O termo “epidemia”
provém da fusão da preposição grega epi,
que significa sobre, em cima de, e do nome grego dêmos, dêmou, que significa povo. Nestes termos, epidemia será o que
se derrama sobre a população a causar alarme e medo. Assim, uma epidemia carateriza-se
por um contágio rápido e generalizado, sem limites de tempo nem de espaço,
provocando elevado número de vítimas. E, em termos clínicos, apresenta um
súbito número de pacientes a sofrer da mesma doença, sem distinção de sexo,
idade, raça ou classe social.
Por sua vez,
o termo “pandemia”, também de origem grega, une as palavras pân (pâs,
pâsa, pân – pronome indefinido ou quantificador universal, conforme a
colocação em vez do ou junto do nome) e dêmos,
dêmou (nome acima referido). Já a etimologia permite encarar a pandemia
como o pior dos cenários para a saúde humana. De facto, ela carateriza-se pela
generalização da doença (já em fase de epidemia) pelas pessoas localizadas nas
mais diversas regiões geográficas, como um continente ou todo o planeta,
existindo, neste caso, contágio epidémico intercontinental, de gigantescas
proporções letais, capaz de ocasionar profundas alterações
demográficas, políticas e económicas. Já neste século, temos, como exemplo,
a Gripe A, em 2009, que passou de
epidemia a pandemia, após a Organização Mundial de Saúde (OMS) verificar a
existência de casos em todos os continentes. Porém, os historiadores têm
verificado que, desde os tempos mais antigos, tem havido episódios de epidemias
e pandemias por todo o planeta, provocando elevadíssimos números de vítimas, com
consequências nefastas, a nível social, económico e político.
A maior
pandemia de que há notícia é a Peste de Atenas, Praga
de Atenas ou Peste do Egito, que ocorreu entre 430 a 427 a.C.,
durante a Guerra do Peloponeso, vitimando dois terços da população daquela
cidade. Pensa-se que terá estado, na origem, uma epidemia de febre tifoide,
causada pela bactéria Salmonella tiphy, a partir da Etiópia. Os médicos
ficaram, então, impotentes face ao desconhecimento da natureza doença.
Em 165, com
origem na China, surgiu a Peste Antonina ou Peste
de Galeno, que se prolongou até 180. Terá sido um surto de varíola
ou de sarampo que afetou os Hunos e alastrou por todo o Império Romano, tendo
causado a morte do imperador Marco Aurélio (contra a voz comum).
Em 250,
surgiu a Peste de Cipriano, nome atribuído em reconhecimento ao bispo
de Cartago. Calcula-se que tenha começado na Etiópia e, espalhando-se pelo norte
de África, tenha passado pelo Egito e chegado a Roma. Na Alexandria vitimou 60%
dos habitantes. E, em 444, atingiu a Grã-Bretanha obrigando os Bretões a pedir
ajuda dos Saxões para combater os Escotos e os Pictos. Apesar de apelidada
de peste, os sintomas não são idênticos aos da peste bubónica (Na Antiguidade, peste era sinónimo de enfermidade
contagiosa e de elevada mortalidade). Terá tido origem em febre hemorrágica viral
ou em gripe por vírus idêntico ao da Gripe
Espanhola?
Entre 541 e
750, deflagrou a Praga de Justiniano (Primeira Pandemia de Peste Bubónica),
a primeira pandemia documentada e o primeiro caso de peste bubónica, que
vitimou cerca de 50 milhões de pessoas (cerca de 26 % da população mundial). Originária
do Egito, alastrou pelo Império Bizantino, no tempo do imperador Justiniano I,
o Grande, chegando ao Mediterrâneo.
Durante o
século XI, a Lepra (Doença de Hansen)
assolou a Europa. Na idade Média (como na Bíblia), era tida como castigo de
Deus e maldição para os doentes por ela afetados. Ainda hoje, afeta vasto
número de pessoas no mundo, mas pode ter cura, se detetada nos estádios
iniciais.
Em 1347, iniciou-se,
na Ásia Central, a Peste Negra (Segunda Pandemia de Peste
Bubónica), a maior pandemia da História. Assolou a Europa (por falta
de saneamento) e dizimou entre um terço (25 milhões) a metade da população (75
milhões). Como consequência da colonização de alguns países por outros mais desenvolvidos,
certas doenças, então inexistentes em alguns continentes, evoluíram para
grandes pandemias, de que são exemplo a varíola e o sarampo. Assim, com o Intercâmbio Colombiano (Cristóvão
Colombo chegou à América, em 1496), os Tainos (povo indígena das Caraíbas), que
eram cerca de 60.000, reduziram-se a menos de 500, em 1548. E o império Asteca,
por exemplo, foi destruído por um surto de varíola.
