segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

A espera da vinda do Senhor postula a vigilância e a celebração da fé

No primeiro domingo do Advento no Ano B (Marcos é o evangelista do ano), os crentes são confrontados com a certeza de que o Senhor virá, não só pelo Natal, que celebra o nascimento do Jesus histórico e que devemos acolher na vida, mas também no fim dos tempos.

A Liturgia sugere indicações acerca do modo como devemos esperar o Senhor. Os Ressuscitados anunciam a morte do Senhor e proclamam a sua ressurreição, até que Ele venha. Este é o núcleo central da Eucaristia que é sacrifício incruento de Cristo, convívio/banquete de irmãos em comunhão, antecipação da festa celestial e compromisso com a vida de todos.

Isto implica a escuta da Palavra de Deus, a oração e a vigilância contra os inimigos do bem, inimigos cuja maior parte está dentro de cada um de nós e nas estruturas sociais de pecado que os interesses mesquinhos erigiram.      

A primeira leitura (Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7) é um dramático apelo-oração a Deus que é pai e redentor, no sentido de vir, mais uma vez, ao encontro de Israel para o libertar do pecado e para recriar um Povo de coração novo. O profeta está convicto de que Deus é amor e misericórdia, atributos que garantem a intervenção salvadora de Deus em cada passo nossa caminhada histórica.

O trecho do Tritoisaías (capítulos 56-66 de Isaías) ora proclamado situa-nos em Jerusalém, a seguir ao Exílio (anos 537/520 a.C.). As pedras calcinadas lembram os dramas passados, a população é diminuta, a reconstrução é lenta, os retornados são pobres e os inimigos espreitam. Há desânimo e medo, de que resulta a indiferença, face a Javé e à Aliança. O culto é pouco cuidado e Deus ocupa lugar secundário no coração do Povo.

Os profetas tentam acordar a esperança num futuro de vida e de salvação. Jerusalém voltará a ser a cidade bela e harmoniosa, o local onde Deus habita no meio do Povo. Porém, o Povo tem de voltar às vias da Aliança, da justiça, do amor, da fidelidade a Javé.

Este texto é parte da perícopa que vai de Is 63,7 a 64,11. Os seus versículos misturam elementos de súplica com elementos de confissão dos pecados. A situação é de desgraça. O Povo dirige-se ao Deus da História a pedir-Lhe que intervenha para salvar. E, porque a desgraça é considerada castigo pelos pecados, o Povo confessa a culpa e pede perdão.

No trecho em forma de oração, Deus é invocado como pai e como redentor. O título “pai” (herdado das culturas cananeias, onde o deus principal do panteão é pai, enquanto protege e exerce o senhorio) resulta da ação protetora e salvadora de Deus em favor do seu Povo, ao longo da História. O título “redentor” (“goel”) é, no antigo direito israelita, reservado ao parente próximo, a quem incumbe o dever de defender os seus, de manter o património familiar, de libertar um familiar caído na escravidão, de proteger uma viúva ou de vingar um parente assassinado.

O uso destes títulos lembra a Deus as suas responsabilidades como protetor, defensor e salvador do seu Povo. Assim, o profeta pretende que Deus – pai e redentor de Israel – não deixe o Povo endurecer o coração e afastar-se dos caminhos da Aliança. É uma invocação dramática, com o objetivo forçar a intervenção libertadora de Deus. O problema é que a geração presente não reconhece culpa alguma e vive instalada no pecado, na infidelidade, na injustiça, na indiferença, face a Deus e ao seu desígnio. Contudo, o profeta, convicto de que é possível inverter a situação e criar nova dinâmica, está cônscio de que o Povo, por si, é incapaz de sair da rotina de rebeldia e de infidelidade em que tem vivido. Por isso, Deus tem de assumir as suas responsabilidades de Pai e de redentor e de Se dignar “descer” para transformar o coração do seu Povo.

Na verdade, Javé já Se manifestou mil vezes na História, oferecendo sempre a salvação ao seu Povo. Israel tem consciência dessa atuação de Deus e é essa memória histórica que fundamenta a esperança: se Deus sempre foi o pai e o redentor, voltará a sê-lo na dramática situação atual.

