passos, “com a bandeira
do diálogo e da concertação numa mão” e com a outra a “calar os críticos e
mascarar a realidade”. Assim, “no Parlamento, a arquitetura engendrada pela
maioria resulta sistematicamente no chumbo de propostas apresentadas pelo PSD e
também pelo CDS”. E, como sequelas, resultam, segundo Passos: o declínio
social, económico e político e a degradação das “condições democráticas” da
vida política portuguesa.
***
O
ex-Primeiro-Ministro disse muitas coisas, mas nada que seja exclusivo desta
governação, quer se trate do rompimento com políticas anteriores, enxameamento
de boys partidários, quer seja se
trate de inovação a meio de reformas em curso. Nem esta maioria parlamentar se
tem revelado mais frágil que a maioria anterior (ainda há quem tenha memória dos
episódios da XII legislatura), se bem
que diferente (e mais oscilante) da maioria
sustentada num só partido. Porém, torna-se escandaloso, contra os interesses
nacionais, esta supina tentativa de incondicionalmente ajoelhar ante as
exigências europeias e as suas ameaças de penalização, bem como de aceitar o
adiamento de sanções a ver o que se passará com as eleições em Espanha.
Ora, se os
portugueses não têm perante o diretório europeu uma posição concertada, como é
que pretenderão concitar o apoio de outros países?
Quanto ao
mais, só com forte abanão, sairemos do mecanismo sociopolítico de o Governo
vigente lançar culpas para o anterior e a oposição fazer julgamentos negativos
sobre o Governo em funções.
2016.05.25 – Louro de Carvalho
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