Em 1665, Londres
sofreu Peste Bubónica (do Grego, boubôn, boubônos, virilha, tumor na virilha),
apelidada de Grande Peste de Londres, que
matou cerca de 20% da população. Em 1666, estando os londrinos a recuperar da peste,
foram abalados pelo Grande Incêndio de Londres.
***
As primeiras
notícias de pandemias causadas pelos vírus da Gripe surgiram em
1580, na Ásia. Em 6 meses, a Gripe espalhou-se pela Europa, Africa
e América do Norte, matando cerca de 10% da população nestas áreas. Em 1729, na
Rússia, tornou-se pandemia. Em 1732, alastrou pelo mundo, matando cerca de 500
mil pessoas em 36 meses. Ocorreram outros casos, em 1781, na China, vindo a
infetar a Europa em 8 meses. Em 1830, nova Pandemia
de Gripe, iniciada na China, passou pela Ásia, Europa e Américas, onde
infetou cerca de 25% da população.
Depois destas, as pandemias começaram a ter designação própria. Além da Gripe, outras doenças originaram pandemias
como a cólera, que derivou em oito grandes pandemias que assolaram o mundo
inteiro. Em 1817, surgida a Pandemia de Cólera, perdurou ao longo de
150 anos. Iniciada na Índia, dali alastrou para a China e chegou ao Azerbaijão,
ao Cazaquistão, ao Turquemenistão e à Rússia, pelo Mar Cáspio, e,
posteriormente, espalhou-se por todo o mundo. Morreram cerca de 150.000 pessoas.
Em 1832, a Segunda Pandemia de Cólera
teve início na Europa e alastrou para os Estados Unidos da América (EUA), o Canadá
e a Inglaterra. Em 1852, surgiu a Terceira
Pandemia de Cólera, a mais devastadora, que, afetando a Rússia, causou mais
de um milhão de óbitos. Entre 1863 e 1875, alastrou para a Europa e a África. Os
EUA sofreram forte contaminação em 1866. Em 1892, infetou a Alemanha causando
mais de oito mil mortes no país. Em 1899, atingiu a Rússia, mas, com o avanço
da Saúde Pública, a Europa foi pouco afetada. Em 1961, surgiu na Indonésia, alastrou
no Bangladesh e na Índia, chegando à União Soviética em 1966.
Em 1855,
iniciou-se a vaga da Terceira Pandemia
de Peste Bubónica. Com
início na China, espalhou-se pela India, atingindo, em seguida, Hong Kong. Provocou
15 milhões de vítimas, tendo o surto sido extinto apenas em 1960.
Em 1875,
surgiu a Pandemia de Sarampo nas Ilhas Fiji, ao tempo colónias britânicas
e cujo chefe era Ratu Cakobau. Após o seu regresso de uma viagem à Austrália,
onde havia a epidemia, por vir infetado, espalhou a doença, tendo provocado a
morte a 40.000 pessoas.
Em 1889,
surgiu a Gripe Russa. Começou na Sibéria, no Cazaquistão, e difundiu-se
pela Europa, América do Norte e África. No ano seguinte, tinha já feito cerca
de 360.000 vítimas.
Em 1918,
surgiu a Gripe Espanhola (Gripe
Pneumónica, Peste Pneumónica ou
só Pneumónica). Desconhece-se a origem geográfica desta pandemia que assolou
todo o mundo, entre os anos de 1918-1919. Apareceu no auge da I Guerra Mundial.
Dum lado, os Aliados (chefiados pelo Reino Unido, França e Império Russo) e, do
outro, os Impérios Centrais (Alemanha e Áustria-Hungria) e os EUA evitavam qualquer
informação acerca do alcance da doença, para não desanimar a população com a
notícia de que havia, em muitos lugares, um número alarmante de civis que adoeciam
e morriam. E a Espanha, país neutral, não precisando de ocultar a informação,
noticiava que o país foi o mais castigado ou que a doença começou aí. Por isso,
tem a designação de Gripe Espanhola. Segundo
alguns historiadores, começou e alastrou a partir de um acampamento militar no
Kansas (EUA) entre os militares que, mais tarde, viajaram para a Europa; segundo
outros, partiu da base militar de Etables (norte da França) ou através dos
soldados indochineses que lutaram em França entre 1916 e 1918.
