quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

CEMA rejeita candidatura presidencial e quer mais dois submarinos

O chefe de Estado Maior da Armada (CEMA), almirante Gouveia e Melo, há dois anos no cargo, afasta a hipótese de candidatura às eleições presidenciais, pede mais proteção e meios para os militares, diz-se concentrado na Marinha, remete para o poder político eventual recondução, em 2024, e alerta para “oportunistas que gostariam de desestabilizar” a democracia.

O CEMA, em entrevista à agência Lusa, por ocasião do segundo ano do seu mandato, sustenta que a falta de efetivos na Marinha vem criando grande “pressão psicológica interna” e sugere ao poder político que olhe para as classes sem poder reivindicativo, em que se incluem os militares. Na verdade, como discorre, “um sistema político democrático equilibrado tem de conseguir perceber que quem não tem o direito a manifestar-se deve ser protegido”, pois, se não o fizer, “pode causar uma distorção tão grande que pode ser perigoso para o sistema”.

Continuando nesta linha discursiva, considera que “esse desequilíbrio já causou perturbações noutras sociedades”. Ora, vivendo “um momento crítico das democracias, devemos estabilizar o que são os pilares da democracia”, que “devem estar estáveis”. Com este pressuposto, alerta os poderes políticos para a existência de “muitos oportunistas que gostariam de desestabilizar esses pilares com falsas promessas, falsas soluções, soluções rápidas que podem ser contagiosas em determinados cenários”.

Insistindo no seu alerta, Gouveia e Melo admite que “a democracia na Europa pode ser colocada em causa no futuro”, uma vez que, “dentro do bloco europeu, há sociedades com sintomas quase de esquizofrenia não democrática”, pelo que urge a defesa dos pilares do sistema democrático, nos quais as Forças Armadas se inserem.

Considera que “temos de defender a democracia e temos de a defender todos os dias, com bom senso e com equilíbrio de todos, mas tendo cuidado em “não deixar que uma parte da sociedade que não se pode manifestar, estatutariamente, para proteção da própria sociedade, não passe a ser um ‘underdog’ e a parte desfavorecida dessa sociedade, só porque não se pode manifestar”.

Por outro lado, salienta que a Marinha tem cerca de 1500 efetivos a menos, dos aproximadamente oito mil de que deveria dispor, que “fazem muita falta”. Daí resulta “um processo de saturação natural”. Ora, não se pode “estar permanentemente a sacrificar as mesmas pessoas, exigir das mesmas pessoas”, pois “uma coisa é exigir durante um período, outra coisa é exigir para sempre”, diz o almirante, que afirma sentir “muito orgulho” no seu pessoal.

Refere que a Marinha enfrentou os fogos, a pandemia e as operações, “tudo em simultâneo”, o que gerou “pressão psicológica interna grande”, que o ramo tenta “aliviar e mitigar”. Porém, lembra que “as Forças Armadas são profissionais e muito qualificadas”, pelo que não podem recrutar recursos humanos não qualificados.

O CEMA nem quer ouvir falar de candidaturas a Presidente da República e, quando a questão lhe é colocada já à saciedade, deixa transparecer até alguma irritação. “Parece que alguém quer ter um seguro de vida, fazendo a pergunta mil vezes”, diz em entrevista, no fim do segundo dos três anos de mandato à frente da Marinha, quando lhe falam das eleições presidenciais de 2026.

Nem as sondagens, em que aparece invariavelmente como um dos preferidos para o Palácio de Belém, o demovem da recusa em abordar o assunto, afirmando que lhe é indiferente. “Estou concentrado no meu objetivo militar, que é conseguir transformar a Marinha num verdadeiro instrumento útil, significativo, abrangente e tecnologicamente avançado ao serviço do Estado português. Esse trabalho é gigantesco. Ocupa 110% do meu cérebro. E, portanto, eu não ando preocupado com outras coisas”, assegura.

