É uma informação avançada
pela edição semanal do Expresso, do
dia 24 de junho, através dum texto intitulado “Comandos já não treinam a sede”,
nos termos do qual ficamos a saber que “os Comandos não reduziram a dureza dos cursos, mas deixaram de treinar a sede
dos instruendos, que levada ao limite e conjugada com o calor na chamada ‘prova
de choque’ ou ‘prova zero’, levou à morte de dois militares em 2016”.
O historial desta tropa especial é tão controverso como
rico. Com efeito, a especialidade foi criada para aguentar a guerra colonial,
que avançava, da parte dos considerados inimigos, sob o regime de guerrilha (guerra
subversiva), pontuando o efeito-surpresa, a que era preciso responder de forma
adequada. Por outro lado, sobressaíam os feitos heroicos dos militares Comandos.
O símbolo
identificativo das tropas de Comandos do Exército Português mais conhecido é a boina
vermelha. Pelo uso deste item os comandos são chamados “Boinas Vermelhas”. O Lema é o verso latino da Eneida, de Virgílio “AUDACES FORTUNA
JUVAT”, que significa “A sorte protege os audazes”. E o Grito de Guerra, retirado de uma tribo bantu do Sul de Angola que o
usava na cerimónia de entrada na adultez é: MAMA SUMAE, que em Português significa:
Aqui Estamos, Prontos para o Sacrifício!
***
Com o início
da Guerra de África, em 1961, tornou-se claro que as caraterísticas do terreno,
do clima e do tipo de conflito (guerra subversiva), exigiam dos militares uma
atuação para a qual não estavam preparados. Era preciso criar uma força bem
estruturada e com elevada preparação moral e técnica, aliada a uma grande
mobilidade. Daí nasceram os Comandos, como força especial de contraguerrilha
para executar operações em Angola, Guiné e Moçambique, com capacidade para
desencadear ações em território português e no estrangeiro, combater como tropa
de Infantaria de assalto e dotar a direção político-militar de uma força capaz
de realizar operações irregulares.
Em 1962, foi criado, em Zemba, Angola, o Centro de Instrução 21 – Centro de Instrução Especial de
Contraguerrilha, que formou os primeiros seis grupos de tropas do Exército
Português especialmente adaptadas ao tipo de guerra que estava a decorrer em
África. Estes grupos, embriões das Forças Comando, tiveram enorme êxito em
operações e revelaram ser a resposta ideal às exigências do teatro operacional
num ambiente de contraguerrilha e subversão.
Em 1963, na região de Quibala, Angola, foram criados mais
dois Centros de Instrução (CI), o CI 16 e o CI 25. Aparecia, pela primeira vez,
o nome de COMANDOS para as forças aí instruídas.
Face aos
excelentes resultados operacionais obtidos pelos Comandos em Angola, a formação
e modo de atuação estenderam-se às restantes colónias pelo que se iniciaram,
em 1964, na Namaacha, Moçambique, e na Guiné, na região de Brá, os primeiros
cursos de Comandos de Moçambique e Guiné, respetivamente.
Em 1965, foi criado, em Luanda, pelo
Decreto-Lei n.º 46410, de 29 de junho de 1965, o Centro de Instrução de
Comandos, que, em 10 anos, formou Companhias para Angola e Moçambique.
Em 1966, foi criado, em Lamego, um Centro
de Instrução, que passou a formar Companhias de Comandos para os Teatros de
Operações (TO) da Guiné e de Moçambique, a par das tropas Ranger, no Centro de
Instrução de Operações Especiais (CIOE).
E, em 1974,
a formação de Comandos passou a ser centralizada na Amadora.
Nos cerca de 12 anos de atuação dos Comandos na Guerra de África, os efetivos empenhados em operações foram mais de
9000 homens (510 oficiais, 1587 sargentos e 6977 praças), integrando 67
companhias nos três TO, tendo havido 357 mortos, 28 desaparecidos e 771 feridos.
No seu desempenho
operacional são muitos os exemplos de resultados brilhantes, tendo os militares
Comando recebido, por feitos em combate, as seguintes condecorações
individuais: Ordem Militar da Torre e
Espada, do Valor, Lealdade e Mérito – 12 militares; Medalha de Valor Militar – 23 militares; e Medalha da Cruz de Guerra – 375 militares.
A 1 de maio de 1975, é criado o
Regimento de Comandos (RCMDS) cuja orgânica engloba um Batalhão de Comando e
Serviços, um Batalhão de Instrução e dois Batalhões de Comandos, tornando-se a
unidade operacional de reserva à ordem do Chefe do Estado-Maior do Exército.
