quarta-feira, 15 de junho de 2022

A guerra na Ucrânia pode acelerar a redução do uso de plástico

 

O plástico entrou no quotidiano e perpassa a economia mundial, de tal modo que, ao invés do que pretendem os ambientalistas, os investigadores sustentam que não é possível viver sem ele, embora admitam que a guerra na Ucrânia acelerará a redução do seu uso.

O termo ‘plástico’ origina-se do Grego plastikós, que exprime a caraterística dos materiais quanto a moldabilidade (mudança de forma física) e serve para identificar materiais que podem ser moldados através de alterações de condições de pressão e calor ou por reações químicas.

O primeiro acontecimento que levou à descoberta dos plásticos foi o desenvolvimento do sistema de vulcanização, por Charles Goodyear, em 1839, adicionando enxofre à borracha bruta, para a tornar mais resistente ao calor. A seguir, veio a criação do trinitrocelulose, em 1846, por Christian

Schönbein, com a adição de ácido sulfúrico e de ácido nítrico ao algodão. O nitroceluloide, altamente explosivo, passou a ser utilizado como alternativa à pólvora. Depois, desenvolveu-se o celuloide com a adição da cânfora, que se tornou matéria-prima na fabricação de filmes fotográficos, bolas de bilhar, placas dentárias e bolas de pingue-pongue.

Em 1907, Leo Baekeland criou a baquelite, primeiro polímero sintético, considerado o primeiro plástico. Resultava da reação entre fenol e formaldeído e tornou-se útil pela dureza e pela resistência ao calor e à eletricidade. Na década de 1930, foi criado um novo tipo de plástico: a poliamida, comercialmente chamada de Nylon. Após a II Guerra Mundial, foram criados outros, como o dácron o isopor, o poliestireno, o polietileno e o vinil. E os plásticos se difundiram no cotidiano das pessoas de tal forma a não ser possível imaginar o mundo de hoje sem eles.

Em 2018, foi inventado um tipo de plástico que teoricamente pode ser reciclado “infinitamente”.

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Os governos, em Portugal, a partir da entrada da troika no país, por via legislativa, sobretudo pela incidência de imposto sobre produtos derivados do petróleo, entre os quais os plásticos, pela proibição de oferta de sacos feitos desse material, por parte dos comerciantes, e pela promoção do uso de material reciclado, estavam a conseguir uma grande redução do uso do plástico, à semelhança do que vinha acontecendo em todo o mundo, pelo menos relativamente aos plásticos descartáveis. Entretanto, surgiu a pandemia de covid-19 e parece retomar-se o uso do plástico, graças aumento do serviço take-away e à implantação de acrílicos em muitas instalações de atendimento ao público. Se a guerra potenciar a redução do usso destes materiais, será boa notícia.

A grande preocupação é com os microplásticos encontrados no sangue humano, mas os cientistas advertem para a existência de muitas mais substâncias indevidas a circular nos vasos sanguíneos, permanecendo algumas pela vida inteira.

O uso de plástico é tão recorrente que já se encontraram  microplásticos no gelo da Antártida, em órgãos de animais das fossas oceânicas mais profundas e na água potável de todo o mundo.

Agora, consideram os investigadores que a guerra na Ucrânia, por envolver um país produtor de alimentos (o invadido) e outro que é exportador de petróleo, pode ser um ponto de viragem.

Stuart Walker, investigador da Universidade de Exeter, em Inglaterra, observando o plástico feito de petróleo, refere que, embora este represente menos de 6% do uso global, “podemos observar um limite no fornecimento para produção de plástico, porque o que está disponível será redirecionado para usos mais críticos”. E, observando que ainda não vimos esse efeito, diz que isso pode acelerar a substituição do uso de plástico na indústria alimentar, pois, ficando o plástico mais caro e mais difícil de obter, tornar-se-ão viáveis opções que, dantes, eram tidas como caras. Tal como a covid-19 nos obrigou à adaptação rápida ao trabalho em casa, “um súbito choque com o petróleo pode forçar-nos a adaptar-nos a viver sem plástico descartável”.

Não obstante, parece estranho aos estudiosos um mundo inteiramente sem plásticos. O predito investigador, que trabalhou num projeto de inovação para a remoção de plásticos, diz que estes não serão eliminados nas áreas em que o plástico é fundamental para a preservação da vida, mas sê-lo-ão nas “embalagens desnecessárias” e “descartáveis”. Além disso, os bens de consumo devem ser reduzidos, devido à guerra e às sanções associadas.

Um dos efeitos da guerra tem sido a escassez alimentar. O plástico, que, segundo a organização britânica WRAP dedicada à redução de resíduos, prolonga a vida útil dos brócolos por uma semana, quando mantidos no frigorífico, e das bananas entre 1 e 8 dias, à temperatura ambiente, poderá ajudar a reduzir o desperdício alimentar. E Stuart Walker divisa uma relação entre a utilização de plástico e a redução do desperdício de alimentos, mas entende que, “em muitos casos, a solução atual é impulsionada pelo custo”, ou seja, se o plástico descartável se tornar difícil de obter, “poderão competir financeiramente” opções mais sustentáveis.