Aos 63 anos de idade e com dois no topo da hierarquia da Armada, admite que as pessoas podem gostar de si, pelo papel que desempenhou como coordenador do processo de vacinação da covid-19, mas isso não o obriga a qualquer gesto em direção a uma carreira política. “As pessoas podem gostar de mim, mas isso não significa que eu tenha de fazer qualquer coisa, porque as pessoas gostam de mim, porque houve um período histórico. Eu tive um papel, não fui eu sozinho, fui eu e outros. Há esse registo histórico, agora estou preocupado em fazer e cumprir bem a minha função”, esclareceu.

Sobre uma eventual recondução no cargo de CEMA, o almirante remete a decisão para o poder político. “Isso envolve o que o poder político quiser”, observou, sublinhando contar com mais um ano de mandato, pois quer levar avante o que ainda não conseguiu fazer nos dois primeiros anos.

O CEMA adianta que vai propor ao próximo executivo a compra de mais dois submarinos, que pretende modernizar duas fragatas, no prazo de três anos, e que intenta adquirir dois navios reabastecedores. O próximo ano é altura de discutir, novamente, o sistema de meios das Forças Armadas; e a compra de mais dois submarinos, “daqui a seis anos”, está nos planos de Gouveia e Melo, que argumenta que a área geográfica portuguesa “assim o exige”.

Dos submarinos, o almirante submarinista diz que, além de outras vantagens, “permitem observar o ambiente sem mexer com o ambiente, porque ninguém sabe que eles estão lá, e isso é uma função muito útil para o Estado, que pretende controlar o seu mar, também de forma discreta, e descobrir atividades que não consegue descobrir de outra forma, porque não tem uma capacidade de superfície que consiga realmente ocupar um espaço tão grande”.

Os dois novos submarinos, pretensamente de menor dimensão, juntar-se-iam ao Tridente e ao Arpão, os dois únicos submarinos de que a Marinha dispõe atualmente, o que levanta dificuldades, quando um deles necessita de reparações. Quanto às fragatas, Gouveia e Melo assinalou que a Lei de Programação Militar (LPM) prevê verbas para a sua renovação e disse que pretende modernizar “mais duas no prazo de três anos”.

Mais revelou o CEMA que, em breve, será assinado o contrato para a aquisição de dois navios reabastecedores, que serão, simultaneamente, “navios logísticos de transporte”, o que “poupa investimento, mas dá mais capacidade” ao ramo. E destacou a aquisição dos seis Navios Patrulha Oceânicos (NPO), cuja assinatura do contrato foi, entretanto, marcada para 29 de dezembro, contando os NPO ao serviço da Marinha “em princípio em 2030, 2031”.

Os novos NPO terão uma capacidade de guerra antissubmarina que os quatro já construídos não têm. “Estamos numa área crucial para os movimentos logísticos entre as Américas e a Europa e isso é crucial para o movimento logístico da NATO [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. Se nós portugueses, que temos os Açores, não participarmos ativamente na proteção dessas linhas de comunicação marítimas, sejam elas de dados, de transporte de carga ou de pessoas, de alguma forma estamos a diminuir o nosso valor estratégico dentro da própria coligação”, argumenta.

O primeiro dos seis navios, que chegará em 2026, tinha entrega prevista para este ano, mas o processo atrasou-se, porque o Tribunal de Contas (TdC) recusou, por duas vezes, o visto do contrato que o Ministério da Defesa Nacional pretendia celebrar com a IdD Portugal Defence – a ‘holding’ estatal que gere as participações públicas nas empresas da Defesa – para a gestão do programa de aquisição.

No início de 2024, a Marinha iniciará “o projeto de patrulhas de média dimensão” que substituirão patrulhas mais envelhecidos e têm “um desenho muito próprio” concebido pela Armada. Estes patrulhas “podem certamente ser vendidos no Golfo da Guiné e noutras regiões que precisam daquele tipo de navios para começar a construir uma Marinha”, constituindo-se também como um “produto de exportação”, explica Henrique Gouveia e Melo.

