O conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE),
após a reunião de urgência do dia 15 de
junho, vai avançar com os reinvestimentos da dívida
adquirida no Programa de Compras de Emergência Pandémica (PEPP), na compra de mais títulos, e deu
instruções para a criação do que apelidou de ferramenta “antifragmentação” para
travar nova crise da dívida na Zona Euro, ferramenta que pretende ver pronta
até à reunião de 21 de julho.
Estas decisões resultam do facto de a recente escalada dos juros da dívida
da periferia da região está a fazer soar os alarmes em Frankfurt e nos países
mais afetados (os da Europa do Sul).
As yields de Itália, Portugal e
Espanha (yield,
termo inglês que significa rendimento retorno
sobre um investimento em ações, expresso anualmente em percentagem com base no
custo do investimento) dispararam nos últimos dias,
depois de o BCE ter anunciado o
fim do PEPP e
as primeiras subidas das taxas de referência em julho e setembro, para controlar
a elevada inflação. A taxa italiana a 10 anos rompeu a barreira dos 4% (a subir 10 pontos base, negociando
nos 4,018%), no dia 14 de junho, e era o principal foco de preocupação das autoridades
europeias. Também os juros
portugueses e espanhóis voltaram a superar a fasquia dos 3% (a avançar 12
pontos base, estão agora nos 3,001%.). E a tendência era continuarem a
agravar-se se não fossem tomadas medidas. Entretanto, a 15 de junho, Portugal,
Itália e Espanha foram os países que registaram as maiores quedas nos juros,
com descidas entre 20 pontos base e 30 pontos base.
Agora, o BCE tenta acalmar os mercados anunciando a injeção do
dinheiro das obrigações compradas no PEPP (programa criado para responder à pandemia
e que acabou em março), à medida que foram vencendo na aquisição de novos títulos,
algo antecipado pelos investidores.
Nos termos do respetivo comunicado, o Conselho do BCE decidiu aplicar
flexibilidade no reinvestimento dos resgates a vencer na carteira do PEPP, “com
vista a preservar o funcionamento do mecanismo de transmissão da política
monetária, condição prévia para que o BCE possa cumprir o seu mandato de
estabilidade de preços”. Ao mesmo tempo, decidiu mandatar os comités relevantes
do Eurossistema, juntamente com os serviços do BCE, “para acelerar a conclusão
da conceção de um novo instrumento anti-fragmentação para apreciação do
Conselho do BCE”.
O BCE, desde o começo do processo de normalização da política monetária no
final de 2021, prometeu agir contra os riscos de fragmentação
na Zona Euro, visto que as vulnerabilidades da pandemia persistem nas
economias e estão a contribuir para a desestabilização dos mercados de dívida
dos vários países. E Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, à saída da
reunião, disse que o BCE deve ter ao seu dispor outros instrumentos para ajudar no processo de normalização e
garantir que a transmissão da política monetária não é posta em causa”.
***
Não foi só o BCE o responsável pelo alarme. Tudo começou com a decisão do
comité da Reserva Federal Americana (FED) de proceder a um aumento de 75 pontos base na taxa de referência, o que não acontecia desde
1994, colocando-a no intervalo entre 1,5% e 1,75%, esperando uma subida entre
50 e 75 pontos base na sua próxima reunião.
A instituição liderada por Jerome Powell justifica a
decisão com o facto de “a invasão e os acontecimentos relacionados” estarem a
criar uma pressão adicional na inflação e a pesar sobre a atividade económica
global. Além disso, os bloqueios relacionados com a
covid-19 na China deverão exacerbar os constrangimentos na cadeia de
abastecimento.
Na
reunião de política monetária anterior, a FED tinha realizado a primeira subida
de 50 pontos em mais de duas décadas, colocando a taxa de referência entre
0,75% e 1%. As previsões para a economia foram revistas em
baixa, com a FED a apontar agora para um crescimento de 1,7% este ano,
mantendo-se abaixo de 2% até 2024, e a taxa de desemprego a subir para 3,7% no
final do ano e 4,1% em 2024. Por outro lado, antecipa-se que o índice de
preços esteja acima dos 5% no final do ano e os juros de referência atinjam um pico de 3,8% em 2023, descendo em seguida. A
inflação deverá, depois, aliviar para 2,6%, no final do próximo ano, e para
2,2%, em 2024.