O texto termina com a imagem do oleiro, aludindo à criação, na ótica javista. Deus é o oleiro e o Povo é o barro que Deus modela com amor e cuidado. A imagem define o poder e o senhorio de Deus de modelar o seu Povo como Lhe apraz e alude ao que o profeta espera de Deus: uma nova criação. A imagem leva-nos a Gn 2,7 e à criação do homem do barro da terra. O profeta sugere que a intervenção de Deus no sentido de mudar o coração do seu Povo, fazendo que ele deixe as vias do egoísmo e da autossuficiência e volte aos caminhos de Deus e da Aliança, é uma nova criação, de qual nascerá uma humanidade nova, o vem a acontecer em pleno com Cristo.

O pano de fundo do texto é um Povo de coração endurecido, que prescindiu de Deus e deixou de se preocupar em viver, de forma coerente, os compromissos assumidos no âmbito da Aliança. É um quadro que reflete a realidade em que vivemos, no século XXI. E a Palavra de Deus, que devemos escutar e fazer nossa, convida-nos a reconhecer que só Deus é fonte de salvação e de redenção. Por nós, somos incapazes de superar a rotina da indiferença, da violência e da mentira que, tantas vezes, emoldura o quadro de vida em que nos movemos. Deus, Pai e redentor, é fiel às suas obrigações de amor e de justiça e está disposto a dar-nos, gratuita e incondicionalmente, a salvação. A nós, resta-nos acolher o dom de Deus com humildade e de coração agradecido. A ação de Deus, o seu papel de redentor concretiza-se através de Jesus e das propostas que Ele faz aos homens. Neste Advento, estaremos dispostos a acolher Jesus e a abraçar as suas propostas?

***

O Evangelho (Mc 13,33-37) convida os discípulos a enfrentar a História com determinação e esperança, animados pela certeza de que “o Senhor vem”, e sugere que o tempo de espera seja tempo de vigilância, isto é, tempo de compromisso ativo e efetivo com a construção do Reino.

O trecho em causa situa-nos em Jerusalém, antes da Paixão e Morte de Jesus. É o terceiro dia da estada de Jesus em Jerusalém, o dia dos ensinamentos e das polémicas radicais com os líderes judaicos. No final do dia, no Jardim das Oliveiras, Jesus faz a um grupo de discípulos (Pedro, Tiago, João e André) o “discurso escatológico”.

Este discurso, apresentado em difícil linguagem profético-apocalíptica, descreve a missão da comunidade cristã no período que vai da morte de Jesus ao final da história humana. Emprega imagens e alusões enigmáticas, ao jeito do género literário “apocalipse”. Não será tanto uma previsão de acontecimentos concretos, mas antes uma leitura profética da História humana, para dar indicações sobre a atitude a tomar, face às vicissitudes da caminhada da comunidade até à vinda final de Jesus, para instaurar o novo céu e a nova terra.

Os quatro discípulos indicados no início do “discurso escatológico” representam a comunidade cristã de todos os tempos e lugares, pois são os primeiros discípulos chamados por Jesus, pelo que se convertem em representantes de todos os futuros discípulos. O discurso escatológico não foi uma mensagem destinada a um grupo especial, mas destinada a toda a comunidade crente, chamada a caminhar na História com o olhar posto no encontro final com Jesus e com o Pai.

O discurso escatológico divide-se em três partes, antecedidas de introdução. A primeira alude aos movimentos que marcarão a História e que requerem dos discípulos a atitude adequada: vigilância e lucidez; a segunda anuncia a vinda definitiva do Filho do Homem e o nascimento de um mundo novo a partir das ruínas do mundo velho; e a terceira refere a incerteza quanto ao tempo histórico desses eventos e insiste com os discípulos para que estejam sempre vigilantes e preparados para acolher o Senhor que vem.

O trecho em referência, integrado na terceira parte, refere-se ao final dos tempos e à atitude que os discípulos devem ter, face ao encontro definitivo com Jesus. O objetivo não é dar informação objetiva acerca do “como” e do “quando”, mas formar os discípulos e torná-los capazes de enfrentar a História com determinação e esperança.

Começa com a parábola do homem que partiu em viagem, distribuiu tarefas aos servos e mandou ao porteiro que vigiasse, para terminar com a admoestação aos discípulos acerca da atitude correta para esperar o Senhor. Originariamente, a parábola contada por Jesus seria dirigida aos discípulos para lhes recordar o dever de guardar e de fazer frutificar os tesouros do Reino que Jesus lhes confiou antes de partir para o Pai.

