Adiada desde
2020 por causa da pandemia de covid-19, a Segunda Conferência dos Oceanos das Nações Unidas (UNOC),
em curso em Lisboa, de 27 de junho a 1 de julho deste ano de 2022, tem como
tema geral “reforçar a ação dos
oceanos com base na ciência e na inovação para a implementação do objetivo de desenvolvimento sustentável 14
(ODS14): avaliação, parcerias e
soluções”. E surge num tempo em que o mundo enceta esforços para mobilizar,
criar e promover soluções a fim de alcançar os 17 ODS antes de 2030.
Como parte das primeiras fases da Década de Ação para os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, recentemente lançada pelo
secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a Conferência apresenta
uma série de soluções inovadoras de base científica, destinadas a lançar um
novo capítulo na ação global para os oceanos, cuja gestão sustentável requer a
aplicação de tecnologia verde e a utilização inovadora dos recursos marinhos. É
necessária uma abordagem às ameaças que comprometem a saúde, a ecologia, a
economia e a governação dos oceanos: a acidificação; o lixo marinho e a poluição;
a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada; e a perda de habitats e de
biodiversidade.
O objetivo
do evento, organizado pelos governos de Portugal e do Quénia, é, pois, “mobilizar
o apoio global para implementar, criar, conservar e utilizar, de uma
forma sustentável, os mares, oceanos e os recursos marinhos”, visto que, atualmente,
as ações humanas vêm tendo impacto negativo nos mares e oceanos, pelo que a sua
sustentabilidade deverá ser uma preocupação de todos, abordada por ações ao
nível global, nacional, regional e local. A proteção e a conservação dos mares
e oceanos estão conexas com a promoção e a proteção o bem-estar da Humanidade.
A
participação das várias entidades e organizações da nossa sociedade civil é uma
oportunidade de contribuir para a proteção e a conservação de um dos recursos
mais importantes para o país.
Sobressaem,
nos preparativos desta iniciativa da ONU e no seu desenvolvimento, Liu Zhenmin,
subsecretário-geral das Nações Unidas para os Assuntos Económicos e Sociais, como
secretário-geral da Conferência, e Miguel de Serpa Soares, subsecretário-geral
para os Assuntos Jurídicos, como conselheiro especial dos Presidentes da
Conferência dos Oceanos sobre questões jurídicas e relacionadas com os oceanos,
bem como o embaixador Peter Thomson, das ilhas Fiji, como enviado especial do
secretário-geral da ONU para os Oceanos, para galvanizar esforços conjuntos, com
vista a dar seguimento aos resultados da Conferência dos Oceanos das Nações
Unidas de 2017 e de manter a dinâmica de conservação e uso sustentável dos
oceanos, mares e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável.
O ODS 14, adotado em 2015 como peça
chave da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030, integrado no conjunto
dos 17 objetivos transformadores, marca a necessidade de conservar e utilizar
de forma sustentável os oceanos, mares e recursos marinhos do planeta. E o progresso
deste objetivo é determinado por objetivos específicos, conexos com os
problemas dos oceanos, onde se inclui a redução da poluição marinha, a proteção
dos ecossistemas marinhos e costeiros, a minimização da acidificação, o fim da pesca
ilegal e da sobrepesca, o aumento do investimento no conhecimento científico e
na tecnologia marinha e o respeito pelas leis internacionais que exigem a
utilização segura e sustentável dos oceanos e dos seus recursos.
A este respeito, são de reter as
afirmações do secretário-geral da ONU de que, se nada se fizer em contrário, em
2050, o peso oceânico dos plásticos será maior que o peso dos peixes e que é a
hora de se tocarem os sinos a rebate pelos oceanos, esconjurando o “egoísmo” dos que pensam que as águas
internacionais são suas, quando elas “são nossas, de todos os países do mundo”.
E é premente o múltiplo desafio que
lançou: a que todos invistam mais de forma
sustentável (“mais financiamento de longo prazo”), de modo que se possam
produzir “seis vezes mais alimentos no mar e 40 vezes mais energia”; a que se
invista na proteção dos oceanos da poluição marinha e na proteção das
populações que deles dependem dos efeitos das alterações climáticas; a que se
assuma um compromisso para uma “cobertura plena” do sistema de alerta precoce
para fenómenos atmosféricos extremos; e a que as opiniões públicas pressionem
os decisores políticos a agirem.
