sábado, 11 de junho de 2022

As vacinas e a vacinação na História

 

 

Por toda a parte, a vacinação está na ordem do dia, apesar do negacionismo que tem alastrado, em muitos lugares, face às incertezas da covid-19. Porém, os medicamentos utilizados até aos finais do século XVIII tinham como único objetivo a cura das enfermidades. Entretanto, nos finais do século XVIII, o britânico Edward Jenner, naturalista e médico, tido como o “pai da imunologia”, descobriu um medicamento para prevenir a vacina contra varíola. E a história dos medicamentos teve um avanço de gigante e a terapêutica medicamentosa tornou-se também preventiva.

O termo vacina tem origem na palavra vaccinae que significa “da vaca” (em Latim, vacca), pelos motivos que se verão mais adiante.

A varíola, que era um grave problema de saúde pública (inúmeras epidemias, ao longo da História, dizimaram vastas populações), é uma doença infetocontagiosa, provocada pelo orthopoxvírus, um dos vírus de maiores dimensões que contaminava os seres humanos. O seu mais antigo vestígio remonta à época faraónica, no tempo de Ramsés V, que viveu há três mil anos. E a doença atingiu o Império Romano e, depois da chegada de Colombo, em 1492, o continente americano.

Todavia, documentação escrita no século IV, oriunda da China, refere descrições acerca de sintomas desta enfermidade, o que leva a crer que terá sido na Índia e na China, há mais de mil anos, que se fizeram as primeiras tentativas de imunização das crianças contra várias doenças, através de um pequeno corte no braço, friccionando a ferida com as crostas de feridas de infetados ou de outros materiais infetados com varíola. E, assim, criavam resposta no sistema imunitário.

Também se fazia, na China, na Índia e na Península Arábica, a variolação, prática que chegou a Constantinopla, através dos árabes ou dos viajantes provindos do norte de África. Consistia em esfregar as crostas secas da varíola, que tinham o vírus, na pele da pessoa a imunizar. Os chineses até moíam as crostas secas, reduzindo-as a pó, e expunham-nas a vapor quente, danificando as partículas virais. O pó era soprado no nariz da pessoa a imunizar.

Na Europa, durante séculos, sucumbiam a esta doença, todos os anos, 30% dos infetados. A doença manifestava-se por febre e vómitos, a que se seguiam erupções cutâneas com pústulas, cheias de líquido e um buraco ao meio, a alastrar por todo o corpo. Um terço das vítimas acabava por cegar. Aqui, o método mais usado de variolação era a inoculação a partir de uma amostra de varíola, obtida de paciente ou de vítima, injetada num indivíduo por via subcutânea com a ajuda de agulha. Mas, por volta de 1718, sendo a Europa abalada por forte epidemia de varíola, Lady Mary Montagu, esposa do embaixador britânico em Constantinopla, que fora infetada pela varíola, ao saber desta prática, quis variolar o filho naquela cidade. Regressada a Inglaterra, levou os amigos e os membros da família real a submeterem-se a este método.

Em 1721, o cirurgião escocês Charles Maitland fez a variolação em seis prisioneiros, os quais, depois de expostos à varíola, sobreviveram, pelo que replicou a experiência em duas princesas do País de Gales, o que levou à instauração desta prática como moda na Europa. Cotton Mather utilizou o método em escravos africanos, em Boston, na América colonial. E Catarina, a Grande, imperatriz da Rússia (1729-1796), sobressaltada pelo facto de o filho e de ela própria poderem ser infetados pela varíola, chamou, em 1768, o médico inglês Thomas Dimsdale, que publicara, em 1767, O Método Atual de Inoculação Contra a Varíola. A sua técnica consistia em retirar material das pústulas de pessoa doente e aplicá-lo na pele ou nas narinas da pessoa a proteger. 

Quando Dimsdale partiu para a Rússia, receava que o seu método fraquejasse, pois Catarina não admitia erros, pelo que não tinha pejo em o mandar abater. Por isso, o médico terá deixado uma carroça junto aos portões do palácio para poder fugir, se necessário. Mas a sua intervenção foi um êxito. E regressou a Inglaterra com o título de barão do império e com uma pensão vitalícia.

Havia riscos, pois os variolados podiam espalhar o vírus e morrer, mas a taxa de mortalidade era menor (1%) quando a pessoa adquiria o vírus por variolação, em contraste com quando se infetava naturalmente (30%). E os variolados apresentavam uma forma mais leve de varíola do que os infetados por acaso. Por volta de 1796, na China, após um surto de varíola, foram observados os que sobreviveram, verificando-se que tinham ficado imunes às recaídas.

