A edição do Expresso deste dia 17
de junho dá conta de duas semanas em que sobressaíram notícias de Urgências
encerradas ou condicionadas e com o Governo a apresentar um plano em que a
gestão dos partos se fará como foram geridos os cuidados intensivos na pandemia.
Com efeito,
a 13 de junho (nem nos damos conta por causa das festas antonianas), a ministra
da Saúde, Marta Temido, após reuniões com os diretores clínicos de vários
hospitais da região de Lisboa e com sindicatos e a Ordem dos Médicos (OM) sobre
o funcionamento dos serviços de urgência, anunciou que vai ser posto em prática
um plano de contingência entre junho e setembro, para resolver a falta de médicos
em urgências hospitalares do país.
A ministra,
que pretende um plano com funcionamento mais articulado, antecipado e
organizado das urgências em rede, do Serviço Nacional de Saúde (SNS), “com o
acautelamento de questões remuneratórias associadas”, disse que, “não sendo de
hoje, estes problemas estão num momento mais agudo, após dois anos de pandemia
e do adiar de um conjunto de medidas que queríamos ter implementado anteriormente
e que não foram possíveis”. Haverá também uma componente de resposta
estrutural, “a contratação de todos os especialistas que acedam ser contratados
pelo SNS”, através da abertura de um concurso, além do “apoio a quem está no
terreno e às lideranças” dos hospitais. E Marta Temido vincou que, se “o SNS
conseguiu responder a uma pandemia”, também “será capaz de se organizar para
responder às necessidades de saúde materna”.
O Governo quer
aumentar a formação de médicos em várias especialidades e quer fazê-lo “em
articulação” com a OM, mas, se for necessário, está disposto a abrir um
conflito, que se joga em duas frentes: a governamental e a parlamentar. A
ministra da Saúde até admite recorrer à formação no estrangeiro para médicos
portugueses de forma a colmatar as faltas em várias especialidades. Disse-o em
conferência de imprensa do dia 15, à noite, em que anunciou o plano de
contingência para o verão e as medidas de médio prazo para ultrapassar os
problemas que marcaram a última semana, sobretudo na área das urgências de ginecologia
e obstetrícia, com alguns serviços encerrados ou condicionados por falta de
profissionais.
A opinião pública deu conta do problema com a notícia da morte de um bebé
no Hospital de Caldas da Rainha, por falta de meios para a Urgência funcionar. Depois,
surgiram dificuldades de norte a sul, mercê da falta de profissionais e da
sucessão de semanas com feriados, propícias ao gozo de folgas e férias. Não se
resiste à construção de “pontes” entre domingo e feriado.
O Chega agendou, para este dia 17, um debate parlamentar de urgência sobre
o caos nos serviços de ginecologia e obstetrícia. O primeiro-ministro assume
haver uma situação grave nas urgências obstétricas e “problemas estruturais” no
SNS. O Presidente da República, referindo que “isso já aconteceu em períodos
similares a este”, advertiu: “Há que prevenir para o futuro, para que não
suceda durante o verão o que sucedeu neste fim de semana longo quanto às
estruturas de saúde”. E a ministra da Saúde anunciou dois planos: para o curto
prazo e para o médio prazo.
No curto prazo, funcionará uma comissão de acompanhamento para os serviços
de ginecologia e obstetrícia, à semelhança do que sucedeu com a comissão para
os cuidados intensivos criada durante a pandemia, que promovia a gestão e coordenação
dos recursos, e avaliará a “necessidade de celebração de acordos com o setor
privado e social” para garantir uma resposta em obstetrícia.
Também no curto prazo, começaram as negociações, no dia 16, com os
sindicatos para acordo sobre pagamento de urgências. Segundo a ministra, “a
necessidade de assegurar os serviços de urgência orientou-se para a resposta
para o regime de prestação de serviços”, que “é um regime que concorre com o
próprio SNS, pois temos muitas vezes os nossos profissionais a circular entre
instituições porque as condições são distintas”. Porém, os sindicatos
consideram a resposta desapontante, ao passo que a secretária de Estado da
Saúde observou que era apenas a primeira reunião e anunciou outra para o dia
22.
No médio prazo, as soluções passam pelo novo desenho da rede de
referenciação hospitalar na área de obstetrícia num prazo de 180 dias, meta que
está incluída no PRR, e pelo aumento da formação de médicos nestas
especialidades e noutras em falta. No dizer da ministra, compete ao Governo,
com o parecer da OM, fixá-las e trabalhar no sentido de as alargar o máximo
possível. O parecer da OM, que tem em conta as necessidades e as capacidades
formativas, condiciona o número de formandos. Por isso, a ministra avisou: “se
a OM alegar falta de capacidade formativa, recorre-se à formação no estrangeiro”.
