“Mãe”
é nome misterioso de ser misterioso. À mãe está ligado o fenómeno mais
maravilhoso de que o ser humano pode fruir – a vida. Vida no começo, vida no desenvolvimento,
vida no termo, vida depois da vida.
Fazendo
a conveniente digressão por algumas línguas, topa-se a palavra portuguesa “mãe”
(na
linguagem familiar infanto-juvenil, “mamã” e, no português do Brasil, “mamãe”) correspondida noutras línguas por
termos como mater (no
latim), méter (no grego), madre (no espanhol), madre e mamma (no
italiano) e mère (no francês). E, em línguas, não latinas,
temos: mother (no
inglês), Mutter (no
alemão), Mamadi ou Mami (nalgumas línguas indianas), MaTb,
pronunciado mat’ (no russo) e mǔ
qīn (no mandarim, no chinês).
Tal amostragem remete-nos para a fonia específica da ternura amorosa.
O inefável som nasal consonântico contamina as vogais das palavras que chamam
pela mãe e que os filhos e filhas balbuciam ou proferem claramente.
Mãe significa e faz procurar e sentir o beijo, o carinho, a
carícia, a festinha. Serve para exprimir o choro e o pranto, o sorriso e a alegria,
a dor e a tristeza, o enlevo e a euforia, o à vontade e a proteção. E, na forma
ternurenta de mamã (mama grande), evoca o calor
da intimidade, o contacto alimentício como o seio materno que, na fórmula de “leite
materno”, figura como a matriz modeladora do caráter daquele ou daquela que se alimentou
aos peitos da progenitora (genitrix). Mais: chamar pela mãe equivale a clamar pelo colo mais
terno, fagueiro, caloroso e abrigado, sem profanação.
A mãe constrói a vida a partir do exterior com intimidade,
conjugado com o interior vivo – uma construção tantas vezes em continuidade
solitária. Concebe, faz a gestação, alimentando e esperando; prepara entre
alegrias e temores, o advento de um novo ser autónomo, embora dependente dos seus
cuidados e de quem a ajude em família. A mãe é a matriz em que se concebe e
modela a vida, e é modelo. Porque gera, ela era entre os romanos a genitrix. Porque ela dá à luz, era a puerpera e é a parturiente. Como era a
familiar mais que próxima, era a parens.
Como alimenta nos primeiros tempos e provê aos alimentos corporais e
espirituais, é a nutrix. Mas é também
educadora, apoio e arrimo ao longo de toda a vida. Fraco ou forte, rico ou
pobre, prestigiado ou anónimo, o filho que não perca o tino da vida, precisa
sempre da mãe. Aquele que é livre sabe (quer
dizer: conhece e sente) que foi a mãe a grande educadora para liberdade e para a
responsabilidade perante a consciência.
***
Biologicamente, ser mãe é a caraterística específica do
ser feminino, expressa na capacidade de gerar em seu ventre um novo ser vivo. Não
obstante, todos sabemos que os conceitos de mãe e de maternidade ultrapassam as
malhas da biologia e da fisicidade. Ser mãe é entregar-se sem conta, peso e
medida, é padecer no paraíso da vida. Por isso, a maternidade realiza-se também
na alimentação da criança e do adolescente, na sua educação e amparo. E isso
realiza-se na maternidade biológica, na maternidade adotiva, na maternidade de
entrega em religião, em educação, em saúde e em prestação social.
Ora, se a ventura da maternidade é indizível, também são
enormes as responsabilidades da mãe. Por isso, ela recebe uma preciosa ajuda da
mãe natureza através do denominado instinto materno. Este insondável instinto
leva a mãe a entregar-se pelo e para o filho em circunstâncias e riscos que seriam
impensáveis em contextos não atinentes à maternidade.
Porém, não podemos esquecer que muitas mulheres, que não
são mães no campo biológico por opção sublimada que as leva à entrega sem
reservas e sem medida, são verdadeiramente mães nas indispensáveis funções de apoio
pessoal e social a tanta gente que precisa. É a expressão viva do espírito da
maternidade, em que também o instinto dá ajuda preciosa à inteligência e à vontade.
Ser mãe também significa a sobrevivência da espécie humana, a
continuidade da vida, a expressão pujante do fulgor do viver, a luta pela
dignidade.
A maternidade é o modo de a mulher se evolver carinhosa e vitalmente de
modo efetivo e definitivo com seus filhos e/ou filhas gerados fisicamente ou
assumidos socialmente a fim de lhes proporcionar as condições adequadas de
sobrevivência e bem-estar, além da oferta educativa e da generosa preparação
para a vida adulta.
O sábio sente que a mãe é fonte que dá vida (neste sentido,
aproxima-se da função do Espírito Santo, dominum
et vivificantem), a mãe é a floresta em cujo coração se alapou um segredo
tão antigo como as montanhas, segredo de renovação diária. E, como a natureza se
renova-se a cada dia, a mãe levanta-se no início de cada dia mais perfeita,
mais bela, mais mãe. Mãe é o ser
inteligente e voluntarioso que se deixa levar pela intuição, pela força da
vontade e pelo pulsar do coração
***
Por isso, hoje, dia um de maio, o Bispo do Porto agradeceu às mães presentes
na bênção das pastas dos finalistas das academias portuenses e declarou com o
poder da sua palavra que a mãe tem um rosto que não envelhece, marca a memória
em qualquer momento da vida e nunca morre. Tem razão o prelado da cidade da
Virgem, porque a mãe é projeto de vida em desenvolvimento e ação, é rosto de
mistério, é espelho do coração de Deus.
Quando Dom António Francisco rezou pelas mães à Mãe cuja imagem peregrina
de Fátima percorrera a diocese e que recebia ali, na avenida dos Aliados, os olhares
de tantos e tantas e o preito da devoção compromissiva para mais vida, fez a ponte
para os desafios que hoje se levantam aos jovens em termos sociais e profissionais.
Disse-lhes que têm eles, enquanto “herdeiros do amanhã”, o direito de esperar
um mundo justo e solidário, bem como o dever de trabalhar pela construção desse
mundo melhor. E pediu-lhes que não desistam do sonho e não abdiquem do dever da
construção do mundo justo e solidário.
Ora, se as mães, levadas pelo instinto materno, se deixarem contaminar
pelo espírito materno e forem persistentes no rumo, teremos criadas as
condições para a consecução do mundo melhor, que será mais justo e mais solidário,
onde todos desfrutem da terra, do teto e do trabalho.
Porém, é também imperioso que os decisores políticos e económicos se
vinculem ao profundo espírito materno que as mulheres acalentam, desenvolvem e
partilham. Não é pensável que os desmandos do mundo continuem a atraiçoar o
verdadeiro sentido do mistério materno, fomentando, em torno da soberba, da
avareza e da inveja, o conflito, a ganância e o espezinhamento das mulheres e
das crianças.
2016.05.01 –
Louro de Carvalho
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