No “Verão Quente” de 1975, os Comandos tiveram
um papel preponderante no desenrolar das ações, prevenindo que a
situação não culminasse numa guerra civil. É comumente atribuído à sua
intervenção um papel fundamental no restabelecimento da democracia e da ordem,
demonstrando serem forças disciplinadas e sempre prontas para atuar.
Pela
brilhante carreira militar na Guerra de África e pelos serviços prestados no 25
de novembro de 1975, o Comandante do Regimento de Comandos foi condecorado com
a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito – condecoração com
que também foi agraciado o regimento, aquando da sua extinção, pela aposição das
insígnias no respetivo estandarte.
A partir de
1977, o Regimento de Comandos formou anualmente o efetivo correspondente a seis
Companhias de Comandos e especialistas necessários ao preenchimento dos quadros
orgânicos das suas subunidades de apoio de serviços, até que, em 1993, ao
arrepio da vontade do Chefe de Estado, o
Regimento de Comandos é extinto e a especialidade fica
temporariamente suspensa.
Em 1996, decorreu em Lamego, o 99.º
Curso de Comandos para Oficiais e Sargentos do Quadro Permanente, com a finalidade de manter a especialidade,
sobretudo para honrar compromissos de Cooperação Técnico-Militar com a
República de Angola, onde, desde 1993, uma equipa de assessores militares
Comandos apoiava a formação de Comandos Angolanos e a preparação da sua Brigada
de Comandos.
Em 9 de maio de 2002 o
Despacho n.º 16 do General Chefe de Estado-Maior do Exército, reativa uma
Unidade de Comandos de escalão Batalhão, sediada no Regimento de Infantaria n.º 1 na Serra da Carregueira. E,
em setembro do mesmo ano, inicia-se o 100.º curso de Comandos, que termina em
21 de dezembro de 2002 e permite criar a 1.ª Companhia de Comandos,
materializando-se assim o levantamento do Batalhão de Comandos. A 1 de julho de 2006, o Centro de
Tropas Comandos muda-se para Mafra; e, a 1 de abril de 2008, o Centro de Tropas Comandos regressa ao aquartelamento da Serra da Carregueira,
onde se mantém com o encargo operacional de um Batalhão de Comandos, a três
Companhias de Comandos e uma Companhia de Comando e Apoio.
Após a conclusão da formação, os militares desempenharão
as suas funções durante, no mínimo, dois anos no Regimento de Comandos, após os quais poderão pedir transferência para as diversas
unidades do Exército. Ao longo da carreira, será proporcionada a frequência de
diversas ações de formação gratuitas, de modo a poderem desempenhar melhor as
suas funções.
A especialidade é útil para intervenção contra invasão
externa e em operações de salvamento, ações humanitárias e ações no quadro dos compromissos
com a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (NATO) e a União Europeia (UE).
***
Com base na experiência
e movidos pela pressão da opinião pública, os responsáveis pela formação procederam
à avaliação dos cursos. Por consequência, o treino da desidratação, uma das tradições
nos comandos, acabou, pois, como dizem agora, “a sede não se treina”. Depois,
são os dados estatísticos da NATO a apontar que, de cada vez que se treina a
sede, estão a criar-se lesões irreversíveis. Agora, treina-se para “saber lidar
com a falta de hidratação e falta de água, o que é diferente” – dizem em
resposta a comandos mais antigos que acham que o curso se está a desvirtuar. A
grande mudança “é partilhar a responsabilidade com o instruendo, que tem de
gerir a água e pedir para repor o stock”. Não se minimiza a exigência.
Entre as medidas de mitigação do risco também estão quatro consultas
médicas ao longo das 14 semanas da formação, antes dos momentos mais difíceis,
e a monitorização da cor da urina, que os instruendos são ensinados a
interpretar para perceberem as necessidades de hidratação. Mas é uma atividade
em que o perigo está sempre presente.
Os números refletem a dureza da instrução. Voluntariam-se, em cada semestre,
cerca de 100 jovens, que fazem provas médicas e físicas; desses, são
selecionados entre 60 e 80 para os cursos, que só conseguem concluir 20 e tal
ou pouco mais de 30. Desde a reativação do regimento, em 2002, foram formados
1304 comandos, dos 3028 que iniciaram os 39 cursos que decorreram desde então. Atualmente,
a Carregueira tem 431 efetivos, dos quais 253 são tropas comandos: 180
regressaram, em maio, da missão na República Centro-Africana. O número não é
elevado, mas os problemas de recrutamento são transversais às Forças Armadas. Os
efetivos desta tropa estão a 58% das necessidades faltando 146 homens para o
número de 400 comandos previstos.
Seja como
for, a Unidade da Carregueira comemora, no dia 29, os 60 anos desta tropa
especial.
2022.06.24 – Louro de Carvalho
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