O plástico entrou no quotidiano e perpassa a economia mundial, de tal modo
que, ao invés do que pretendem os ambientalistas, os investigadores sustentam
que não é possível viver sem ele, embora admitam que a guerra na Ucrânia
acelerará a redução do seu uso.
O
termo ‘plástico’ origina-se do Grego plastikós, que exprime a caraterística
dos materiais quanto a moldabilidade (mudança de forma física) e serve para
identificar materiais que podem ser moldados através de alterações de condições
de pressão e calor ou por reações químicas.
O
primeiro acontecimento que levou à descoberta dos plásticos foi o
desenvolvimento do sistema de vulcanização, por Charles Goodyear, em
1839, adicionando enxofre à borracha bruta, para a tornar mais resistente
ao calor. A seguir, veio a criação do trinitrocelulose, em 1846, por Christian
Schönbein,
com a adição de ácido sulfúrico e de ácido nítrico ao algodão. O
nitroceluloide, altamente explosivo, passou a ser utilizado como alternativa
à pólvora. Depois, desenvolveu-se o celuloide com a adição da cânfora,
que se tornou matéria-prima na fabricação de filmes fotográficos,
bolas de bilhar, placas dentárias e bolas de pingue-pongue.
Em
1907, Leo Baekeland criou a baquelite, primeiro polímero sintético,
considerado o primeiro plástico. Resultava da reação entre fenol e
formaldeído e tornou-se útil pela dureza e pela resistência ao calor e
à eletricidade. Na década de 1930, foi criado um novo tipo de plástico:
a poliamida, comercialmente chamada de Nylon. Após a II
Guerra Mundial, foram criados outros, como o dácron o isopor, o
poliestireno, o polietileno e o vinil. E os plásticos se difundiram no
cotidiano das pessoas de tal forma a não ser possível imaginar o mundo de hoje
sem eles.
Em
2018, foi inventado um tipo de plástico que teoricamente pode ser reciclado
“infinitamente”.
***
Os governos, em Portugal, a partir da entrada da troika no país, por via
legislativa, sobretudo pela incidência de imposto sobre produtos derivados do
petróleo, entre os quais os plásticos, pela proibição de oferta de sacos feitos
desse material, por parte dos comerciantes, e pela promoção do uso de material
reciclado, estavam a conseguir uma grande redução do uso do plástico, à
semelhança do que vinha acontecendo em todo o mundo, pelo menos relativamente
aos plásticos descartáveis. Entretanto, surgiu a pandemia de covid-19 e parece
retomar-se o uso do plástico, graças aumento do serviço take-away e à implantação de acrílicos em muitas instalações de
atendimento ao público. Se a guerra potenciar a redução do usso destes
materiais, será boa notícia.
A grande preocupação é com os microplásticos encontrados no sangue humano, mas
os cientistas advertem para a existência de muitas mais substâncias indevidas a
circular nos vasos sanguíneos, permanecendo algumas pela vida inteira.
O uso de plástico é tão recorrente que já se encontraram microplásticos
no gelo da Antártida, em órgãos de animais das fossas oceânicas mais
profundas e na água potável de todo o mundo.
Agora, consideram os investigadores que a guerra na Ucrânia, por envolver
um país produtor de alimentos (o invadido) e outro que é exportador de petróleo,
pode ser um ponto de viragem.
Stuart Walker, investigador da Universidade de Exeter, em Inglaterra,
observando o plástico feito de petróleo, refere que, embora este represente menos
de 6% do uso global, “podemos observar um limite no fornecimento para produção
de plástico, porque o que está disponível será redirecionado para usos mais
críticos”. E, observando que ainda não vimos esse efeito, diz que isso pode
acelerar a substituição do uso de plástico na indústria alimentar, pois,
ficando o plástico mais caro e mais difícil de obter, tornar-se-ão viáveis opções
que, dantes, eram tidas como caras. Tal como a covid-19 nos obrigou à adaptação
rápida ao trabalho em casa, “um súbito choque com o petróleo pode forçar-nos a
adaptar-nos a viver sem plástico descartável”.
Não obstante, parece estranho aos estudiosos um mundo inteiramente sem
plásticos. O predito investigador, que trabalhou num projeto de inovação para a
remoção de plásticos, diz que estes não serão eliminados nas áreas em que o
plástico é fundamental para a preservação da vida, mas sê-lo-ão nas “embalagens
desnecessárias” e “descartáveis”. Além disso, os bens de consumo devem ser
reduzidos, devido à guerra e às sanções associadas.
Um dos efeitos da guerra tem sido a escassez alimentar. O plástico, que, segundo
a organização britânica WRAP dedicada à redução de resíduos, prolonga a vida
útil dos brócolos por uma semana, quando mantidos no frigorífico, e das bananas
entre 1 e 8 dias, à temperatura ambiente, poderá ajudar a reduzir o desperdício
alimentar. E Stuart Walker divisa uma relação entre a utilização de plástico e
a redução do desperdício de alimentos, mas entende que, “em muitos casos, a
solução atual é impulsionada pelo custo”, ou seja, se o plástico descartável se
tornar difícil de obter, “poderão competir financeiramente” opções mais
sustentáveis.
