quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Luta de rua pela ação climática deveria ser menos incongruente

 

A urgência de descarbonizar e de renunciar aos combustíveis de origem fóssil, tal como a necessidade de eliminar todo o tipo de poluição, de utilizar, em grande escala, as energias renováveis e tratar os resíduos sólidos de acordo com a trilogia reduzir, reutilizar e reciclar, são reconhecidas por todas as pessoas de boa vontade, universo em que se incluem alguns decisores políticos e algumas empresas.

Na verdade, os oceanos glaciares estão em degelo, o nível das águas está a crescer, os solos, os mares, os oceanos e o ar estão atulhados de elementos poluidores, a emissão de gases com efeito de estufa não para e o aquecimento global crescente é um facto incontornável.

É, pois, necessário, criar uma forte sensibilização nas populações, nos decisores políticos e económicos que leve à ação imediata e a médio prazo para a defesa do planeta.

No entanto, submeter países ao juízo dos tribunais, incluindo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), por inação climática, não passa de mero simbolismo. É difícil apurar culpa coletiva, o processo é moroso e uma eventual condenação terá pouco significado prático.  

A luta de rua, para ser eficaz, não pode molestar pessoas e instituições a esmo. Se os decisores políticos forem radicais, terão a população contra si e contra as medidas tomadas. Os decisores económicos não podem ser julgados por erros e abusos cometidos no passado, sobretudo se encetaram um caminho de reconversão das empresas. E mudar, a curto prazo, de estratégia empresarial, em termos de generalização, só não resolve o problema, como levaria à paragem da vida, no modo como os países se habituaram a fruí-la.

Seria, pois, importante identificar os verdadeiros interesses instalados e cercá-los de forma que eles sentissem a urgência da desinstalação a médio prazo. Porém, falta coragem para tanto. É mais fácil protestar na rua e nas faculdades, atirar tinta a governantes, pintar edifícios públicos, deitar-se ao chão ou agarrar-se às paredes, pintar aviões, parar escolas, bloquear estradas, etc.          

Ora, ações que representam ofensa às pessoas, perturbação grave da via pública e danificação de património são contraproducentes. E utilizar, nos protestos, materiais poluentes e de origem fóssil revela incoerência e inconsequência.

Tudo isto se opõe àquilo que devia ser feito na linha sadia da congruência.     

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Ativistas do grupo Climáximo pintaram, a 3 de dezembro, em Lisboa, a fachada do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), propriedade da Eletricidade de Portugal (EDP), em protesto contra a atividade do grupo empresarial na crise climática e contra o uso da sua fundação para “lavar a imagem”. Segundo um comunicado do grupo, duas pessoas terão sido detidas após escreverem na fachada e cobrirem de tinta vermelha a escadaria do MAAT. Porém, o Comando Metropolitano de Lisboa da Polícia de Segurança Pública (PSP) referia que a situação estava em análise e que os jovens foram identificados, aguardavam se há queixa para formalizar a detenção.

O grupo Climáximo acusa a EDP de ser um dos maiores importadores de combustíveis fósseis para produzir energia em Portugal e considera-a “diretamente culpada pelas mortes e destruição que advêm da crise climática”, condenando a população a “catástrofes a curto e longo prazo”.

“Estão ativamente a lucrar com a crise climática e do custo de vida, enquanto lavam a sua imagem com instituições, como a fundação EDP, ou [com] metas de descarbonização a décadas de distância. Sabemos que as crises que causaram estão presentes, hoje e agora, na vida das pessoas, por isso, não podemos consentir com a sua normalidade”, referiu a porta-voz da ação.

Para estes ativistas é necessária a criação de um “plano de paz”, com vista a uma transição justa para os trabalhadores das indústrias poluentes e à garantia de direitos dos Portugueses.

O grupo Climáximo lembrava que já interviera em protesto na Conferência da Eurogas, a 28 de novembro, e na Portugal Renewable Energy Summit, no dia 29, e assinalava a marcação, em conjunto com outras organizações, de uma manifestação para a resistência climática, no dia 9 de dezembro às 14 horas, no Saldanha, em Lisboa.

A EDP repudiou a ação do movimento de ativistas ambientais, que despejou tinta, no edifício, em protesto contra a empresa. “Partilhando das preocupações relativas aos desafios climáticos, a EDP repudia, porém, quaisquer atos de vandalismo”, refere em comunicado.

