quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

COP28 chegou a acordo histórico, mas as dúvidas não se dissiparam

 

A 28.ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), no Dubai, após muitos dias de debate e de negociações (de 30 de novembro a 13 de dezembro – os trabalhados encerraram um dia depois do previsto), aprovou um documento que, pela primeira vez, nestes encontros, menciona todos os combustíveis fósseis como os principais responsáveis pelas alterações climáticas.

Os países reunidos na cimeira aprovaram, por consenso, uma decisão que apela a uma “transição” no sentido de abandonar os combustíveis fósseis. Com efeito, na abertura da sessão plenária de encerramento, os delegados adotaram a decisão preparada pelos Emirados Árabes Unidos (EAU), que mereceu ovação. É uma “decisão histórica para acelerar a ação climática”, afirmou Sultan Al Jaber, presidente da conferência da Organização das Nações Unidas (ONU). “Este é um feito histórico e sem precedentes”, frisou, agradecendo às delegações o “trabalho árduo” efetuado ao longo destes longos dias e, em especial, nas últimas horas, quando os países negociaram até às primeiras horas da manhã, para chegarem a um consenso.

Enfim, a cimeira acordou em iniciar uma transição para o abandono dos combustíveis fósseis, após semanas de intensas negociações em que cerca de 200 países debateram a forma de enfrentar coletivamente a crise climática e acabaram por adotar o “Global Stocktake”, ou seja, o acordo com que pretendem reforçar a ação climática para conter o aumento da temperatura a não mais de um grau e meio acima dos níveis pré-industriais.

O acordo apela aos Estados a que iniciem uma transição para longe dos combustíveis fósseis, “de forma ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, com o objetivo de atingir o objetivo de zero emissões líquidas até 2050, de acordo com a ciência”.

Nesta cimeira, a prioridade foi abrir caminho para o abandono deste tipo de energia para a União Europeia (UE) e para outras economias industrializadas, bem como para os países altamente vulneráveis às alterações climáticas, como é o caso dos países em desenvolvimento.

No entanto, até à sessão plenária, havia incerteza sobre se um acordo que marcasse o fim da era dos combustíveis fósseis seria aceite pelos países ricos em petróleo, como a Arábia Saudita.

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No primeiro esboço, divulgado a 11 de dezembro, o texto da presidência da COP28 deixava cair a principal condição imposta por líderes mundiais, ambientalistas e organismos científicos e diplomáticos, incluindo a própria ONU: o compromisso com o fim gradual da produção e do recurso aos combustíveis fósseis, até 2050. “Ainda temos muito para fazer. […] Temos de chegar a um resultado que respeite a ciência e mantenha o [limite de] 1,5 [graus Celsius] ao nosso alcance”, afirmava o presidente árabe da COP28 no plenário daquele dia.

Na primeira minuta, as delegações chegavam a acordo para reduzir o consumo e a produção de combustíveis fósseis, “de forma justa, ordenada e equitativa”, de modo a atingir a neutralidade carbónica, antes ou por volta de 2050, em conformidade com a ciência, bem como para eliminar, progressivamente “e o mais rapidamente possível”, os subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis que incentivam o “consumo supérfluo”. Porém, embora fosse um passo importante, o acordo não previa um fim gradual do uso aos combustíveis fósseis, até 2050.

A minuta do acordo pedia ainda a redução substancialmente das emissões que não sejam provenientes de dióxido de carbono (CO2), incluindo, em particular, as emissões de metano a nível mundial até 2030 e previa “a redução das emissões provenientes dos transportes rodoviários”, através de uma série de iniciativas, incluindo o desenvolvimento de infraestruturas e a rápida implantação de veículos com emissões nulas ou baixas.

Da parte da UE, Teresa Ribera, ministra espanhola da Transição Ecológica e representante dos governos da UE nas negociações, deixando claro que o primeiro esboço além de “insuficiente” era “inaceitável”, apelava a que as delegações continuassem os esforços nas próximas fases.