Walker preconiza um plano de redução do uso de plásticos em cinco passos. Desde logo, importa remover o plástico, mesmo por via legislativa, onde ele não for necessário. Depois, é de ponderar se o plástico restante é reutilizável e, se não o for, ao menos, que se recicle, pois a reciclagem é melhor do que o descarte, que termina, muitas vezes, em incineração e libertação de gases de efeito de estufa. Mas, no dizer do investigador, é preferível à reciclagem a mudança do plástico de uso único para o plástico reutilizável, visto que o plástico se degrada cada vez que é reciclado. Portanto, reutilizá-lo sem a necessidade de o derreter e remodelar prolonga a sua durabilidade. E isso pode assumir várias formas, sendo uma delas o reabastecimento de recipientes de alimentos para evitar plásticos descartáveis​. Outro passo é substituir o plástico fóssil por bioplástico, onde puder ser recolhido e descartado corretamente, devendo o plástico restante ser reciclado. Deverá haver desincentivos financeiros ao plástico descartável ou ao plástico que não possa ser reciclado. E, por fim, é preciso descartar o plástico restante com a melhor tecnologia disponível.

Walker não defende a eliminação cega do plástico, mas com avaliação dos seus efeitos, pois, se levar ao aumento no desperdício de alimentos ou na probabilidade de danos a um produto ou a impactos na saúde, tais efeitos devem ser quantificados e compensados, ​​ponderação de que poderá resultar “apenas uma redução de plástico”. Na verdade, o uso deste material é necessário em determinadas áreas e a pressa de o reduzir pode levar a esquecimento de que tem “propriedades únicas”, como a “combinação de leveza e resistência”, que permitem o fabrico de produtos como os capacetes. E são de ter em conta as vantagens do plástico nos hospitais, sobretudo pelas propriedades de barreira, possibilitando uma maior proteção, por exemplo nas cirurgias.

Eleni Iacovidou, investigadora da área de gestão ambiental na Universidade de Brunel (Londres), estudando a prevenção do desperdício alimentar e sistemas e métodos de armazenamento mais sustentável, acredita que, em muitos setores, o uso de plásticos é indispensável, desde as embalagens de alimentos à eletrónica e ao automóvel, devido às suas propriedades e às suas funcionalidades incomparáveis, nomeadamente em segurança, comodidade e preços acessíveis. Não é realista substituir todos os plásticos em ambiente hospitalar. São necessários novos materiais para substituir as funções que os componentes e produtos plásticos fornecem, mas tais inovações ainda não foram desenvolvidas a ponto de poder fazer mudanças importantes.

Só há poucos anos, os cientistas começaram a avaliar a presença de microplásticos no meio ambiente e em seres humanos. O primeiro estudo a provar a existência destas substâncias no sangue humano é deste ano e conclui que os microplásticos foram encontrados em 80% das pessoas testadas, mas é provável que venham a ser conduzidas no futuro mais investigações, para apurar a extensão dos danos na saúde.

Anna Lennquist, toxicologista da ChemSec, organização ambiental sem fins lucrativos da Suécia que se dedica a acelerar mudanças na legislação para a composição de bens de consumo, garante que podem ser encontradas no sangue humano algumas centenas de produtos químicos. Alguns permanecem “toda a vida” na corrente sanguínea. Assim, produtos químicos proibidos há décadas na União Europeia, ainda se encontram em pessoas idosas. Há produtos químicos que se degradam mais rapidamente, mas aos quais o ser humano está exposto com tanta frequência que se encontram frequentemente no sangue, como bisfenóis e ftalatos. Os resíduos plásticos estão tão presentes que os investigadores sugerem que o material pode ser usado como um indicador geológico do antropocénico (o período mais recente na história da Terra, em que as atividades humanas começaram a ter impacto global significativo no clima nos ecossistemas).

Não há consenso científico em torno dos efeitos destas substâncias, mas apontam-se o cancro, as alergias e a obesidade. A União Europeia está a rever algumas normas de composição de produtos no mercado, mas os especialistas acreditam que parece impensável o mundo sem plásticos. Por isso, Anna Lennquist aconselha a compra de alimentos orgânicos; desaconselha o aquecimento de alimentos em plásticos, os plásticos especialmente macios e os produtos perfumados; recomenda a procura de produtos de higiene com rótulo ecológico e a aquisição apenas dos que realmente se precisa; alerta a que não se deixem crianças pequenas brincar com e levar à boca coisas não rotuladas como brinquedos; e urge a lavagem de tecidos antes da primeira utilização.

Enfim, combate ao plástico, mas ponderada e seletiva. Não vá o bebé com a água do banho!

2022.06.15 – Louro de Carvalho

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