Para a empresa, “o debate sobre a ação climática deve ser conduzido de forma construtiva, com a participação de todos – empresas, governos, cidadãos e associações –, procurando-se sempre as melhores soluções para um planeta mais sustentável”. Nesse sentido, a EDP diz integrar “este esforço coletivo”, tendo iniciado, “há várias décadas, uma transição para fontes limpas de energia”, que representam, atualmente, 80% da sua energia a partir de tecnologias renováveis. E diz estar “a investir 25 mil milhões de euros na transição energética, até 2026”, ter fechado, “em 2021, a sua central a carvão, em Portugal”, e ter, recentemente, anunciado “a transformação das restantes (em Espanha e no Brasil), com o objetivo de encerrar o uso de carvão até 2025”.

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Na manhã de 6 de dezembro, jovens ativistas, do Climáximo, entraram no Aeródromo de Cascais, em Tires, para uma ação de protesto. Além de pintarem um jato privado, bloquearam-no com os próprios corpos.​​​​​ Acorrentaram-se às rodas do aparelho, em protesto contra as emissões de gases com efeito de estufa dos voos de luxo, como anunciou o grupo. Seis acabaram detidos, segundo declarou à TSF a porta-voz do movimento, Leonor Canadas.

Em comunicado, o movimento refere que uma viagem num jato privado entre Londres e Nova Iorque “emite mais CO2 [dióxido de carbono] do que uma família portuguesa num ano inteiro”.

“Estar aqui corta mais emissões do que qualquer escolha individual. Os donos do Mundo culpam pessoas normais, de forma ingrata, pelos seus hábitos, quando, na realidade, esta é de longe a forma de transporte com mais emissões per capita, e é usada, quase exclusivamente, por ultrarricos”, afirma Noah Zino, do Climáximo, citado no comunicado.

Conforme escrevem nas redes sociais, os ativistas sustentam que os “jatos privados são armas de destruição, não têm lugar numa sociedade em chamas”. Por isso, defendem ser necessário “combater as injustiças da crise climática” pelas “próprias mãos, quando todas as negociações resultam em falhanços”. Para estes ativistas, “cortar emissões de luxo e voos supérfluos”, como os “dos jatos privados”, tal como os “voos de curta distância”, faz “parte das soluções imediatas para travar a crise climática e construir a paz”.

Fonte da esquadra da PSP de São Domingos de Rana, freguesia onde se insere o aeródromo, disse à Lusa que alguns dos seus elementos foram para o local.

No comunicado, o Climáximo lembra: “A ONU [Organização das Nações Unidas] afirma que o 1% tem de cortar mais de 97% das suas emissões, mas os voos duplicaram no ano passado”.

“Só a poluição da queima de combustíveis fósseis já mata, todos os anos, mais pessoas do que os campos de concentração”, refere o movimento, que acusa os líderes mundiais se deslocarem “de jato privado aos Emirados Árabes Unidos para negociações climáticas”, considerando que “pintam uma imagem da realidade tão nítida como a tinta vermelha que os denuncia”.

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Há, no entanto, nesta luta de rua, várias inconsistências. Desde logo, usar tintas contra edifícios, aeronaves e roupas é não pensar que é preciso lavar depois, gastando de água desnecessariamente, e recuperar o estrago com o uso de químicos, o que não é nada bom para o ambiente.

O Climáximo, para ter credibilidade, tem de abordar a causa de forma rigorosa. Para lá da queima dos combustíveis fósseis, a outra grande fonte de gases com efeito de estufa é a mudança do uso da terra. Por exemplo, é preciso travar a desflorestação de que resulta a criação de mais área de pastagem e de mais cultura de soja para alimentar uma pecuária que não para de crescer desmesuradamente. A principal urgência é a diminuição do sobreconsumo de proteína animal, especialmente de carne. Enquanto não conseguirem ver isso, os protestos claudicarão. Portugal, em poucas décadas, tornou-se num dos maiores consumidores de carne per capita. Há, pois, que ir ao cerne dos problemas e não perder tempo a pintar jatos. Rebelem-se contra as subvenções públicas da pecuária que nos mata. Exijam que os nossos impostos canalizados para a Política Agrícola Comum (PAC) sejam usados para financiar a produção sustentável de vegetais.

Entretanto, barafustam, mas usam produtos derivados do petróleo nos protestos e nas deslocações. Ou vão a pé? Juntem o dinheiro que gastam a comprar lenha para aquecimento de famílias pobres!

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Por fim, dá para pensar como é que o Ministério Público, tão atento aos supostos crimes de políticos, não se dispõe a inquirir estes ativistas, por desrespeito a figuras públicas e por atendado contra o património público e privado. A liberdade de expressão, de associação e de manifestação não justifica tudo!

2023.12.07 – Louro de Carvalho

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