sábado, 30 de dezembro de 2023

Belgas investem 10 milhões na fábrica de armas de Viana do Castelo

 

A Browning Viana, localizada em Morenos, S. Romão de Neiva (concelho de Viana do Castelo), no Alto Minho, detida pelo grupo belga FN Herstal e servida por 620 trabalhadores, está a concluir a ampliação da unidade onde fabrica armas de caça e de desporto, mas já tem aprovado um projeto de investimento de dez milhões de euros para a modernização da fábrica e para o aumento da capacidade de produção para 200 mil armas por ano. 

A fábrica de armas, que comemorou, recentemente, 50 anos em Portugal – foi criada, em 1973, e instalada num pântano –, tem vindo a ganhar importância dentro do grupo e prevê continuar a bater recordes de produção e de faturação.

Nos próximos anos, o objetivo é, segundo Rui Cunha, administrador da Browning Viana Fábrica de Armas e de Artigos de Desporto  S. A., renovar processos de produção mais manuais, como polimentos e pintura.

Esta aposta na maior automatização permitirá à empresa nacional voltar a aumentar a capacidade de produção, já reforçada de 150 para cerca de 180 mil armas por ano, com a ampliação da fábrica que está concluída. “Juntamente com este processo, estamos também a aumentar a nossa capacidade de produção para 200 mil armas, que pode ou não ser utilizada”, detalhou Rui Cunha.

A fábrica do Alto Minho deverá fechar o ano de 2023 com a produção de 174 mil armas, prevendo aumentar este número para 179 mil, em 2024. Com preços unitários a oscilar entre 600 os 7.000 euros, ambiciona disputar a liderança mundial no fabrico de armas de caça e desporto com o grupo italiano Beretta.

Detida, como se disse, pelo grupo belga FN Herstal, a fabrica armas de caça e de desporto, com as marcas Browning e Winchester, vem sendo responsável por cerca de um terço da faturação da divisão civil do grupo (armas de caça e de desporto). 

A Browning é a única empresa do grupo que não fabrica armas de defesa, mas o grupo fatura na casa dos 800 milhões de euros por ano, sendo pouco mais de metade desse valor da divisão defesa.

A fábrica de Viana do Castelo representa cerca de um terço da divisão civil. E, em termos de atividade, prevê continuar a fixar novos recordes, uma tendência que se mantém desde 2019. “A nossa faturação recorde vai ser este ano, de 80 milhões de euros”, adianta o responsável, acrescentando que 2024 deverá ser mais um ano de máximos, apontando para um volume de negócios de 88 milhões de euros.

Para o crescimento do negócio tem sido determinante o aumento da procura nos Estados Unidos, da América (EUA), que tem “continuamente vindo a aumentar”. Das armas produzidas em Portugal, apenas uma percentagem residual fica no país, sendo 99,5% para exportação. Só os EUA captam 70% das vendas.

A aposta do grupo na empresa de Viana do Castelo, com destaque para o último plano de investimentos, tem-lhe permitido aumentar o número de funcionários, atualmente 620. Contudo, o número tende a estabilizar, fruto da aposta em tecnologia de produção mais avançada. “Uma vez que vamos automatizar alguns dos processos que temos, vamos reduzir a contratação de pessoas e aumentar a automação. Fizemos um investimento em tecnologia de ponta”, resume o administrador, que destaca as condições remuneratórias “acima da média”, com um pacote salarial base de 1.075 euros, distribuição de resultados, seguro de saúde e um fundo de pensões.

Questionado sobre se a aposta na modernização vai implicar despedimentos, Rui Cunha afasta a possibilidade. “Não estamos nem perto disso”, garante, adiantando que a empresa vai “aumentar o valor acrescentado da produção, aumentar o valor criado, baixar o valor das compras e substituí-lo internamente”. “É aqui que vamos substituir as pessoas”, completa.

Outra das apostas passa pela internalização, já a partir de 2024, da produção de canos na fábrica, que, até agora, eram importados. Numa fase inicial, serão fabricados in house perto de 80 mil canos – os outros continuam a ser garantidos pela casa-mãe –, vindo a ser “uma referência no grupo” esta nova linha, avaliada em oito milhões de euros.

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Para garantir que a produção não para, a pausa do almoço é dividida entre os trabalhadores que garantem o primeiro turno da fábrica. O segundo turno começa pelas 15 horas e mantém as máquinas a rodar até às 23. Em conjunto, são produzidas, diariamente, 900 armas de caça e de desporto, que seguem para países como os EUA, a Bélgica ou a Alemanha.

Criada em 1973 onde antes existia “um pântano”, a empresa de armas de Viana é, hoje, uma das maiores fábricas de produção de armas de caça e de desporto, a nível mundial. Mas o percurso teve muitos sobressaltos. A empresa nasceu quase do nada. Um belga que morava ali conhecia algumas pessoas do grupo FN Herstal. A partir daí criou-se um conjunto de condições que não existiam para instalar a empresa.

Depois de um crescimento “muito rápido”, no início, a empresa entrou, nos anos 1990, num período de indefinição. As máquinas usadas para fabricar armas passaram a dedicar-se a outro tipo de “artilharia”, como tacos de golfe, raquetes de ténis e pranchas de windsurf.

Diz o administrador que, a certa altura, se apostou “na área do desporto, além das armas”. E assim foi durante cerca de 15 anos, até o grupo acabar com essa divisão e voltar a focar no negócio core (o núcleo do objeto da empresa). Saíram os artigos de desporto, manteve-se a produção de armas. E a fábrica de Viana cresceu dentro do grupo, em números e importância.