Por último, são
de destacar os compromissos de Portugal expressos pelo primeiro-ministro:
“Dispondo da
maior diversidade marinha de toda a Europa, Portugal compromete-se a assegurar
que 100% do seu espaço marinho sob soberania ou jurisdição portuguesa seja avaliado
em bom estado ambiental” e a “classificar 30% das áreas
marinhas” até 2030, dando voz a uma medida já inscrita na
Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030. Por outro lado, o governo quer “transformar
a pesca nacional num dos setores mais sustentáveis e de baixo impacto a nível
mundial, mantendo 100% dos stocks dentro dos limites biológicos sustentáveis”. E,
no plano económico, Costa apontou como objetivo atingir os 10 gigawatts de
capacidade até 2030 em energias renováveis oceânicas e comprometeu-se com a
duplicação do número de startups na
área da economia azul e do número de projetos apoiados por fundos públicos – medidas
concretas e vinculativas que o Presidente da República avalizou mais tarde,
vincando, sobretudo, o compromisso de ter 30% das áreas marinhas nacionais
classificadas até ao final da década.
O Presidente
queniano – que, a par do Presidente português, presidiu à conferência, enquanto
chefes de Estado dos países organizadores – apontou os oceanos como o “recurso
mais subestimado da Terra”, apesar de cobrirem 70% da
superfície do planeta e deles dependerem, de forma direta, três mil milhões de
pessoas. E a prova disso é que este é o mais “subfinanciado” dos 17 ODS da
Agenda 2030 da ONU. Basta de “palavras vazias”, diria mais tarde, “são necessárias ações”. E
o mesmo disse, em tom mais dramático, o primeiro-ministro das Fiji, Josaya Wiliame
Katonivere, falando em representação de 16 Estados das ilhas do Pacífico
particularmente visados pelas alterações climáticas e a poluição oceânica: “Quinhentos
anos depois de Fernão de Magalhães nos ter denominado de povos do Pacífico, vimos aqui dizer que
estamos a lutar pela nossa sobrevivência”.
***
Haverá tempo para a divulgação das conclusões
da Conferência. E, se elas forem prementes e mobilizadoras, vale a pena Lisboa
ser, neste ano de 2022, a Capital dos Oceanos.
Porém, também os cidadãos portugueses têm de
mudar comportamentos em relação ao mar. E os decisores políticos e económicos
têm de reverter a aniquilação quase total da nossa Marinha de Guerra, da nossa
Marinha Mercante e da nossa Marinha de Pescas, que ocorreu a par da famigerada
Política Agrícola Comum (PAC), no âmbito da adesão, bastante acrítica, à concretização
do desenvolvimento do projeto europeu, que paulatinamente se foi afastando dos
cidadãos.
O mar é um recurso formidável, mas é preciso
tratá-lo com racionalidade, corrigindo os atropelos ambientais a que tem estado
sujeito, zelando por uma exploração equilibrada dos seus recursos e garantindo,
pela vigilância e defesa, apoiadas me sólidos pressupostos científicos e em mobilizáveis
equipamentos técnicos, a biodiversidade marinha.
E, tendo nós uma extensa fronteira marítima,
que o é também da União Europeia (UE), não se percebe como não dispomos, com
apoio da NATO e da UE, de meios de vigilância e defesa desta grande fronteira.
Discutem-se os poucos submarinos, cujo negócio deu raia, faltam corvetas e
fragatas, criam-se entraves à aquisição de patrulheiros oceânicos, não se cuida
da nossa extensa zona económica exclusiva (ZEE), não se investe na ciência do
mar, nem se exploram as capacidades de produção marítima de energia elétrica,
nem da dessalinização de águas marinhas para disponibilização de mais água
potável.
Espera-se que os compromissos de Portugal
enunciados pelo primeiro-ministro sejam muito mais que o sino que tange e
envolvam grandes reformas a partir do mar, de forma a afastar as razões do
ceticismo de tantos.
2022.06.27 – Louro de Carvalho
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