terça-feira, 28 de junho de 2022

Segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas

 

Adiada desde 2020 por causa da pandemia de covid-19, a Segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC), em curso em Lisboa, de 27 de junho a 1 de julho deste ano de 2022, tem como tema geral “reforçar a ação dos oceanos com base na ciência e na inovação para a implementação do objetivo de desenvolvimento sustentável 14 (ODS14): avaliação, parcerias e soluções”. E surge num tempo em que o mundo enceta esforços para mobilizar, criar e promover soluções a fim de alcançar os 17 ODS antes de 2030.

Como parte das primeiras fases da Década de Ação para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, recentemente lançada pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a Conferência apresenta uma série de soluções inovadoras de base científica, destinadas a lançar um novo capítulo na ação global para os oceanos, cuja gestão sustentável requer a aplicação de tecnologia verde e a utilização inovadora dos recursos marinhos. É necessária uma abordagem às ameaças que comprometem a saúde, a ecologia, a economia e a governação dos oceanos: a acidificação; o lixo marinho e a poluição; a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada; e a perda de habitats e de biodiversidade.

O objetivo do evento, organizado pelos governos de Portugal e do Quénia, é, pois, “mobilizar o apoio global para  implementar, criar, conservar e utilizar, de uma forma sustentável, os mares, oceanos e os recursos marinhos”, visto que, atualmente, as ações humanas vêm tendo impacto negativo nos mares e oceanos, pelo que a sua sustentabilidade deverá ser uma preocupação de todos, abordada por ações ao nível global, nacional, regional e local. A proteção e a conservação dos mares e oceanos estão conexas com a promoção e a proteção o bem-estar da Humanidade.

A participação das várias entidades e organizações da nossa sociedade civil é uma oportunidade de contribuir para a proteção e a conservação de um dos recursos mais importantes para o país.

Sobressaem, nos preparativos desta iniciativa da ONU e no seu desenvolvimento, Liu Zhenmin, subsecretário-geral das Nações Unidas para os Assuntos Económicos e Sociais, como secretário-geral da Conferência, e Miguel de Serpa Soares, subsecretário-geral para os Assuntos Jurídicos, como conselheiro especial dos Presidentes da Conferência dos Oceanos sobre questões jurídicas e relacionadas com os oceanos, bem como o embaixador Peter Thomson, das ilhas Fiji, como enviado especial do secretário-geral da ONU para os Oceanos, para galvanizar esforços conjuntos, com vista a dar seguimento aos resultados da Conferência dos Oceanos das Nações Unidas de 2017 e de manter a dinâmica de conservação e uso sustentável dos oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.

O ODS 14, adotado em 2015 como peça chave da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, integrado no conjunto dos 17 objetivos transformadores, marca a necessidade de conservar e utilizar de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos do planeta. E o progresso deste objetivo é determinado por objetivos específicos, conexos com os problemas dos oceanos, onde se inclui a redução da poluição marinha, a proteção dos ecossistemas marinhos e costeiros, a minimização da acidificação, o fim da pesca ilegal e da sobrepesca, o aumento do investimento no conhecimento científico e na tecnologia marinha e o respeito pelas leis internacionais que exigem a utilização segura e sustentável dos oceanos e dos seus recursos.

A este respeito, são de reter as afirmações do secretário-geral da ONU de que, se nada se fizer em contrário, em 2050, o peso oceânico dos plásticos será maior que o peso dos peixes e que é a hora de se tocarem os sinos a rebate pelos oceanos, esconjurando o “egoísmo” dos que pensam que as águas internacionais são suas, quando elas “são nossas, de todos os países do mundo”.

E é premente o múltiplo desafio que lançou: a que todos invistam mais de forma sustentável (“mais financiamento de longo prazo”), de modo que se possam produzir “seis vezes mais alimentos no mar e 40 vezes mais energia”; a que se invista na proteção dos oceanos da poluição marinha e na proteção das populações que deles dependem dos efeitos das alterações climáticas; a que se assuma um compromisso para uma “cobertura plena” do sistema de alerta precoce para fenómenos atmosféricos extremos; e a que as opiniões públicas pressionem os decisores políticos a agirem.