Um terço da
população mundial foi infetado por este vírus e foi a doença infeciosa que
causou maior número de vítimas. Durou cerca de um ano e terá contribuído para
cerca de 50 a 100 milhões de mortes em todo o mundo, o que representava cerca
de 5% da população mundial, das quais entre 50 mil a 70 mil em Portugal, entre
os anos 1918 e 1919.
Considerada a
maior pandemia mundial conhecida até hoje, tendo causado mais mortes do que a
Peste Negra, ao longo de vários séculos, e quase três vezes mais que o número de
mortos da I Guerra Mundial, contagiou cerca de 500 milhões de pessoas e matou
mais pessoas em 25 semanas do que a SIDA (Síndrome da Imunodeficiência
adquirida) em 25 anos. Foi 25 vezes mais mortal, quando comparada com outros
vírus idênticos. Uma das suas caraterísticas foi a alta mortalidade entre
pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 40 anos.
Em fevereiro
de 1957, apareceu a Gripe Asiática, uma das maiores
epidemias mundiais de gripe. Iniciou-se no Norte da China, onde o vírus se
expandiu rapidamente, atingindo, em cerca de dois meses, Singapura e Hong-Kong,
donde se disseminou para outros pontos do globo, como o continente Australiano,
Índia, Africa, a Europa, Estados Unidos. E, em cerca de 10 meses, alastrou por
todos os países. Esta pandemia matou 1,1 milhões de pessoas em todo o mundo.
A rápida passagem entre o continente africano e a Europa deveu-se à existência
de um elevado fluxo de pessoas entre ambos os pontos, em consequência de, nessa
altura, serem em grande número as colónias europeias em diversos países
africanos.
Em 1968,
surgiu a Gripe de Hong Kong. Em julho, surgiu o primeiro caso de gripe
naquela cidade. Causou grande impacto na Guerra do Vietname, quando foi levada
para os EUA, espalhando-se rapidamente por todo o mundo. Passados três meses, o
vírus chegara à Europa, Índia, Austrália e Filipinas. Matou cerca de um milhão
de pessoas, incluindo meio milhão de residentes de Hong Kong, o que
representava 15% da sua população.
Em 1981
surgiu a SIDA. A disseminação do
vírus da imunodeficiência humana (VIH) explodiu nos EUA no início dos anos 80.
A origem foi identificada em chimpanzés em África. Mais de 35 milhões de
pessoas morreram de doenças conexas com a SIDA. Apesar de avanços na medicina
que permitem aos pacientes gerir a doença, ainda não foi encontrada uma cura.
Em 2009
surgiu a Pandemia de Gripe
(inicialmente dita gripe suína) que foi rotulada de Gripe A em abril. De início, foi um surto de uma variante de gripe
suína cujos primeiros casos ocorreram no México, no mês de março, atingindo,
pouco tempo depois, o continente europeu e a Oceânia. Esta pandemia, causada
pelo vírus H1N1, provocou a morte de 203 mil pessoas em todo o mundo, devido a
problemas respiratórios, tendo recaído principalmente sobre pessoas mais novas
(entre os 5 e os 24 anos) e sobre as populações de algumas regiões do
continente americano. O número de mortes foi quase 20 vezes maior em países
como a Argentina, o Brasil e o México, enquanto os países menos atingidos foram
a Nova Zelândia, a Austrália e grande parte da Europa.
***
Presentemente,
ainda nos debatemos com a pandemia de covid-19, provocada pelo vírus SARS CoV-2,
que tem assolado, a partir da China, todo o mundo, desde o início de 2020.
Estamos mais
bem preparados para enfrentar pandemias que advenham, sobretudo pelo programa
de vacinas gizado em tempo recorde e pelos cuidados estruturantes e eventuais
que se tomaram. Contudo, neste mundo interligado, um vírus pode generalizar-se
com maior facilidade e podemos ser surpreendidos pela resistência dos vírus às
terapêuticas disponíveis. E os vírus podem passar e criar, dentro de uma espécie, novas
variantes, que contagiam outras espécies, sendo necessário desenvolver,
com a maior rapidez possível, novos medicamentos capazes
de os destruir.
Há, ainda,
outras doenças – Ébola, Zika, Dengue e Chikungunya – que são patologias de
preocupação mundial, pela sua enorme facilidade de contaminação. E alguns investigadores
e cientistas referem que, mal o coronavírus esteja controlado, precisamos de nos
preparar para uma próxima pandemia, porque novos surtos pandémicos surgirão mais
tarde ou mais cedo.
2022.06.19 – Louro de Carvalho
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