Interpelado sobre a atual crise política e sobre as consequências que pode ter nos investimentos da Armada, o almirante respondeu que “a instabilidade afeta sempre de alguma forma, mas afeta de forma temporalmente curta” e que “o que é importante é a conceção de um país que é marítimo”. “Estou convencido que todos os governos, mais à esquerda ou mais à direita, com pequenas nuances, percebem esta necessidade. Portanto, estou muito convencido de que, a longo prazo, a estratégia não será afetada”, observou.

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A 24 de novembro passado, foi assinado o contrato para a construção de um navio multifunções da Marinha, o Navio da República Portuguesa (NRP) D. João II, que terá o custo de 132 milhões de euros, com verbas do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e do investimento estatal.

O primeiro-ministro (PM), na sua intervenção, respondeu aos chamados “frugais” da União Europeia (UE), apontando o retorno inerente a muitos dos investimentos do PRR, e realçou a ação do seu governo de planeamento após a emergência da covid-19.

A construção deste navio ficará a cargo dos estaleiros holandeses Damen e o contrato foi assinado no Museu de Marinha, em cerimónia com a presença das ministras da Presidência, Mariana Vieira da Silva, e da Defesa, Helena Carreiras, e do CEMA, almirante Henrique Gouveia e Melo.

António Costa vincou o facto de o contrato para a construção do navio ter sido assinado com uma empresa holandesa, de um Estado-membro que tradicionalmente se opõe a um crescimento das contribuições para a UE e que maiores dificuldades levantou à conclusão do acordo para a criação de um mecanismo de recuperação e resiliência. Sem nunca mencionar o euroceticismo crescente nos eleitores dos Países Baixos, o PM disse que lhe dá “particular gosto que o contrato tenha sido assinado com uma empresa holandesa, demonstrando, aliás, que a solidariedade europeia não é só unívoca”. “Uma parte importante do financiamento que a UE fornece aos diferentes países tem um retorno e uma distribuição múltipla para vários Estados-membros, designadamente para os que mais contribuem para o funcionamento da UE. […] Com esta solidariedade, potenciamos também o conjunto da UE”, declarou.

António Costa referiu o período da covid-19, em que Gouveia e Melo liderou a organização das primeiras vagas de vacinação em Portugal, e elogiou o CEMA por ter concebido o projeto de Plataforma Naval Multifuncional. “O navio D. João II é uma grande oportunidade para se alavancar o conhecimento e a investigação na área do mar, produzindo-se recursos que sejam valorizados através da economia azul”, disse, antes de acentuar que o PRR foi pensado em “momento muito difícil” em que o Mundo enfrentava a ameaça da pandemia.

“Ao mesmo tempo em que cada um estava empenhado em fazer o combate que a pandemia impunha, tínhamos de preparar e construir o futuro pós-pandemia. Foram tempos difíceis para fazer tudo ao mesmo tempo, pensar na emergência e, simultaneamente, planear o pós-emergência. Felizmente foi possível que assim acontecesse”, observou.

O PM realçou a importância da Marinha em missões de busca e salvamento, na atuação em situação de emergência, no apoio aos órgãos de polícia criminal, sendo “um grande centro produção de conhecimento, de investigação e de desenvolvimento tecnológico”. “A Marinha tem estado sempre na vanguarda”, vincou.

A Plataforma Naval Multifuncional, conceito desenvolvido pelo almirante, é financiada pelo PRR no valor de 94,5 milhões de euros e com verbas estatais correspondentes a 37,5 milhões, desenvolvendo-se o investimento por fases, até 2026.

E o NRP D. João II, que terá tecnologia de ponta para monitorização dos oceanos, investigação oceanográfica e acompanhamento da ecologia marinha, estará apto para operações de emergência, vigilância, investigação científica e tecnológica e monitorização ambiental e meteorológica, funcionando como ‘porta-drones’ aéreos, terrestres e submarinos.

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Enfim, a Marinha precisa de meios, de pessoas e de dedicação plena. Temos uma enorme fronteira marítima e uma grande zona económica exclusiva (ZEE) de espaço marítimo, para lá das nossas águas territoriais.

2023.12-27 – Louro de Carvalho


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