Por último, são de destacar os compromissos de Portugal expressos pelo primeiro-ministro:  

“Dispondo da maior diversidade marinha de toda a Europa, Portugal compromete-se a assegurar que 100% do seu espaço marinho sob soberania ou jurisdição portuguesa seja avaliado em bom estado ambiental” e a “classificar 30% das áreas marinhas” até 2030, dando voz a uma medida já inscrita na Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030. Por outro lado, o governo quer “transformar a pesca nacional num dos setores mais sustentáveis e de baixo impacto a nível mundial, mantendo 100% dos stocks dentro dos limites biológicos sustentáveis”. E, no plano económico, Costa apontou como objetivo atingir os 10 gigawatts de capacidade até 2030 em energias renováveis oceânicas e comprometeu-se com a duplicação do número de startups na área da economia azul e do número de projetos apoiados por fundos públicos – medidas concretas e vinculativas que o Presidente da República avalizou mais tarde, vincando, sobretudo, o compromisso de ter 30% das áreas marinhas nacionais classificadas até ao final da década.

O Presidente queniano – que, a par do Presidente português, presidiu à conferência, enquanto chefes de Estado dos países organizadores – apontou os oceanos como o “recurso mais subestimado da Terra”, apesar de cobrirem 70% da superfície do planeta e deles dependerem, de forma direta, três mil milhões de pessoas. E a prova disso é que este é o mais “subfinanciado” dos 17 ODS da Agenda 2030 da ONU. Basta de “palavras vazias”, diria mais tarde, “são necessárias ações”. E o mesmo disse, em tom mais dramático, o primeiro-ministro das Fiji, Josaya Wiliame Katonivere, falando em representação de 16 Estados das ilhas do Pacífico particularmente visados pelas alterações climáticas e a poluição oceânica: “Quinhentos anos depois de Fernão de Magalhães nos ter denominado de povos do Pacífico, vimos aqui dizer que estamos a lutar pela nossa sobrevivência”.

***

Haverá tempo para a divulgação das conclusões da Conferência. E, se elas forem prementes e mobilizadoras, vale a pena Lisboa ser, neste ano de 2022, a Capital dos Oceanos.

Porém, também os cidadãos portugueses têm de mudar comportamentos em relação ao mar. E os decisores políticos e económicos têm de reverter a aniquilação quase total da nossa Marinha de Guerra, da nossa Marinha Mercante e da nossa Marinha de Pescas, que ocorreu a par da famigerada Política Agrícola Comum (PAC), no âmbito da adesão, bastante acrítica, à concretização do desenvolvimento do projeto europeu, que paulatinamente se foi afastando dos cidadãos.

O mar é um recurso formidável, mas é preciso tratá-lo com racionalidade, corrigindo os atropelos ambientais a que tem estado sujeito, zelando por uma exploração equilibrada dos seus recursos e garantindo, pela vigilância e defesa, apoiadas me sólidos pressupostos científicos e em mobilizáveis equipamentos técnicos, a biodiversidade marinha.  

E, tendo nós uma extensa fronteira marítima, que o é também da União Europeia (UE), não se percebe como não dispomos, com apoio da NATO e da UE, de meios de vigilância e defesa desta grande fronteira. Discutem-se os poucos submarinos, cujo negócio deu raia, faltam corvetas e fragatas, criam-se entraves à aquisição de patrulheiros oceânicos, não se cuida da nossa extensa zona económica exclusiva (ZEE), não se investe na ciência do mar, nem se exploram as capacidades de produção marítima de energia elétrica, nem da dessalinização de águas marinhas para disponibilização de mais água potável.  

Espera-se que os compromissos de Portugal enunciados pelo primeiro-ministro sejam muito mais que o sino que tange e envolvam grandes reformas a partir do mar, de forma a afastar as razões do ceticismo de tantos.

2022.06.27 – Louro de Carvalho

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