sexta-feira, 24 de junho de 2022

Tropa Especial Comandos celebra, a 29 de junho, 60 anos de existência

 

É uma informação avançada pela edição semanal do Expresso, do dia 24 de junho, através dum texto intitulado “Comandos já não treinam a sede”, nos termos do qual ficamos a saber que “os Comandos não reduziram a dureza dos cursos, mas deixaram de treinar a sede dos instruendos, que levada ao limite e conjugada com o calor na chamada ‘prova de choque’ ou ‘prova zero’, levou à morte de dois militares em 2016”.

O historial desta tropa especial é tão controverso como rico. Com efeito, a especialidade foi criada para aguentar a guerra colonial, que avançava, da parte dos considerados inimigos, sob o regime de guerrilha (guerra subversiva), pontuando o efeito-surpresa, a que era preciso responder de forma adequada. Por outro lado, sobressaíam os feitos heroicos dos militares Comandos.  

O símbolo identificativo das tropas de Comandos do Exército Português mais conhecido é a boina vermelha. Pelo uso deste item os comandos são chamados “Boinas Vermelhas”. O Lema é o verso latino da Eneida, de Virgílio “AUDACES FORTUNA JUVAT”, que significa “A sorte protege os audazes”. E o Grito de Guerra, retirado de uma tribo bantu do Sul de Angola que o usava na cerimónia de entrada na adultez é: MAMA SUMAE, que em Português significa: Aqui Estamos, Prontos para o Sacrifício!

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Com o início da Guerra de África, em 1961, tornou-se claro que as caraterísticas do terreno, do clima e do tipo de conflito (guerra subversiva), exigiam dos militares uma atuação para a qual não estavam preparados. Era preciso criar uma força bem estruturada e com elevada preparação moral e técnica, aliada a uma grande mobilidade. Daí nasceram os Comandos, como força especial de contraguerrilha para executar operações em Angola, Guiné e Moçambique, com capacidade para desencadear ações em território português e no estrangeiro, combater como tropa de Infantaria de assalto e dotar a direção político-militar de uma força capaz de realizar operações irregulares.

Em 1962, foi criado, em Zemba, Angola, o Centro de Instrução 21 – Centro de Instrução Especial de Contraguerrilha, que formou os primeiros seis grupos de tropas do Exército Português especialmente adaptadas ao tipo de guerra que estava a decorrer em África. Estes grupos, embriões das Forças Comando, tiveram enorme êxito em operações e revelaram ser a resposta ideal às exigências do teatro operacional num ambiente de contraguerrilha e subversão.

Em 1963, na região de Quibala, Angola, foram criados mais dois Centros de Instrução (CI), o CI 16 e o CI 25. Aparecia, pela primeira vez, o nome de COMANDOS para as forças aí instruídas.

Face aos excelentes resultados operacionais obtidos pelos Comandos em Angola, a formação e modo de atuação estenderam-se às restantes colónias pelo que se iniciaram, em 1964, na Namaacha, Moçambique, e na Guiné, na região de Brá, os primeiros cursos de Comandos de Moçambique e Guiné, respetivamente.

Em 1965, foi criado, em Luanda, pelo Decreto-Lei n.º 46410, de 29 de junho de 1965, o Centro de Instrução de Comandos, que, em 10 anos, formou Companhias para Angola e Moçambique.

Em 1966, foi criado, em Lamego, um Centro de Instrução, que passou a formar Companhias de Comandos para os Teatros de Operações (TO) da Guiné e de Moçambique, a par das tropas Ranger, no Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE).

E, em 1974, a formação de Comandos passou a ser centralizada na Amadora.

Nos cerca de 12 anos de atuação dos Comandos na Guerra de África, os efetivos empenhados em operações foram mais de 9000 homens (510 oficiais, 1587 sargentos e 6977 praças), integrando 67 companhias nos três TO, tendo havido 357 mortos, 28 desaparecidos e 771 feridos.

No seu desempenho operacional são muitos os exemplos de resultados brilhantes, tendo os militares Comando recebido, por feitos em combate, as seguintes condecorações individuais: Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito – 12 militares; Medalha de Valor Militar – 23 militares; e Medalha da Cruz de Guerra – 375 militares.

A 1 de maio de 1975, é criado o Regimento de Comandos (RCMDS) cuja orgânica engloba um Batalhão de Comando e Serviços, um Batalhão de Instrução e dois Batalhões de Comandos, tornando-se a unidade operacional de reserva à ordem do Chefe do Estado-Maior do Exército.