O médico inglês Edward Jenner, após vários anos de observação, verificou que, nos surtos de varíola, havia um estrato profissional que não ficava doente: as leiteiras e os leiteiros que ordenhavam as vacas. Além disso, eram portadores de uma doença não tão grave como a varíola – a “cowpox” ou varíola das vacas. E Jenner pensou em contaminar algumas pessoas com essa varíola. Efetuou a primeira experiência, a 14 de maio de 1796, numa criança de 8 anos, James Phipps, filho do seu jardineiro, e prosseguiu com a experiência em outras pessoas. Estava descoberta a primeira vacina. E Jenner propôs uma vacina, apesar de não ter conhecimentos de imunologia e sem ainda haver conhecimentos de vírus e bactérias.

Porém, Jenner não foi o primeiro a usar esta técnica. Já o agricultor Benjamin Jesty, 22 anos antes, sabendo que as leiteiras que apanhavam varíola bovina ficavam protegidas contra a varíola, inoculou a sua família com líquido das bolhas do úbere de vacas infetadas. Em 2006, o feito foi reconhecido pela instituição de apoio à investigação Wellcome Trust, que adquiriu um retrato a óleo do agricultor.

Foram vários os métodos e experiências realizados até se chegar ao que hoje conhecemos por vacina. No entanto, é atribuído o mérito da vacinação a Jenner, mercê do rigor científico com que desenvolveu as suas experiências. E a vacinação contra a varíola iniciou-se em 1796. Ao invés da variolação, a vacina agora utilizada usa o vírus da varíola bovina, menos perigoso.

Em 1799, foi criado o primeiro instituto vacínico em Londres e, em 1800, a Marinha britânica começou a adotar a vacinação, iniciando-se também a vacinação na América. Em 1805, todos os soldados franceses foram vacinados por ordem de Napoleão Bonaparte.

Ao invés de outras descobertas científicas, esta vacina não originou grandes polémicas, apesar de terem surgido algumas caricaturas e depoimentos contra os resultados apresentados por Jenner. Em geral, todos – tanto cientistas como a população – compreenderam a importância desta vacina. A partir do início do seculo XIX, surgiram as campanhas da vacinação antivariólica, fundaram-se instituições para a difusão da vacinação e a população europeia aumentou.

Em 1959, a Organização Mundial de Saúde (OMS) iniciou a campanha mundial de erradicação da varíola, que foi considerada a primeira doença erradicada pelo homem através da vacinação. Em 1980, a OMS anunciou que esta doença havia sido erradicada.

Já em finais do século XIX, Louis Pasteur (químico e bacteriologista) ficaria a ser recordado por descobri a vacina contra a raiva. E foi o primeiro a conceber uma vacina de acordo com um processo científico. Descreveu o papel dos micro-organismos na transmissão das infeções e propôs meios terapêuticos de prevenção dessas doenças, com processos variados para atenuar a virulência. A raiva, doença infeciosa causada pelo vírus do género Lyssavírus, instalava-se e multiplicava-se no sistema nervoso, expandindo-se para as glândulas salivares, o que era mortal. Em 1885, Pasteur, que não era médico, aplicou a vacina antirrábica numa criança de oito anos, Joseph Meister, que tinha sido mordido por um cão raivoso, através de extratos de medula espinal de um cão com a doença. E, em 1879, descobriu o Bacillusanthracis; e, em 1881, conjuntamente com o seu ajudante Charles Chamberland, experimentou a vacina contra o carbúnculo (anthrax).

Em 1887, fundou, em Paris, o Instituto com o seu nome, sendo o seu primeiro diretor. Inaugurado no ano seguinte, o Instituto Pasteur tinha como propósito a investigação de estudos biológicos, microbiológicos e estudos aprofundados sobre vacinas. Ao longo dos anos, o Instituto Pasteur tem sido uma referência internacional, com um trabalho intenso na investigação microbiológica que originou importantes resultados no controlo de algumas doenças infeciosas como a difteria, o tétano, a tuberculose, a poliomielite, a gripe, a febre-amarela e a peste. O vírus da sida (VIH) foi isolado, pela primeira vez, nos laboratórios do Instituto Pasteur, em 1983.

A vacinação tem registado progressos notáveis, graças à escola francesa e à alemã. O final do século XIX e o início do século XX foram de verdadeiro florescimento pela descoberta de inúmeros bacilos. Robert Koch descobriu, em 1882, o bacilo da tuberculose e Nicolaier, descobriu, em 1885, o bacilo tetânico. E desenvolveram-se vacinas contra doenças infeciosas como a tuberculose, a difteria, o tétano e a febre-amarela. Após a II Guerra Mundial, foram desenvolvidas vacinas contra a poliomielite (causada por um enterovírus), o sarampo, a papeira (parotidite) e a rubéola. Apareceu a vacina contra as diversas estirpes de vírus da gripe. E, nos últimos dois anos, surgiram as vacinas contra o SARS CoV-2, embora com muitas incertezas.

***

Sendo possível, há que seguir a máxima “Mais vale prevenir que remediar”. Porque não?!

2022.06.11 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário