terça-feira, 21 de junho de 2022

Portugal e Espanha fixam teto de preços e Mibel surpreende no lucro

 

Apesar de os sistemas elétricos de Portugal e Espanha haverem estreado um novo mecanismo de limitação de preços (que vigorará por 12 meses), os números do primeiro dia acusam benefícios residuais para os consumidores. Com efeito, a limitação de custos no mercado ibérico de eletricidade (Mibel), mediante um preço de referência para as centrais de ciclo combinado a gás natural, fez baixar o preço grossista diário da eletricidade na Península. Porém, a compensação a entregar a essas centrais pela limitação administrativa terá um custo substancial.

O preço grossista da eletricidade contratada a 15 de junho, dia de estreia do novo mecanismo de limitação dos custos das centrais a gás, baixou 22%, ou quase 50 euros por megawatt hora (MWh), face ao da energia contratada na véspera. Mas tal benefício, aproveitável por quem tenha tarifas de energia indexadas ao mercado grossista (em Portugal, ocorre sobretudo na indústria e em alguns milhares de clientes domésticos, quando tem muito maior expressão em Espanha), será quase anulado pela rubrica de ajustes, estreada com o início desta intervenção.

O preço dos ajustes para o referido dia 15, segundo a plataforma OMIE (Operador do Mercado Ibérico de Eletricidade), cifra-se em 59 euros por MWh, o equivalente a 5,9 cêntimos por kilowatt hora (kWh), que os comercializadores de eletricidade pagarão e repercutirão nos clientes com tarifas indexadas ao mercado grossista, a acrescer ao preço diário, que, no dia em referência, baixou 48 euros, para 165,59 euros por MWh (redução de 4,8 cêntimos por kWh).

Nestes termos, o ajuste (59 euros por MWh) foi maior do que a redução no preço diário grossista, ou seja, menos 48 euros por MWh do que os 214 euros por MWh do dia 14. Todavia, o volume de eletricidade de centrais a gás foi maior por causa da significativa redução da produção eólica. Este maior recurso às centrais a gás provoca um disparo do preço grossista da eletricidade.

Assim, o preço médio daquele dia foi o mais baixo desde o início do mês, apesar de o volume de eletricidade a gerar em centrais de ciclo combinado a gás natural ser o mais alto do corrente mês.

Para Ricardo Nunes, presidente da Acemel (Associação dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado), separar o gás da produção de eletricidade não é errado e faz mais sentido quando o preço do gás tem valores incrivelmente altos, quer pela pressão da transição energética, quer pelo conflito na Ucrânia. No entanto, é duvidosa a eficácia da intervenção dos governos ibéricos, pois, na opinião deste dirigente associativo, os riscos da medida são muitos, sejam eles operacionais, com os agentes a ajustarem os comportamentos, sejam de mercado, pois medidas temporárias e avulsas trazem instabilidade e riscos de reputação ao Mibel, podendo “afastar investidores internacionais que veem a estabilidade regulatória como um ativo decisivo para os seus investimentos”. Por isso, para os consumidores, serão mais eficazes e mais percetíveis medidas diretas de apoio ao consumo, como o cheque energia ou a redução fiscal.

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Entretanto, numa só noite choveu um lucro de €600 mil para a produção hidroelétrica. Com efeito, na noite de 15 de junho, no mercado ibérico de eletricidade, alguém vendeu energia hídrica em Portugal a 1200 euros por MWh, durante 4 horas, mais do sêxtuplo do preço médio diário, com a EDP a rejeitar responsabilidades.

Isto vem, segundo os observadores, na linha do que se fala, há meses, sobre windfall profits, ou seja, ganhos surpreendentes e inexplicados, entre alguns produtores de eletricidade que vêm faturando elevadas somas à boleia dos preços elevados das centrais alimentadas a gás natural.

Os dados do OMIE, bem como as transações no mercado intradiário, revelam que, numa das sessões daquela semana, o preço intradiário em Portugal se fixou em exatos 1200 euros por MWh entre as 20h e as 24h de 15 de junho, enquanto o preço, em Espanha, oscilou entre 339 e 183 euros por MWh. E, logo na primeira hora de 16 de junho, o preço intradiário foi igual nos dois países (263,95 euros por MWh) e permaneceu sem diferenças entre os dois mercados no resto do dia, com o mínimo de 166 euros por MWh pelas 19 horas e a média de 180 euros por MWh, não longe do preço médio diário na contratação diária, que foi de 171 euros por MWh.

Há quem sugira que o susodito disparo de preços estará relacionado com uma necessidade urgente de algum comercializador de cobrir uma posição para a qual estaria descoberto, ou com uma ação especulativa de traders no mercado. Contudo, um outro fator ajuda a enquadrar tal variação: entre as 20 e as 24 horas de 15 de junho, a capacidade comercial de exportação de eletricidade de Espanha para Portugal esteve saturada, atingindo o limite fixado pelos operadores da rede elétrica para aquelas horas, ao passo que, em todas as horas do dia 16 de junho, a interligação entre Espanha e Portugal foi operada sem esgotar a capacidade disponível.

É de recordar que, a 15 de junho, arrancou o novo mecanismo ibérico de limitação do preço das centrais a gás natural, que veio condicionar as ofertas diárias no mercado mediante a criação de um preço de referência para o gás. E o objetivo desta intervenção governamental é travar os ganhos que alguns produtores vêm tendo, há meses, ao receberem pela eletricidade o preço cobrado pelas centrais a gás, apesar de não estarem sujeitos ao preço deste combustível.

A EDP, que detém a maior parte da capacidade hídrica em Portugal, rejeita responsabilidades naqueles preços do mercado intradiário de 1200 euros por MWh, visto que “o preço em causa não foi determinado por qualquer oferta de centrais hidroelétricas da EDP”.

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Quer dizer: os governos estabelecem a limitação de preços em situação de crise, mas os produtores e comercializadores podem ganhar mais, os consumidores virão a pagar, no futuro, as diferenças de preço ora estabelecidas e ninguém sabe explicar o que se passa. Que faz o regulador?  

2022.06.21 – Louro de Carvalho

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