É um alerta de Luís Neves, diretor da Polícia
Judiciária (PJ), na audição parlamentar dos chefes das polícias sobre a extinção
ou reestruturação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em que todos
disseram estar preparados para receber as novas competências e inspetores do
serviço a extinguir, mas sem nada saberem, em concreto, sobre quando, quantos, em que condições e quem
transitará. Os chefes das polícias foram ouvidos na primeira comissão
parlamentar, a dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a
requerimento do PSD a propósito do processo de reestruturação do SEF.
A extinção ou
reestruturação do SEF foi estabelecida pela Lei n.º 73/71, de 12 de novembro,
nos termos da qual, as atribuições de natureza policial passam para a Guarda
Nacional Republicana (GNR), para a Polícia de Segurança Pública (PSP) e para a Polícia Judiciária (PJ),
sendo as atribuições de natureza administrativa confiadas à Agência
Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA), a criar por decreto-lei, a publicar no prazo de 60
dias a contar da publicação da lei em referência, e ao Instituto dos
Registos e do Notariado, I. P. (IRN), no que respeita aos cidadãos estrangeiros
titulares de autorização de residência, nos termos a definir em diploma próprio
a aprovar pelo Governo, bem como no que se refere à emissão de passaportes,
aplicando-se, com as devidas adaptações, as normas em vigor.
Entretanto,
a Lei
n.º 89/2021, de 16 de dezembro, prorroga o prazo de entrada em
vigor da lei que aprova a reestruturação do sistema de controlo de fronteiras,
procedendo esta primeira alteração à lei em referência, à reformulação do
regime das forças e serviços que exercem a atividade de segurança interna e
fixando outras regras de reafetação de competências e recursos do SEF. A
justificação dada, ao tempo, prendia-se com o recrudescimento da covid-19.
Em maio, a Lei n.º 11/2022, de 6 de maio, altera o prazo
de produção de efeitos e constitui a segunda alteração à Lei n.º 73/71, de 12 de novembro, que aprova a reestruturação do sistema
português de controlo de fronteiras, procedendo à reformulação do regime das
forças e serviços que exercem a atividade de segurança interna e fixando outras
regras de reafetação de competências e recursos do SEF, alterada pela Lei n.º
89/2021, de 16 de dezembro. Um dos fatores que pesou foi o excessivo
tempo que decorreu para a entrada em funções na nova Assembleia da República,
por virtude das eleições antecipadas, e a repetição do ato eleitoral num dos círculos
eleitorais da emigração, imposto pelo Tribunal Constitucional (TC).
Agora, não
havendo pretexto para mais prorrogações e sendo já pacífica a reestruturação,
tanto o Governo como o Parlamento querem a concretização da reforma em tempos
discutida e decretada.
O diretor nacional da PJ, sustentando que a reestruturação
“é uma vantagem para a justiça, para
a investigação criminal, para a materialização da justiça e para o país”,
aponta o dedo ao SEF, que tem, alegadamente, 23 bases de dados com informações de nacionais e estrangeiros a
que a PJ não tem acesso para as suas investigações criminais. Por isso, esta
polícia tem de andar a pedir, o que se torna dramático pelo tempo, pela burocracia e pela demora. E Luís Neves adverte
que “é a investigação criminal que fica em causa quando a informação não é
partilhada rapidamente”.
O diretor
nacional da PJ respondia ao deputado social-democrata André Coelho Lima e
falava das vantagens que via na concentração na sua polícia da
investigação criminal relacionada com a imigração, que agora está com o SEF. E um dos pontos positivos que indicou foi, precisamente,
o facto de estar previsto que
estas bases de dados passem a estar à disposição das outras polícias (através
do Sistema de Segurança Interna – SSI).
Como exemplo
do problema da falta de informação, Luís Neves apontou que, se a PJ tiver “interceções
telefónicas numa investigação em curso e se quiser saber se determinado cidadão
está numa pensão ou num hotel, ou se esteve alojado, para saber onde o pode
procurar, a Polícia Judiciária não tem acesso a essa base de dados”. Referia-se
ao Sistema de Informação de Boletins de
Alojamento (SIBA), no qual está o registo de todos os hóspedes,
portugueses e estrangeiros.
