Apesar de os sistemas elétricos de Portugal e Espanha haverem estreado um
novo mecanismo de limitação de preços (que vigorará por 12 meses), os números
do primeiro dia acusam benefícios residuais para os consumidores. Com efeito, a
limitação de custos no mercado ibérico de eletricidade (Mibel), mediante um
preço de referência para as centrais de ciclo combinado a gás natural, fez
baixar o preço grossista diário da eletricidade na Península. Porém, a
compensação a entregar a essas centrais pela limitação administrativa terá um
custo substancial.
O preço grossista da eletricidade contratada a 15 de
junho, dia de estreia do novo mecanismo de limitação dos custos das centrais a
gás, baixou 22%, ou quase 50 euros por megawatt hora (MWh), face ao da energia
contratada na véspera. Mas tal benefício, aproveitável por quem tenha tarifas
de energia indexadas ao mercado grossista (em Portugal, ocorre sobretudo na
indústria e em alguns milhares de clientes domésticos, quando tem muito maior expressão
em Espanha), será quase anulado pela rubrica de ajustes, estreada com o início
desta intervenção.
O preço dos ajustes para o referido dia 15, segundo a
plataforma OMIE (Operador do Mercado Ibérico de Eletricidade), cifra-se em 59
euros por MWh, o equivalente a 5,9 cêntimos por kilowatt hora (kWh), que os
comercializadores de eletricidade pagarão e repercutirão nos clientes com
tarifas indexadas ao mercado grossista, a acrescer ao preço diário, que, no dia
em referência, baixou 48 euros, para 165,59 euros por MWh (redução de 4,8
cêntimos por kWh).
Nestes termos, o ajuste (59 euros por MWh) foi maior
do que a redução no preço diário grossista, ou seja, menos 48 euros por MWh do
que os 214 euros por MWh do dia 14. Todavia, o volume de eletricidade de
centrais a gás foi maior por causa da significativa redução da produção eólica.
Este maior recurso às centrais a gás provoca um disparo do preço grossista da
eletricidade.
Assim, o preço médio daquele dia foi o mais baixo desde o início do mês,
apesar de o volume de eletricidade a gerar em centrais de ciclo combinado a gás
natural ser o mais alto do corrente mês.
Para Ricardo Nunes, presidente da Acemel (Associação
dos Comercializadores de Energia no Mercado Liberalizado), separar o gás da
produção de eletricidade não é errado e faz mais sentido quando o preço do gás
tem valores incrivelmente altos, quer pela pressão da transição energética,
quer pelo conflito na Ucrânia. No entanto, é duvidosa a eficácia da intervenção
dos governos ibéricos, pois, na opinião deste dirigente associativo, os riscos
da medida são muitos, sejam eles operacionais, com os agentes a ajustarem os comportamentos,
sejam de mercado, pois medidas temporárias e avulsas trazem instabilidade e
riscos de reputação ao Mibel, podendo “afastar investidores internacionais que
veem a estabilidade regulatória como um ativo decisivo para os seus
investimentos”. Por isso, para os consumidores, serão mais eficazes e mais percetíveis
medidas diretas de apoio ao consumo, como o cheque energia ou a redução fiscal.
***
Entretanto, numa
só noite choveu um lucro de €600 mil para a produção hidroelétrica. Com efeito,
na noite de 15 de junho, no mercado ibérico de eletricidade, alguém
vendeu energia hídrica em Portugal a 1200 euros por MWh, durante 4 horas, mais
do sêxtuplo do preço médio diário, com a EDP a rejeitar responsabilidades.
Isto vem, segundo os observadores, na linha do que se
fala, há meses, sobre windfall profits, ou seja, ganhos surpreendentes
e inexplicados, entre alguns produtores de eletricidade que vêm faturando
elevadas somas à boleia dos preços elevados das centrais alimentadas a gás
natural.
Os dados do OMIE, bem como as transações no mercado intradiário, revelam
que, numa das sessões daquela semana, o preço intradiário em Portugal se fixou
em exatos 1200 euros por MWh entre as 20h e as 24h de 15 de junho, enquanto o
preço, em Espanha, oscilou entre 339 e 183 euros por MWh. E, logo na primeira
hora de 16 de junho, o preço intradiário foi igual nos dois países (263,95
euros por MWh) e permaneceu sem diferenças entre os dois mercados no resto do
dia, com o mínimo de 166 euros por MWh pelas 19 horas e a média de 180 euros
por MWh, não longe do preço médio diário na contratação diária, que foi de 171
euros por MWh.
Há quem sugira que o susodito disparo de preços estará relacionado com uma
necessidade urgente de algum comercializador de cobrir uma posição para a qual
estaria descoberto, ou com uma ação especulativa de traders no mercado. Contudo, um outro fator ajuda
a enquadrar tal variação: entre as 20 e as 24 horas de 15 de junho, a
capacidade comercial de exportação de eletricidade de Espanha para Portugal
esteve saturada, atingindo o limite fixado pelos operadores da rede elétrica
para aquelas horas, ao passo que, em todas as horas do dia 16 de junho, a
interligação entre Espanha e Portugal foi operada sem esgotar a capacidade
disponível.
É de recordar que, a 15 de junho, arrancou o novo mecanismo ibérico de
limitação do preço das centrais a gás natural, que veio condicionar as ofertas
diárias no mercado mediante a criação de um preço de referência para o gás. E o
objetivo desta intervenção governamental é travar os ganhos que alguns
produtores vêm tendo, há meses, ao receberem pela eletricidade o preço cobrado
pelas centrais a gás, apesar de não estarem sujeitos ao preço deste
combustível.
A EDP, que detém a maior parte da capacidade hídrica em Portugal, rejeita responsabilidades
naqueles preços do mercado intradiário de 1200 euros por MWh, visto que “o preço
em causa não foi determinado por qualquer oferta de centrais hidroelétricas da
EDP”.
***
Quer dizer: os governos estabelecem a limitação de preços em situação de
crise, mas os produtores e comercializadores podem ganhar mais, os consumidores
virão a pagar, no futuro, as diferenças de preço ora estabelecidas e ninguém
sabe explicar o que se passa. Que faz o regulador?
2022.06.21 – Louro de Carvalho
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