Wopke Hoekstra, comissário europeu para a Ação Climática também representante dos 27 na mesa das delegações, considerava “desapontante” o texto, como estava. “Há aspetos bons, mas de forma geral, é insuficiente e desadequado para dar resposta ao problema. Os cientistas são claros sobre o que é necessário e, no topo da lista, está o faseamento gradual dos combustíveis fósseis. Temos de continuar as negociações“, defendeu.

O presidente da COP 26, de Glasgow, em 2021 (quando os países também não foram capazes de se comprometer com um fim faseado dos combustíveis fósseis), recorreu ao X (antigo Twitter) para reagir à primeira versão do texto. “É difícil perceber como é que este texto ajudará a alcançar a redução profunda e rápida das emissões de que necessitamos até 2030, para manter o [objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5 graus Celsius] vivo.”

Por sua vez, a Aliança dos Pequenos Estados Insulares, os principais defensores de um acordo que defina um fim gradual do uso aos combustíveis fósseis, admitiu estar “preocupada” com o estado das negociações, alertando para a “falta de multilateralismo”.

Da parte da associação ambientalista Zero, que marcou presença na COP28, a reação foi de “enorme desilusão e retrocesso“, salientando que o primeiro esboço “falha completamente” os objetivos ligados aos combustíveis fósseis.

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A COP28 arrancou, a 30 de novembro, com objetivos ambiciosos, mas com obstáculos que prometem dificultar as negociações. Até 12 de dezembro, decorreram negociações sobre temas que se arrastam há várias cimeiras: o compromisso para o fim gradual dos combustíveis fósseisa definição de regras e financiamento para fundos climáticos e o acordo para uma redução global do nível de emissões – tudo para que o objetivo de limitar o aquecimento global em 1,5º Celsius até 2050 seja possível.  

Porém, o cenário das discussões era duvidoso. Num ano em que as temperaturas bateram recorde na Europa, o próprio país que se voluntariou para receber a cimeira também parecia ser obstáculo nas negociações. De acordo com a BBCos EAU estavam a planear usar o seu papel de anfitrião como oportunidade para fechar negócios ligados ao petróleo e ao gás com, pelo menos, 15 países, embora o país tenha negado tal intenção. E, ao sexto dia da cimeira, uma coligação ambiental identificou 2.456 lobistas de combustíveis fósseis presentes no Dubai.

Era preciso calendarizar a eliminação progressiva do consumo e produção de combustíveis fósseis até 2050, acompanhado da rápida expansão das energias renováveis, o que só se conseguiria por consenso. Previa-se que UE e os Estados Unidos da América (EUA) manteriam a sua posição em relação ao tema, urgindo que fosse consensual entre as delegações. Para os 27 Estados-membros da UE, isto significa que o carvão deve ser eliminado, o mais tardar, até 2030, o gás fóssil, o mais tardar, até 2035, e o petróleo, o mais tardar, até 2040. Porém o facto de o G20 não ter chegado a acordo em Nova Deli dificultaria as negociações.

O nível de emissões de gases com efeito de estufa (GEE) a nível global não está alinhado com o objetivo de limitar o aquecimento do planeta em 1,5º graus Celsius até 2050, face à era pré-industrial. O caminho parecia promissor, quando em 2020, mercê da pandemia, se assistiu à quebra significativa da libertação destes gases, mas o desconfinamento inverteu a trajetória. Ora, cortar as emissões é fundamental, mas postula ação concertada e abrangente.

Fez-se, agora, pela primeira vez, um “balanço global” das reduções de emissões de GEE. Conhecido como Global Stockstake, é um processo que decorre há cinco anos e que permite aos países e às partes interessadas verificar em que medida estão a fazer progressos coletivos para cumprir os objetivos do Acordo de Paris – e em que medida não estão.

Considerado um marco “histórico” da COP27, em Sharm El-Sheik, no Egito, os líderes mundiais chegaram a acordo para a criação do fundo de Perdas e Danos, que aguardava por uma “luz verde”, há 30 anos. Este mecanismo, financiado pelos países ricos, propõe-se ajudar os mais vulneráveis (a começar pelos países menos desenvolvidos em África e na Ásia e pequenos Estados insulares em desenvolvimento) a enfrentar os efeitos das alterações climáticas.

