sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Doravante, é preciso concretizar o acordado na COP28

 

A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) considera que o acordo alcançado na 28.ª Cimeira das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP28) ficou aquém do desejável. Todavia, os responsáveis deste organismo católico saúdam o acordo como muito positivo e sustentam que, “mais do que discutir o que poderia ter sido alcançado e não foi, agora é o momento de começarmos a traduzir em decisões e em gestos concretos o que foi acordado”.

“Esse parece-nos ser, aliás, um dos critérios mais certeiros para se poder avaliar a importância que este encontro terá para o futuro que estamos a construir”, afirma a CNJP, em nota à comunicação social, apelando a “todos os cidadãos a que, na medida das suas possibilidades, possam assumir a parte que lhes compete”. Com efeito, é fundamental uma “mudança nos estilos de vida, dando lugar à sobriedade e promovendo o exercício do cuidado da casa comum”, e é indispensável “a resposta articulada ao nível das nações”, que é e “tem de ser exigida por parte de todos os cidadãos”. Porém, essa resposta não é suficiente, pelo que deve ser complementada e incentivada pelo compromisso de cada um”.

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A este respeito, o Papa dirigiu, a 2 de dezembro, aos participantes na COP28 um discurso em que salienta “a urgência da hora que vivemos”, convicto de que “o futuro de todos depende do presente que escolhermos” – uma reflexão a ter em conta no tempo pós-cimeira.

Francisco sustenta que “a devastação da criação é uma ofensa a Deus, um pecado não só pessoal, mas também estrutural que recai sobre os seres humanos, sobretudo os mais débeis, um grave perigo que grava sobre cada um com o risco de desencadear um conflito entre as gerações”. Por seu turno, a mudança climática é “um problema social global que está intimamente ligado à dignidade da vida humana”.

Tais pressupostos levam o Pontífice a perguntar se “estamos a trabalhar para uma cultura da vida ou da morte”, e a pedir, ao invés disso, a escolha da vida e do futuro, a que tem de se associar a escuta dos “gemidos da Terra” e do “grito dos pobres” e a “atenção às esperanças dos jovens e aos sonhos das crianças”.

Considerando que estas alterações climáticas “derivam do sobreaquecimento da terra, causado principalmente pelo aumento na atmosfera dos gases com efeito de estufa, causado, por sua vez, pela atividade humana”, tornada, nas últimas décadas, “insustentável para o ecossistema”, o Papa acusa “a ambição de produzir e de possuir”, que se transformou “em obsessão” e deu em “ganância sem limites, que fez do ambiente o objeto duma exploração desenfreada”. Por isso, “o clima enlouquecido” é alerta para “acabarmos com tal delírio de omnipotência” e para reconhecermos “a nossa limitação”, o que funcionará como “única estrada para uma vida plena”.

O obstáculo a este percurso, no dizer de Francisco, são “as divisões que existem entre nós”. E este “mundo inteiramente conexo” não pode ser tratado, pelos governos, “como se fosse desconexo”, com negociações internacionais que não avançam significativamente, “por causa das posições dos países que privilegiam os seus interesses nacionais sobre o bem comum global”. Posições rígidas, ou mesmo inflexíveis, “tendem a tutelar os lucros pessoais e das próprias empresas”, com base no que outros fizeram no passado, mas “o dever a que hoje estamos chamados tem a ver, não com o ontem, mas com o amanhã”, que “será de todos ou não existirá”.

São injustas e chocantes “as tentativas de descarregar as responsabilidades sobre a multidão dos pobres e sobre o índice dos nascimentos”. E o Papa contrapõe: a culpa não é dos pobres, pois “quase metade do mundo, a mais indigente, só é responsável por 10% das emissões poluidoras”. Ao invés, “os inúmeros desvalidos” é que “são as vítimas do que está a acontecer”. São estes que levam com as consequências da desflorestação, sofrem o “drama da fome”, a “insegurança hídrica e alimentar”, ou se veem coagidos a migrar.

No atinente aos nascimentos, o Papa defende que não são “problema”, mas “recurso”: “não são contra a vida, mas a favor da vida”, ao passo que “certos modelos ideológicos e utilitaristas”, que se impõem “com luvas de veludo”, são “verdadeiras colonizações”. E pede que não se penalize “o progresso de tantos países”, sobrecarregados com “onerosas dívidas económicas”, e se considere “o impacto de umas poucas nações, responsáveis por uma preocupante dívida ecológica para com muitas outras”, sendo justo “encontrar adequadas modalidades de remissão das dívidas financeiras que pesam sobre vários povos”, à luz da dívida ecológica existente para com eles.

A via de saída para a defesa da Casa Comum é, segundo o Pontífice, “a via do caminho em conjunto, o multilateralismo”. Efetivamente, o Mundo está cada vez mais tão multipolar e tão complexo que se requer “um quadro diferente para uma cooperação eficaz”, não bastando “pensar nos equilíbrios de poder”, mas sendo necessário “estabelecer regras universais e eficazes”.