O dono da casa da parábola é Jesus. Ao voltar para junto do Pai, confiou aos discípulos a tarefa de construir o Reino de Deus, pelo que os discípulos não podem cruzar os braços em atitude passiva, esperando que o Senhor venha. Têm uma missão – confiada por Jesus – que devem concretizar, mesmo em condições adversas. Já o porteiro, com a tarefa especial de vigilância, na ótica de Marcos, será o que tem especial responsabilidade na coordenação da comunidade, impedindo que a comunidade seja invadida por valores estranhos ao Evangelho e à dinâmica do Reino. A figura do porteiro adequa-se, especialmente, aos responsáveis da Igreja, que têm a missão da vigilância e da animação da comunidade.

O porteiro deve ajudar os outros membros da comunidade a discernir – dos valores que o Mundo e a sociedade sugerem – o que ajuda ou impede de viver na fidelidade ativa a Jesus. Porém, todos – porteiro e demais servos do senhor – devem estar ativos e vigilantes.

A palavra-chave do Evangelho deste dia é esta: vigilância. Contudo, isso não significa, para os discípulos, viver à margem da História, em angelismo alienante, evitando comprometer-se para não se sujar nas realidades e procurando manter a alma pura e sem mancha para que o Senhor, quando chegar, os encontre sem pecado; mas será viver dia a dia comprometido com a construção do Reino, na fidelidade às tarefas que o Senhor lhes confiou. Com coragem e perseverança, os discípulos devem contribuir para a edificação do Reino, como testemunhas e arautos da paz, da justiça, do amor, do perdão, da fraternidade, cumprindo, assim, a missão que Jesus lhes confiou.

De resto, os discípulos que peregrinam pelo Mundo devem estar conscientes de que a meta final é o encontro definitivo com Jesus. “O Senhor vem” – garante-lhes Jesus – e esta certeza deve animar e dar esperança aos discípulos, sobretudo nas marés de crise e confusão, de perseguições e de tentações. E, ainda que tudo pareça ruir à sua volta, são chamados a não perder a esperança e a ver, para lá das estruturas velhas que vão caindo, a realidade do mundo novo a nascer.

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A segunda leitura (1Cor 1,3-9) mostra como Deus Se faz presente na história e na vida da comunidade crente, pelos dons e carismas que derrama sobre o Povo, e sugere aos crentes que se mantenham atentos e vigilantes, para acolherem o dom de Deus.

O trecho em apreço é a ação de graças inicial. Habitualmente, Paulo começa as cartas com uma ação de graças. Nesta, em clima de oração e de louvor, o apóstolo agradece a Deus realidades concretas que fazem parte da vida da comunidade cristã de Corinto e antecipa temas que vai desenvolver na carta. Não é um texto convencional, mas de densidade teológica.

Há dois aspetos que, pelo significado e importância, convém relevar: os dons que a comunidade recebeu de Deus por Jesus Cristo; e a finalidade do chamamento dos Coríntios.

É claro, para Paulo, que a comunidade foi privilegiada com dons de Deus. É a primeira vez que, nos escritos paulinos, aparece a palavra “carismas” a definir os dons que resultam da pura generosidade divina e que são derramados sobre certas pessoas para o bem da comunidade. A comunidade de Corinto é amada por Deus, agraciada com carismas que resultam da generosidade de Deus. É bom que os Coríntios tenham consciência da liberalidade divina e saibam dar graças.

Mais adiante (em 1Cor 12-14), o apóstolo desenvolverá a catequese dos carismas.

Como carismas Paulo menciona a palavra (“lógos”) e o conhecimento (“gnôsis”) como principais componentes da riqueza espiritual que Deus concedeu aos Coríntios. São temas muito importantes na cultura grega, aqui apresentados como dons de Deus. O apóstolo procura, assim, animar a intensa procura de sabedoria dos Coríntios, mas dando-lhe significado e enquadramento cristãos e avisando que a sabedoria de Deus nem sempre coincide com a sabedoria dos homens.

Em segundo lugar, Paulo manifesta a convicção de que os carismas com que Deus cumulou os Coríntios se destinam a construir uma comunidade orientada para Jesus Cristo, capaz de viver, de forma irrepreensível, o seu compromisso com o Evangelho até ao dia do encontro final com Cristo. É para esse objetivo e de comunhão total com Deus que a comunidade, animada por Jesus Cristo e sustentada com os dons de Deus, deve caminhar.

Há, no texto, o apelo implícito à vigilância. O cristão deve estar vigilante e preparado para acolher o Deus que vem ao seu encontro e lhe manifesta o seu amor através dos seus dons. E tem de estar vigilante para que os dons de Deus não sejam desvirtuados e usados para fins egoístas. 

2023.12.03 – Louro de Carvalho 

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