No Parlamento, o PS não desistiu de alterar a lei sobre o acesso às ordens
profissionais. O novo projeto já deu entrada e a discussão ficou agendada para
o início de julho, para termos a nova lei ainda no verão. Está em causa maior
fiscalização e escrutínio das ordens e maior flexibilização no acesso às
profissões, sobretudo no setor médico e na advocacia. E isto constituirá um
passo em frente no acesso dos mais jovens a um conjunto de profissões, onde há barreiras
a remover.
Trata-se de conferir menor autonomia às ordens, que, ao obrigarem a estágios
muito longos e mesmo não remunerados, antes do acesso pleno à profissão, são vistas
como óbices no acesso às carreiras. Em 2021, o PSD viabilizou, pela abstenção,
o projeto de lei do PS na generalidade, mas pôs-se ao lado das ordens nas
críticas à perda de autonomia e à governamentalização. Para os socialistas, a
alteração da lei-quadro é uma antiga recomendação da Comissão Europeia, que voltou
a ser reclamada por Bruxelas e está inscrita no PRR, pelo que o PS quer ver o
primeiro passo dado nos próximos meses. Depois, restarão as mudanças concretas
em cada uma das ordens, que terão de se adaptar às mudanças consagradas na
lei-quadro.
***
O problema das urgências, nomeadamente as apontadas acima, resulta, em boa
parte, da dependência de prestadores de serviços, que não têm o estatuto de
servidores subordinados e faltam quando entendem. É um problema que tem anos e
que o governo quer reduzir. Na verdade, em média, cerca de 50% dos médicos nas
urgências obstétricas do país são prestadores de serviços, ou seja, profissionais
externos aos hospitais. Em Beja ou Portalegre, a percentagem chega aos 80% ou
90%. Quanto mais periférico é o hospital, maior é a dependência, que varia com
a época do ano e a especialidade. O que era, há mais de uma década, resposta a
picos sazonais de procura nas urgências tornou-se um dos grandes problemas do SNS,
que ganha maior visibilidade em tempos de feriados e de férias de verão. Pagos
à hora por um valor superior ao dos médicos dos quadros dos hospitais, os
prestadores de serviços não têm vínculo, subordinação hierárquica ou obrigação
de assegurar as escalas. É o reino da precariedade para os serviços!
A origem do problema está na saída de muitos médicos do SNS tanto para o setor
privado como para fora do país, além do envelhecimento da classe médica, já que
41% dos profissionais têm mais de 55 anos e estão dispensados de fazer
urgências. Equipa que dependa só de pessoas do quadro do hospital faz a gestão
das férias, mas, se mais de 50% forem prestadores de serviços, a gestão é mais
difícil e as ruturas acontecem. A ministra da Saúde reconhece que “a
dependência das empresas de prestação de serviços é uma entorse que tem de ser
corrigida”.
Para Adalberto Campos Fernandes, socialista e ex-ministro da Saúde, “se
quiséssemos acabar com isto amanhã, o sistema fecharia”, pelo que a solução
passa por dar mais autonomia aos hospitais, responsabilizar os gestores e
apostar num modelo colaborativo de cuidados de saúde com o setor privado e
social, bem como criar um “pacto a médio prazo” para ver que incentivos os
jovens médicos procuram para se fixarem no SNS.
Estas
notícias de mais urgências
obstétricas fechadas ou de maternidades condicionadas preocupam as grávidas, pelo
que têm chegado dezenas de pedidos de informação à Associação Portuguesa pelos
Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto (APDMGP). Os pedidos chegam às
dezenas e de todas as formas: telefone, e-mail, redes sociais. As grávidas não
se sentem seguras, estão ansiosas, há muitas perguntas, mas “há também
indignação” – o oposto do que é desejável.
O
processo da gravidez, normalmente, é quase todo num hospital. Fazer um parto
noutro lugar significa não haver continuidade e, por vezes, a informação não
chega de um lado para o outro imediatamente – situação que não é boa para as
grávidas nem para os profissionais.
Para Alexandre Valentim Lourenço, presidente da Ordem dos Médicos na zona
sul, a melhor opção para não chegar a Urgência sobrelotada ou encerrada é
entrar em contacto com os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do
INEM, que sabem quais os hospitais com disponibilidade. Em casos não urgentes, é
útil recorrer ao médico assistente.
***
Sustentar um serviço de urgência com prestadores de
serviços é cavar a falência do serviço, sujeito à vontade do prestador, pela
falta de subordinação hierárquica e de sujeição ao poder disciplinar. E pôr tarefeiros
a ganhar mais que gente dos quadros é menosprezar os quadros. Admite-se que
tenha sido solução excecional, mas que deveria ter sido pontual. País com lei (ou
com rei e roque) forma, cria quadros, preenche-os a tempo, paga salário adequado
e oferece perspetiva de carreira.
2022.06.17 –
Louro de Carvalho
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