Porém, o aquecimento da terra é acompanhado por “um resfriamento geral do multilateralismo, por uma crescente desconfiança na comunidade internacional, pela perda da comum consciência de ser (…) uma família de nações”. Por isso, “é essencial reconstruir a confiança, fundamento do multilateralismo”, o que vale para o cuidado da criação e para a paz, questões interligadas e urgentes. No entanto, desperdiça-se a Humanidade em várias guerras, que são conflitos que, em vez de resolverem os problemas, os aumentam. Desperdiçam-se inúmeros recursos em armamentos, que “destroem vidas e arruínam a Casa Comum”. E a sugestão papal é: com o dinheiro usado em armas e em outras despesas militares, constituir “um Fundo Mundial, para acabar de vez com a fome” e “realizar atividades que promovam o desenvolvimento sustentável dos países mais pobres, combatendo as mudanças climáticas”.

Por outro lado, as alterações climáticas postulam “uma mudança política”, que ultrapasse os particularismos e os nacionalismos – esquemas do passado –, e “uma visão alternativa, comum”, que permita “uma conversão ecológica”, pois “não há mudanças duradouras sem mudanças culturais”. Neste âmbito, Francisco garante o empenho e o apoio da Igreja Católica, de forma especial na educação, sensibilizando para a participação comum e promovendo estilos corretos de vida, pois a responsabilidade é de todos e de cada um.

Sustentando que “é essencial mudar o passo”, de modo que não se faça “uma modificação parcial da rota”, mas se inaugure “um novo modo de avançar juntos”, o Papa considera que “temos necessidade de relançar o caminho” aberto no Rio de Janeiro, em 1992, e que o Acordo de Paris reiniciou, em 2015. Enfim, é preciso dar um sinal concreto de esperança e que a COP seja um ponto de viragem, com uma vontade política clara e tangível que acelere decisivamente a transição ecológica, através de formas “eficientes, vinculantes e facilmente monitoráveis” realizáveis em quatro campos: “a eficiência energética, as fontes renováveis, a eliminação dos combustíveis fósseis e a educação para estilos de vida menos dependentes destes últimos”.

Vários acordos e compromissos assumidos “tiveram um baixo nível de implementação,” por não se terem estabelecido “adequados mecanismos de controlo, revisão periódica e sanção das violações”. Por isso, diz o Papa, urge não adiar mais, mas implementar (não só desejar) o bem dos filhos, dos cidadãos, dos países, do Mundo. É preciso que os decisores políticos sejam artífices de “uma política que dê respostas concretas e coesas”, comprovando a nobreza da função que desempenham, a dignidade do serviço que prestam, pois “o poder serve para isto: para servir”. A História o reconhecerá e agradecerão as sociedades onde vivemos e “em cujo seio prolifera uma nefasta divisão de ‘claques’: entre catastrofistas e indiferentes, entre ambientalistas radicais e negativistas climáticos”. Com o efeito, o remédio não é a luta parcelar e enviesada, mas “a boa política: se um exemplo de concretização e coesão vier de cima, beneficiará a base, onde muitos, especialmente jovens, já estão empenhados em promover o cuidado da Casa Comum.”

Por fim, o Papa Francisco deseja que o ano de 2024 marque “um ponto de viragem”, sendo de bom auspício um episódio ocorrido em 1224, ano em que Francisco de Assis, já cego, compôs o “Cântico das Criaturas”, após uma noite passada no meio de dores físicas. De espírito aliviado por uma experiência espiritual, louvou “o Altíssimo pelas criaturas que já não via, mas sentia como irmãos e irmãs, porque descendiam do mesmo Pai e partilhavam a existência com os outros homens e mulheres”. E, “inspirado por um sentido de fraternidade, foi capaz de transformar a dor em louvor e o cansaço em empenho”. Um pouco mais tarde, adicionou uma estrofe de louvor a Deus pelos que perdoam, para dirimir – com sucesso, – um litígio entre o governador local e o bispo. E o Papa que transporta nome de Francisco, faz o seu apelo: “Deixemos para trás as divisões e unamos forças”, para, com a ajuda de Deus, sairmos “da noite das guerras e das devastações ambientais”, transformando “o futuro comum numa alvorada de luz”.

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O discurso papal, independentemente das crenças que se adotem, é de ler e reler. A COP28 ficou aquém do desejável, mas tem resultados positivos, que importa não deixar regredir, mas concretizar, de forma irreversível e consolidada. Por outro lado, o discurso, para lá do fundamento bíblico em que se firma, cria uma cimentação profundamente humana das medidas adotadas (que não valem, se forem desconexas ou desgarradas). É a fraternidade que está em jogo entre o egoísmo e a solidariedade, a visão parcelar e a atitude holística, a exploração e a dignidade, o açambarcamento dos recursos e a equanimidade!

Talvez o genuíno espírito do Natal dê uma ajuda à compreensão do que está em causa.

2023.12.22 – Louro de Carvalho

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