“Só de olhar
já cheira a manjerico” é a voz comum para encarecer a importância interpessoal e
social nas festas dos santos populares, as tão sentidas festas juninas por todo
o país. Todavia, a proibição de cheirar os manjericos parece que não passa de um
mito, constituindo apenas uma chamada de atenção para a sua fragilidade e efemeridade,
pelo que se requer especial cuidado.
O manjerico
é conhecido como a “erva dos namorados” porque, segundo uma velha tradição, os
rapazes davam pequenos manjericos, em vasos, às namoradas, por altura do Santo
António, o santo casamenteiro. A planta como que ficava a alimentar misteriosamente
a chama do amor, que podia, não raro, tornar-se tão frágil e efémera como a
vida do símbolo. E esta oferta chegou a funcionar, em tempos, como um
compromisso tão forte como um pedido de casamento.
Esta planta,
na verdade uma erva aromática como os coentros, a salsa ou os orégãos, crescia
e cresce na primavera e, por isso, estava já em bom tamanho, por altura do
Santo António, para ser tirada da terra e colocada em vasos. Porém, como se
trata de uma planta muito sensível e que necessita de grandes cuidados, a
namorada, ao receber o manjerico do seu “conversado”, devia tratar da planta,
durante um ano, até o manjerico ser substituído no dia de Santo António seguinte.
Além da
planta, o vaso traz também um cravo feito em papel e uma pequena bandeira com
um verso popular alusivo ao amor.
O manjerico
dura pouco tempo, quer cheirado com o nariz, quer tocado com a mão. Assim, para
que dure um pouco mais, deve pôr-se-lhe água no prato por baixo do vaso e
manter esta humidade nas horas de muito calor e, à noite, deve retirar-se este
prato com água.
Das três festas
populares, com o devido respeito pelas outras duas, a mais central e importante
era a de São João Batista, o único santo de quem se festeja o nascimento, ao
passo que dos outros se celebra a morte (dies
natalis, dia do nascimento, mas para Deus). Como Ele foi o precursor do
Messias (ou Cristo), nascido seis meses antes de Cristo, a Igreja dedicou-lhe a
festa do solstício do verão, quando o Sol está mais longe da Terra, que se
celebrava nas sociedades pagãs, do mesmo modo que dedicou ao Natal de Jesus
Cristo o solstício do inverno, quando o Sol estava mais perto da Terra. O
absoluto Sol nascente descera do Alto à Terra. Com o fluir do tempo, o espírito
do paganismo reentrou nas festas destes santos, eclipsando o matiz cristão. Mais
tarde, Santo António, que desejava ser mártir e que ficou célebre pelo dom da
palavra, ficou a preceder São João; e São Pedro, chefe da Igreja e mártir em
Roma, passou a fechar o ciclo de festas junino.
***
Segundo alguns,
o manjerico veio da Índia; e, segundo outros, proveio do Médio Oriente. Porém,
não se sabe como esta planta, que não é nativa da Europa, se tornou ícone das
festas juninas.
Em junho, a
plantinha, cujo nome científico é Ocimum minimum, assoma à nossa paisagem física e social, para entrar nas festas de Santo
António (13 de junho), de São João Batista (24 de junho) e de São Pedro,
a que a Liturgia agrega São Paulo (29 de junho) – e, por extensão, para entrar
na cultura de Portugal. Tanto assim é que figuras como Fernando Pessoa e Amália
Rodrigues escreveram e cantaram, respetivamente, sobre ele. Todavia, como é
que, historicamente, importámos o manjerico e o tornamos um símbolo das festas
populares é questão que não tem resposta categórica.
Luís
Mendonça de Carvalho, biólogo e diretor do Museu Botânico de Beja, sustenta que
o aroma do manjerico ajuda à sua popularidade. Este investigador de história e
filosofia da ciência, autor de livros como Portugal Botânico de A a Z
(editora Lidel, 2003) e As Plantas e os Portugueses (Fundação Francisco Manuel
dos Santos, 2019), sabe, por exemplo, que foi pela mão dos portugueses que a
laranjeira foi trazida para a Europa, mas desconhece o percurso histórico do
manjerico e o motivo pelo qual começou a ser usado no contexto das festas
populares. Sugere que, por vezes, as tradições se criam e dá como exemplo a associação
do cravo à revolução abrilina, que resultou da distribuição episódica de cravos
aos militares, podendo falar-se de um momento fundador da tradição dos cravos em
25 de abril de 1974, como símbolos da liberdade.
Já a tradição
do manjerico parece encaixar no que se designa por tradições difusas.