Outras bases de dados que
estão com o SEF e cuja informação as forças de segurança só têm acesso mediante
pedido formal (o que nem sempre se coaduna com a urgência da investigação),
são, entre outras, o VIS – Sistema
de Informação de Vistos da União Europeia (UE); o SNV – Sistema Nacional de Vistos; o Eurodac, onde estão todos os registos
de impressões digitais partilhadas com as polícias da UE; o APIS – Sistema de Informação Antecipada
de Passageiros, que regista as informações que as transportadoras aéreas
facultam ao SEF sobre os estrangeiros que transportam para território nacional;
o Passe-Rapid, que regista
as entradas e saídas de estrangeiros em postos de fronteira; e o Sistema de
Passaportes, que regista todos os dados destes documentos. E o diretor nacional
da PJ não tem dúvidas sobre os benefícios em toda a linha da
centralização da investigação criminal numa só polícia. Não se trata de uma
vantagem para a PJ, mas “para a justiça,
para a
investigação criminal, para a materialização da justiça e para o país”. E aduziu: “Não somos um país rico, temos de
viver com os recursos que temos e, naturalmente, havendo a concentração da informação
e o acesso às bases de dados, as questões ficam facilitadas, sobretudo perde-se
a questão das sobreposições”.
Depois, frisou
que, havendo “matérias de concorrências, a investigação e o combate aos
fenómenos ficam a perder e é relevante
que se procure concentrar a questão dos indícios, da informação e da prova”.
Revelando que havia, neste momento, 735 investigações em curso no SEF, disse aos deputados que a PJ “conhece
as pessoas que trabalham na área da investigação”, sem, no entanto, saber
indicar (por não ter essa informação) o número certo de inspetores que iria
receber do SEF. E garantiu que a Judiciária está “preparada para receber
bem estas pessoas, que vêm, certamente, traumatizadas”, assegurando que as vai
manter a trabalhar perto dos seus locais de residência, “contanto que a PJ tenha
instalações nesses locais”.
Antes do
diretor nacional da PJ, também o diretor
nacional da PSP e o comandante-geral
da GNR disseram estar preparados para receber os inspetores do SEF
e as novas competências.
Aliás, superintendente-chefe
Magina da Silva lembrou que, em
2006, um estudo feito a pedido de António Costa, então Ministro da Administração
Interna, indicava como um dos cenários para a reorganização das polícias, a
integração do SEF na PSP. E anunciou que a PSP vai criar uma nova unidade orgânica de segurança aeroportuária
e de controlo fronteiriço, já que pretende que “todos os polícias que trabalham em ambiente aéreo portuário estejam
igualmente capacitados para desenvolver, [quer] funções de segurança
aeroportuária, quer funções de controlo fronteiriço”, o que “vai trazer uma
capacidade de gestão e mobilização de recursos humanos”. E realçou que a PSP precisa “da integração de pessoal do
SEF que traga conhecimento acumulado”.
Onde não
esteve bem, foi quando assegurou que os inspetores mantinham todos os seus
direitos, incluindo o direito à greve. Com efeito, o artigo 270.º da Constituição
da República Portuguesa não admite que os militares e os elementos das forças de
segurança exerçam o direito à greve.
Por seu
turno, o General Rui Clero, que
logrou sensibilizar a tutela para incluir no seu controlo das fronteiras
marítimas os terminais de cruzeiros, que o diploma de restruturação do SEF
atribui à PSP, também se mostrou otimista, dizendo que não se identificaram “problemas
de maior com o agregar destas responsabilidades”, em termos de meios ou de
pessoal, pelo que a GNR está em condições de dizer ‘presente’ e de “responder
afirmativamente a esta nova responsabilidade”.
E Fernando Silva, diretor nacional do SEF, não soube
adiantar pormenores sobre “a definição de para onde vão os inspetores do SEF”,
afirmando estarem “ainda a aguardar as peças legislativas que são importantes
para a definição de como é que todo este modelo se vai encaixar”. Todavia,
também assinalou que “não se coloca a questão” da perda de conhecimento dos
profissionais do SEF, com esta reestruturação, porque tais inspetores “não vão desaparecer” e “vão transportar
consigo esse conhecimento para as entidades para onde vão ser transferidos”.
***
Pelos vistos,
a reestruturação do SEF, que parecia, dantes, tão problemática e era contestada
(Não me digam que era por ser conduzida pelo ministro Cabrita!), agora vai de
vento em popa.
Amadureceram
as ideias, modificaram-se os humores, foi o medo da maioria absoluta?
É verdade
que informação que não passe entre as polícias depaupera a investigação e a ação
penal, mas, para ser partilhada, não devia ser necessária uma reestruturação de
serviços deste calibre. A partilha de informação e a reserva devem ser apanágio
dos operadores e as ações não podem ser estanques ou concorrenciais. Porém, aí
as polícias não estarão muito inocentes. Quem não se lembra da questão policial
da restituição espontânea (?) do material furtado de Tancos: PJ, PJM e GNR? E a
trica da GNR e da PSP no transporte de vacinas? O trabalho conjunto é o remédio.
2022.06.23 – Louro de Carvalho
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