Muita
gente, mesmo cultural e politicamente cotada, usa, a cada passo, a expressão “a
par e passo”, que não faz sentido, se olharmos, atentamente, para a expressão.
Acompanhar
uma pessoa a par dela é possível e é sinal de igualdade existencial e de
estatuto. E acompanhá-la a passo faz sentido, se ela andar a pé, ou seja, a
caminhar, a marchar. Querer dizer tudo de uma vez ou é confusão ou é, por
benevolência, inútil redundância.
A
susodita expressão é tradução atabalhoada da expressão latina “pari passu” (no
ablativo do singular masculino), que se deve traduzir por “a passo igual” (do nome
latino “passus, us”, “passo”; e do adjetivo uniforme de segunda classe “par,
paris”, “igual”), isto é ao mesmo ritmo, com a mesma velocidade. Assim, quem
acompanha alguém pari passu vai ao
seu lado, ombro a ombro, não vai mais adiante nem mais atrás, não se antecipa,
não se retarda, não se sobrepõe, não ofusca. E o que se diz do acompanhamento a
uma pessoa, diz-se, por extensão, de um animal de um acontecimento ou de um processo.
O
mencionado adjetivo “par, paris” significa: igual em força ou mérito, igual em
idade, rival, semelhante, conveniente, justo, capaz de, que faz parelha ou par com,
que resiste. E, empregue substantivamente, ou seja, como nome (masculino e feminino),
significa: companheiro ou companheira, macho ou fêmea num casal, companheiro ou
companheira da mesma categoria.
Por
seu turno, o nome “passus, us” (masculino, da 4.ª declinação) significa, neste
contexto, afastamento das pernas, espaço compreendido entre as pernas por causa
do seu afastamento, passo, medida de comprimento (equivalente a cinco pés
romanos), pegada. Formou-se a partir do verbo “pando, pandis, pandere, pandi,
passum ou pansum”, que significa estender, desdobrar, desenrolar, deixar ver, revelar.
Daqui vem a nossa palavra “expansão” e as cognatas lexicais. E o verbo “pandere”
tem um supino “passum” ou “pansum” de que se formou o particípio passado e o
adjetivo verbal “passus, a, um” (estendido, desdobrado, espalhado, solto, seco
ao sol).
O
“passo” de que estamos a falar é diferente do “passo” ou dos “passos” de Cristo,
desde a agonia orante no Horto das Oliveiras até ao transe da cruz, no Calvário
ou Gólgota. O Senhor do Passos não é só o que anda, mas é sobretudo o que
sofre, embora esse sofrimento implique passos de marcha e deixe pegada. Este nome
latino “passus, us” (homónimo do anterior) forma-se do verbo depoente “patior,
pateris, pati, passus sum”, que significa: sofrer, suportar, aturar, tolerar, permitir,
consentir, admitir, ser passivo.
O
particípio passado e o adjetivo verbal “passus, a, um” significam: que sofreu,
que tolerou, que permitiu. E o nome “passus, us” quer dizer sofrimento. Daqui vêm
as palavras “paixão” (passio, onis) e
“paciência” (no Latim, patientia, ae)
e as cognatas, como “apaixonar-se”, “paixoneta”, “passional”, “paciente”, etc.
E,
passando da homonímia à homofonia, havemos de convir em que o “passo”, de quem
anda ou de quem mede, e o “passo”, de quem sofre, são bem diferentes, exceto na
pronúncia, do “paço”, edifício onde habita a corte imperial ou a corte régia,
ou o alto dignitário do clero ou da nobreza. Este forma-se do nome latino “palatium,
ii”, que era o monte Palatino (a mais alta das colinas de Roma) e passou a ser
a habitação dos Césares em Roma e, por extensão, palácio imperial, que ficava
no referido monte, ou, simplesmente, palácio.
Deste
nome derivou o adjetivo de primeira classe “palatinus, a, um”, que significa “do
monte Palatino” ou do “palácio dos Césares”, bem como o nome neutro “palatinum,
i”, a significar “oficial do palácio imperial”.
Na
Língua Portuguesa temos as palavras alótropas ou divergentes “palácio” e “paço”,
sendo a primeira formada a partir de “palatium” por via erudita (diretamente do
étimo, só com a apócope do “m” final e com a sujeição à pronúncia da Língua Portuguesa)
e a segunda, por via popular (tendo o étimo passado par várias transformações
fonéticas, nomeadamente a síncope do “l”, a crase dos “aa” e a palatalização da
sílaba “ti”). Assim, apesar de o étimo ser o mesmo (“palatium”), há diferença
de significado: as grandes mansões imperiais, régias ou republicanas denominam-se
palácios, ao passo que as demais casas apalaçadas se denominam de paços (paço
ducal, paço condal, paço episcopal e a pluriária paços do concelho). Às vezes,
empregam-se indistintamente.
Resta
mencionar as palavras “paçô” (presente na toponímia) e “palacete”. A primeira
formou-se do nome latino “palatiolum, ii” (diminutivo de “palatium”), a
significar “pequeno palácio”, enquanto a segunda se formou do nome “palácio”.
Podia ser “palaciozinho” ou “palacinho”, “palacito”, “palacico” ou “palaceco”, mas
estas não estão dicionarizadas.
***
Por
tudo isto, sugiro que andem comigo “pari passu”, pois, assim me acompanharão
nas passadas em jeito de igualdade ou paridade e de solidariedade para comigo,
se tiver passos sofridos. Até conviveriam comigo, se eu vivesse num palácio ou paço
e até num palacete. E não se esqueçam de acompanhar “pari passu” os acontecimentos
e os processos em que estão interessados por dever ou benefício para que nada
escape ao devido controlo e se colham as lições de vida que deles podemos
auferir. “Pari passu”, que é certo, e não “a par e passo”, que é uma enormidade
desnecessária.
A
bem da Língua Portuguesa!
2022.06.28 – Louro de Carvalho
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