Nos últimos anos, aumentou a competência, a organização interna da fábrica e a produção, o que suscitou o reconhecimento por parte do grupo e a convicção de que havia consistência na fábrica, ao nível da mão-de-obra e ao nível da engenharia. Assim, “a empresa minhota conseguiu mudar a imagem no grupo e “a importância da fábrica disparou nos últimos anos”.

Com uma produção anual de cerca de 174 mil armas e preços unitários que oscilam entre 600 e 7.000 euros – a capacidade de produção vai aumentar para 200 mil, nos próximos anos –, a Browning Viana ambiciona alcançar a liderança mundial no fabrico de armas de caça e de desporto, objetivo que não está muito distante. Como diz Rui Cunha, “o grande adversário é o grupo italiano Beretta, que é líder mundial, na divisão civil, e depois deles seremos nós”.

Para desarmar a rival italiana, a fábrica está a investir em tecnologia de ponta e a terminar um investimento de 21 milhões de euros, ao qual será adicionado outro envelope financeiro de 10 milhões de euros, para os próximos quatro anos.

Do trabalho na madeira, aos polimentos e à montagem, são já visíveis esses sinais de maior modernidade. Num espaço agora ampliado, que está à espera de ser ocupado com novas máquinas, destacam-se, com o seu braço metálico, os dois novos robôs destinados a fazer o polimento. O objetivo é prosseguir esta modernização, automatizando a pintura das armas e o tratamento de superfície, assim como a mecanização de outras peças. É uma aposta na engenharia que vai aliviar os operários destas tarefas mais “físicas e desgastantes” e dar maior estabilidade ao processo.

internalização, já a partir de 2024, da produção de canos na fábrica – antes importados – é outra das apostas. Numa fase inicial serão fabricados in house perto de 80 mil canos (os outros serão garantidos pela casa-mãe). É uma nova linha de produção que resultou de um investimento de oito milhões de euros e que é “uma referência no grupo”.

O administrador da Browning Viana destaca a importância desta modernização também ao nível da retenção de talento. Está prevista uma carreira de tiro, para teste de novas armas, e a continuação do investimento em tecnologia. E este investimento em equipamento de produção pretende combater a dificuldade de atração de pessoal jovem.

Rui Cunha destaca as condições “acima da média”, como um pacote salarial base de 1.075 euros, a distribuição de resultados, o seguro de saúde e um fundo de pensões. Efetivamente, as questões sociais são uma das grandes preocupações da administração, tendo sido, nos últimos dois anos, o aumento salarial global dos 620 trabalhadores da fábrica na casa dos 11%. Na verdade, como refere o administrador, “é cada vez mais difícil encontrar pessoas e retê-las é o desafio”. Ora, com maior automatização de processos, a expectativa é que os funcionários sejam mais especializados, para se responder aos desafios, num mercado global.

Com praticamente toda a produção destinada à exportação, os EUA são responsáveis por cerca de 70% das vendas da empresa de Viana. Num mercado onde a procura “tem continuamente vindo a aumentar”, destacam-se alguns eventos particulares que mexem com o negócio, nomeadamente as eleições. “Quando os democratas estão no governo, a venda de armas dispara”, revela o administrador da Browning Viana.

Uma piada nos EUA diz que o maior agente comercial foi Barack Obama. “Foi um pico enorme quando ele foi eleito”, vinca Rui Cunha. Já no período pré-eleitoral, como o que está prestes a ser iniciado, a tendência é para uma estabilização no negócio.

Porém, há outros acontecimentos que mexem com o negócio das armas. Perante um ambiente dominado pela escalada de conflitos, seja no Leste da Europa, seja no Médio Oriente, Rui Cunha admite que estes eventos são positivos para a divisão de defesa, uma vez que os países tendem a reforçar o orçamento para a compra de armas. Para armas de caça e de desporto, a questão das guerras não impacta positivamente. Não é por isso que se vai mais à caça ou ao tiro aos pratos.

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Este apontamento dá conta de uma unidade de produção que apura organização, tecnologia e comercialização, dando emprego a centenas de pessoas, a quem são dadas condições de trabalho, pelo menos, razoáveis. Isto é, obviamente, sinal de progresso no país e representa só um exemplo do que por aí se faz, o que é de relevar em tempo de tanta maledicência e intriga, de alijamento de responsabilidades – pessoais e coletivas, públicas e privadas – e de tanta mediocridade.

Não obstante, é de acentuar que as armas de caça e de desporto também matam pessoas. E muita gente não tem escrúpulos em utilizá-las para dirimir conflitos ou, simplesmente, para expressar a sua agressividade. Por outro lado, embora a fábrica em referência não produza armas de defesa (a melhor defesa, para muitos, é o ataque), ela integra um grupo empresarial que as produz e vende. E, em países como os EUA, em que um qualquer cidadão pode usar armas de defesa pessoal (Bolsonaro queria instituir esse uso no Brasil), são frequentes os ataques de rua, em escolas, em fábricas, em salas de espetáculos, etc.  

Enfim, “o país dos brandos costumes” não pode, candidamente, afirmar-se inocente perante os conflitos que pululam nos diversos cantos do Mundo. Semear a paz torna-se difícil e parece não dar resultados. Todavia, há que remar contra a maré, fomentar mais o desporto. Haja esperança!

2023.12.30 – Louro de Carvalho

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