Walker preconiza um plano de redução do uso de plásticos em cinco passos. Desde
logo, importa remover o plástico, mesmo por via legislativa, onde ele não for
necessário. Depois, é de ponderar se o plástico restante é reutilizável e, se
não o for, ao menos, que se recicle, pois a reciclagem é melhor do que o
descarte, que termina, muitas vezes, em incineração e libertação de gases de
efeito de estufa. Mas, no dizer do investigador, é preferível à reciclagem a
mudança do plástico de uso único para o plástico reutilizável, visto que o plástico
se degrada cada vez que é reciclado. Portanto, reutilizá-lo sem a necessidade
de o derreter e remodelar prolonga a sua durabilidade. E isso pode assumir
várias formas, sendo uma delas o reabastecimento de recipientes de alimentos
para evitar plásticos descartáveis. Outro passo é substituir o plástico fóssil
por bioplástico, onde puder ser recolhido e descartado corretamente, devendo o
plástico restante ser reciclado. Deverá haver desincentivos financeiros ao plástico
descartável ou ao plástico que não possa ser reciclado. E, por fim, é preciso
descartar o plástico restante com a melhor tecnologia disponível.
Walker não defende a eliminação cega do plástico, mas com avaliação dos seus
efeitos, pois, se levar ao aumento no desperdício de alimentos ou na
probabilidade de danos a um produto ou a impactos na saúde, tais efeitos devem
ser quantificados e compensados, ponderação de que poderá resultar “apenas
uma redução de plástico”. Na verdade, o uso deste material é necessário em determinadas
áreas e a pressa de o reduzir pode levar a esquecimento de que tem “propriedades
únicas”, como a “combinação de leveza e resistência”, que permitem o fabrico de
produtos como os capacetes. E são de ter em conta as vantagens do plástico nos
hospitais, sobretudo pelas propriedades de barreira, possibilitando uma maior
proteção, por exemplo nas cirurgias.
Eleni Iacovidou, investigadora da área de gestão ambiental na Universidade
de Brunel (Londres), estudando a prevenção do desperdício alimentar e sistemas
e métodos de armazenamento mais sustentável, acredita que, em muitos setores, o
uso de plásticos é indispensável, desde as embalagens de alimentos à eletrónica
e ao automóvel, devido às suas propriedades e às suas funcionalidades
incomparáveis, nomeadamente em segurança, comodidade e preços acessíveis. Não é
realista substituir todos os plásticos em ambiente hospitalar. São necessários novos
materiais para substituir as funções que os componentes e produtos plásticos
fornecem, mas tais inovações ainda não foram desenvolvidas a ponto de poder
fazer mudanças importantes.
Só há poucos anos, os cientistas começaram a avaliar a presença de
microplásticos no meio ambiente e em seres humanos. O primeiro estudo a provar a
existência destas substâncias no sangue humano é deste ano e conclui que
os microplásticos foram encontrados em 80% das pessoas testadas, mas é provável
que venham a ser conduzidas no futuro mais investigações, para apurar a
extensão dos danos na saúde.
Anna Lennquist, toxicologista da ChemSec, organização ambiental sem fins
lucrativos da Suécia que se dedica a acelerar mudanças na legislação para a
composição de bens de consumo, garante que podem ser encontradas no sangue
humano algumas centenas de produtos químicos. Alguns permanecem “toda a vida”
na corrente sanguínea. Assim, produtos químicos proibidos há décadas na União Europeia,
ainda se encontram em pessoas idosas. Há produtos químicos que se degradam mais
rapidamente, mas aos quais o ser humano está exposto com tanta frequência que
se encontram frequentemente no sangue, como bisfenóis e ftalatos. Os resíduos
plásticos estão tão presentes que os investigadores sugerem que o material pode
ser usado como um indicador geológico do antropocénico (o período mais recente
na história da Terra, em que as atividades humanas começaram a ter impacto
global significativo no clima nos ecossistemas).
Não há consenso científico em torno dos efeitos destas substâncias, mas apontam-se
o cancro, as alergias e a obesidade. A União Europeia está a rever algumas normas
de composição de produtos no mercado, mas os especialistas acreditam que parece
impensável o mundo sem plásticos. Por isso, Anna Lennquist aconselha a compra
de alimentos orgânicos; desaconselha o aquecimento de alimentos em plásticos,
os plásticos especialmente macios e os produtos perfumados; recomenda a procura
de produtos de higiene com rótulo ecológico e a aquisição apenas dos que realmente
se precisa; alerta a que não se deixem crianças pequenas brincar com e levar à
boca coisas não rotuladas como brinquedos; e urge a lavagem de tecidos antes da
primeira utilização.
Enfim,
combate ao plástico, mas ponderada e seletiva. Não vá o bebé com a água do
banho!
2022.06.15 – Louro de Carvalho
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