Para Mendonça
de Carvalho, em vez de nos focarmos no momento em que este ser vivo aromático apareceu
em Portugal e nos arraiais de junho, é melhor atentar no motivo que leva ao uso
da “erva dos namorados” nas festas populares a representar o amor. Trata-se,
efetivamente, de uma planta anual que tem um ciclo de vida curto. Este dado é
simbólico, pois, oferecer a rapazes ou a raparigas um manjerico com uma quadra representa
o amor efémero, se estribado apenas no impulso da paixão juvenil que se
esvanece depressa. Por isso, é que os cuidados com a plantinha são mais que
justificados.
Depois, a
planta é fácil de transportar e cultivar, o que favorece o entretenimento das
pessoas e ajuda à sua popularidade junto delas. E, além disso, é muito aromática,
o que a torna aprazível.
Por outro
lado, as pessoas dão um uso material e/ou simbólico às plantas aromáticas. Com efeito,
oferece-se o aroma do incenso à Divindade (ou às divindades) e às pessoas e
objetos que A representam. E é por causa do cheiro que, em contextos bíblicos,
o cedro do Líbano (cedrus libani) é um símbolo de Deus: “Os justos
florescerão como a palmeira, crescerão como o cedro do Líbano” (Salmo 92,13). E
a açucena (Lilium candidum) representa a Virgem Maria, a quem Afonso X,
o Sábio, chamava flor das flores, rosa das rosas.
O aroma é algo
marcante para os seres humanos. O que é aromático traz boas recordações e
propicia boas sensações. As pessoas associam determinados cheiros a determinadas
memórias positivas. Quem não gosta de sentir o suave perfume, próprio ou alheio?
Até a oração é tida como odor que sobe até junto do Altíssimo (cf Salmo 141,2).
Lígia
Salgueiro, docente na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, especialista
em plantas e nos efeitos terapêuticos (ou tóxicos) que os seus componentes
podem ter, também não conhece a história do manjerico em termos culturais. Mas
distingue, em termos dos usos que lhes são dados, os manjericos de outras
plantas pertencentes ao mesmo género (Ocimum).
A coautora
do livro Plantas Medicinais: Entre o Passado e o Presente (Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2014) começa por destacar a versatilidade do
manjericão-de-folha-larga, ou apenas manjericão (Ocimum basilicum),
planta originária dos continentes asiático e africano que, no atinente ao aspeto,
é conhecida pelas suas folhas ovaladas, “usadas na alimentação como condimento”,
afirma a especialista, que acrescenta: “O manjericão também tem propriedades medicinais:
o seu óleo é rico num composto químico chamado linalol, pelo que é usado em aromoterapia,
podendo aliviar sintomas reumáticos”.
O manjericão
ou basílico tem como componente aromático o estragol, também denominado de
metilchavicol, que é utilizado como repelente de insetos e para aromatizar
produtos alimentares como “também pode ser usado em perfumes, detergentes e
produtos de cosmética”. E o seu óleo também se usa para “criar um ambiente
relaxante” (diz Lígia Salgueiro). A alfazema é usada para isso. E, como o
manjericão tem linalol, que é parecido com o que a alfazema tem em termos de
componentes, pode ser um bom aliviador de stresse.
No
manjerico, “predomina mais na composição o eugenol”, que está, quimicamente, mais
próximo do estragol, a tal substância usada para repelir os insetos. Como a espécie
Ocimum minimum não tem linalol, faria mais sentido como repelente de insetos.
Porém, a folha do manjerico é mais pequena do que a folha do manjericão e o seu
rendimento em óleo essencial é menor, pelo que, embora seja um marco da cultura
popular portuguesa, segundo a especialista, a planta aromática “não é usada
industrialmente”.
Por isso, independentemente
do que se passe noutros países, Salgueiro opina que, em Portugal, “os fins do
manjerico são meramente decorativos”. Não obstante, há quem o use na comida e
como planta medicinal, por fazer bem às gripes, à constipação, aos problemas
digestivos e afins.
Outras
espécies do género Ocimum incluem, por exemplo, o manjericão-sagrado (Ocimum
tenuiflorum) e o manjericão-cheiroso (Ocimum gratissimum). O óleo
deste, como refere Lígia Salgueiro, é abundante em timol – e plantas ricas em
timol são usadas como antimicrobianos.
Quem diria
que uma plantinha tão frágil e suas afins são portadoras de tão grande
utilidade simbólica e prática. Com manjerico ou sem ele, festejem-se os santos
populares, em arraiais, com marchas, cavalhadas, fogueiras, sardinhas, vinho,
pão, alhos-porros, martelinhos, bandeirinhas e papelinhos! Mas colham-se também
as lições positivas das suas vidas.
2022.06.24 – Louro de Carvalho
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