No “Verão Quente” de 1975, os Comandos tiveram um papel preponderante no desenrolar das ações, prevenindo que a situação não culminasse numa guerra civil. É comumente atribuído à sua intervenção um papel fundamental no restabelecimento da democracia e da ordem, demonstrando serem forças disciplinadas e sempre prontas para atuar.

Pela brilhante carreira militar na Guerra de África e pelos serviços prestados no 25 de novembro de 1975, o Comandante do Regimento de Comandos foi condecorado com a Ordem Militar da Torre e Espada, do Valor, Lealdade e Mérito – condecoração com que também foi agraciado o regimento, aquando da sua extinção, pela aposição das insígnias no respetivo estandarte.

A partir de 1977, o Regimento de Comandos formou anualmente o efetivo correspondente a seis Companhias de Comandos e especialistas necessários ao preenchimento dos quadros orgânicos das suas subunidades de apoio de serviços, até que, em 1993, ao arrepio da vontade do Chefe de Estado, o Regimento de Comandos é extinto e a especialidade fica temporariamente suspensa.

Em 1996, decorreu em Lamego, o 99.º Curso de Comandos para Oficiais e Sargentos do Quadro Permanente, com a finalidade de manter a especialidade, sobretudo para honrar compromissos de Cooperação Técnico-Militar com a República de Angola, onde, desde 1993, uma equipa de assessores militares Comandos apoiava a formação de Comandos Angolanos e a preparação da sua Brigada de Comandos.

Em 9 de maio de 2002 o Despacho n.º 16 do General Chefe de Estado-Maior do Exército, reativa uma Unidade de Comandos de escalão Batalhão, sediada no Regimento de Infantaria n.º 1 na Serra da Carregueira. E, em setembro do mesmo ano, inicia-se o 100.º curso de Comandos, que termina em 21 de dezembro de 2002 e permite criar a 1.ª Companhia de Comandos, materializando-se assim o levantamento do Batalhão de Comandos. A 1 de julho de 2006, o Centro de Tropas Comandos muda-se para Mafra; e, a 1 de abril de 2008, o Centro de Tropas Comandos regressa ao aquartelamento da Serra da Carregueira, onde se mantém com o encargo operacional de um Batalhão de Comandos, a três Companhias de Comandos e uma Companhia de Comando e Apoio.

Após a conclusão da formação, os militares desempenharão as suas funções durante, no mínimo, dois anos no Regimento de Comandos, após os quais poderão pedir transferência para as diversas unidades do Exército. Ao longo da carreira, será proporcionada a frequência de diversas ações de formação gratuitas, de modo a poderem desempenhar melhor as suas funções.

A especialidade é útil para intervenção contra invasão externa e em operações de salvamento, ações humanitárias e ações no quadro dos compromissos com a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) e a União Europeia (UE).

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Com base na experiência e movidos pela pressão da opinião pública, os responsáveis pela formação procederam à avaliação dos cursos. Por consequência, o treino da desidratação, uma das tradições nos comandos, acabou, pois, como dizem agora, “a sede não se treina”. Depois, são os dados estatísticos da NATO a apontar que, de cada vez que se treina a sede, estão a criar-se lesões irreversíveis. Agora, treina-se para “saber lidar com a falta de hidratação e falta de água, o que é diferente” – dizem em resposta a comandos mais antigos que acham que o curso se está a desvirtuar. A grande mudança “é partilhar a responsabilidade com o instruendo, que tem de gerir a água e pedir para repor o stock”. Não se minimiza a exigência.

Entre as medidas de mitigação do risco também estão quatro consultas médicas ao longo das 14 semanas da formação, antes dos momentos mais difíceis, e a monitorização da cor da urina, que os instruendos são ensinados a interpretar para perceberem as necessidades de hidratação. Mas é uma atividade em que o perigo está sempre presente.

Os números refletem a dureza da instrução. Voluntariam-se, em cada semestre, cerca de 100 jovens, que fazem provas médicas e físicas; desses, são selecionados entre 60 e 80 para os cursos, que só conseguem concluir 20 e tal ou pouco mais de 30. Desde a reativação do regimento, em 2002, foram formados 1304 comandos, dos 3028 que iniciaram os 39 cursos que decorreram desde então. Atualmente, a Carregueira tem 431 efetivos, dos quais 253 são tropas comandos: 180 regressaram, em maio, da missão na República Centro-Africana. O número não é elevado, mas os problemas de recrutamento são transversais às Forças Armadas. Os efetivos desta tropa estão a 58% das necessidades faltando 146 homens para o número de 400 comandos previstos.

Seja como for, a Unidade da Carregueira comemora, no dia 29, os 60 anos desta tropa especial.

2022.06.24 – Louro de Carvalho

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