Na altura, ficou acordado que as economias mais desenvolvidas seriam chamadas a contribuir – e países como a Dinamarca, a Bélgica e a Finlândia mostraram-se logo disponíveis –, tendo-se disponibilizado o Banco Mundial para apoiar a gestão o fundo.

Ao longo dos últimos 11 meses, os governos têm lutado para chegar a consenso sobre os detalhes concretos: quem pagará e com base em que critérios; qual o teto mínimo do fundo; a que mecanismos os países mais ricos podem recorrer para recolher as verbas; se o contributo será obrigatório ou voluntário, e que prazos serão definidos. Porém, o objetivo é que as verbas comecem a ser distribuídas já no próximo ano.

Contudo, na abertura da cimeira deste ano, os EAU e a Alemanha, comprometeram-se a entregar 100 milhões de dólares cada, o Reino Unido avançou com 40 milhões os EUA cederam 17,5 milhões e o Japão acenou com 10 milhões. E a administração do fundo vai preparar uma estratégia de longo prazo para a angariação de fundos e mobilização de recursos, a fim de obter recursos financeiros adicionais, previsíveis e adequados. São admitidas diferentes fontes de financiamento, como doações ou empréstimos de fontes públicas e privadas. O objetivo é uma reposição de fundos a cada quatro anos, mantendo a flexibilidade de receber contributos financeiros em momentos intermédios. A ideia é reforçada por Wopke Hoekstra, o novo comissário da UE para o Clima: “Ainda estamos a analisar os vários elementos e há algumas coisas boas, mas, no geral, é claramente insuficiente e não é adequado para resolver o problema.”

Além do fundo de Perdas e Danos, será fundamental regularizar o fundo destinado à mitigação e à adaptação. Em 2009, os países mais ricos e que beneficiam financeiramente do investimento nos combustíveis fósseis que contribuíram para a crise climática, comprometeram-se a alocar 100 mil milhões de dólares por ano para ajudar os países mais vulneráveis a adaptar e a mitigar os riscos das alterações climáticas, e a investir na transição energética e na redução de emissões de CO2, valor que nunca foi atingido. Em 2020, os países mais ricos conseguiram reunir 83,3 mil milhões de dólares. Fora das negociações oficiais da ONU, os governos a título individual e empresas também fizeram os seus próprios anúncios.

Assim, os EAU – além das alegadas conversas à margem para fechar negócios ligados aos fósseis – tencionam lançar um compromisso voluntário de redução das emissões por parte das empresas petrolíferas e de gás. Há compromissos para reduzir as emissões de metano e limitar o financiamento privado das centrais de carvão. Há iniciativas semelhantes vindas de outros países. Por exemplo, Portugal tem na agenda um conjunto de compromissos. Entre eles, a formalização de acordo entre o governo e o Green Climate Fund. Este fundo, criado no seio da ONU, apresenta-se como “o maior fundo para o clima a nível global”, com a missão de apoiar os países em desenvolvimento na concretização das suas ambições de descarbonização. Paralelamente, está prevista a oficialização da reconversão a dívida de Cabo Verde num fundo de investimento em ambiente, na energia, na água, na reciclagem, de forma a acelerar esta transição, como parte de uma estratégia que deverá ser aplicada aos restantes países da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP).

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Como ficou dito, a minuta do documento final, dada a conhecer a 11 de dezembro, não era muito promissora e o consenso não foi conseguido no dia previsto como términus da COP28. Esse consenso, que levou a não deixar cair as opções consideradas essenciais, face às necessidades detetadas, aos objetivos e à conveniente calendarização resultou no dia seguinte, o que mereceu aplauso, até porque homologou todas as iniciativas delineadas em prol da ação climática. Porém, as associações ambientalistas, considerada a panóplia de negociações paralelas, bem como o forte peso dos lóbis presentes, mantêm-se em ceticismo e com alguma razão. Os poderosos interesses instalados não têm compaixão de ninguém, nem de nada.

2023.12.14 – Louro de Carvalho

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