A taxa de inflação homóloga atingiu os 8,6% em maio, um novo
máximo em quatro décadas, num sinal de que o pico na subida do nível de preços poderá
ainda não ter sido atingido. Além da subida do índice de preços no mês passado, também as expectativas
dos consumidores sobre a inflação futura (no prazo de cinco a 10 anos) galgaram
para o valor mais elevado desde 2008, ano em que o petróleo atingiu uma cotação
recorde.
Segundo
Jerome Powel, a FED não está a tentar provocar uma recessão e
a economia americana, porque é muito forte, “está em condições de enfrentar uma
política monetária mais restritiva”. No entanto, a tarefa de baixar a inflação
para 2%, mantendo a robustez no mundo de trabalho, não será fácil, pois as flutuações nos preços das matérias-primas podem tirar-nos das mãos essa possibilidade. Assim, “o contexto é de
elevada incerteza”.
E a
FED, não querendo tirar o emprego às pessoas, sabe que “não podemos ter o
mercado de trabalho que queremos sem estabilidade de preços”, mas promete
reagir de forma apropriada.
Os principais índices acionistas dos EUA moderaram os ganhos após
o anúncio da decisão da FED, mas voltaram a subir após a conferência de
imprensa de Powel. O S&P500 seguia, há pouco, a ganhar 1,4%; o Dow Jones, perto de 1%;
e o Nasdaq 2,5%. Já os juros das obrigações com maturidade a 10 anos recuavam
13 pontos base para os 3,346%.
Neste
dia 16, embora os juros dos países periféricos estivessem em alta, também os
juros alemães avançavam e a um ritmo mais acelerado. A dívida alemã é considerada a referência para o mercado da Zona
Euro. A taxa das obrigações germânicas a 10 anos sobe 13 pontos
para 1,784%, o que significa que o prémio de risco de
Itália, Portugal e Espanha face à Alemanha está a reduzir.
O
diferencial entre os juros de Itália e Alemanha estreitou-se assim para os 220
pontos base. Não há um prémio que os investidores considerem razoável para
Itália, mas um responsável de um banco italiano sublinhou que um nível
sustentável para o país deveria situar-se entre os 100 pontos base e os 150
pontos base. Quanto ao prémio de risco de Portugal, reduz-se para os 118 pontos
base, praticamente metade do spread que os
investidores determinam para Itália.
Na sequência do que determinou a FED, o comité de política monetária de
nove membros do Banco de Inglaterra aprovou, neste dia 16, a subida das taxas
de juro em 25 pontos base, ficando nos 1,25% (é a quinta vez que faz um
aumento desde dezembro) e sublinhou que o Banco Central está preparado para agir “com força” para combater os riscos da inflação, que
está acima de 11%. É a taxa mais elevada desde janeiro de 2009.
Também
o Banco Central da Suíça aumentou as suas taxas
em 50 pontos base, a primeira subida em 15 anos e uma decisão que apanhou os
investidores de surpresa.
Face
às decisões da FED, do Banco Central Britânico e do Banco Central da Suíça, em
relação a subidas mais agressivas das taxas de referência e que estão a
assustar os investidores, as bolsas europeias até este dia 16 de junho, estavam
a registar quedas acentuadas. As praças de Milão e
de Frankfurt afundavam cerca de 3% ao início da
tarde, enquanto o CAC-40 de
Paris e o IBEX-35 de Madrid cediam
2,4% e 1,6%, respetivamente. Já o índice de referência europeu Stoxx 600 recuava mais de 2%. E Lisboa não escapava à pressão vendedora, com o PSI a perder 1,58% para 5,917,45 pontos.
Apenas três ações estão em alta e 12 títulos perdem valor. A Galp afunda 4,59% e o BCP recua 4,48%, liderando as perdas na praça
portuguesa.
Giuseppe
Sersale, da Anthilia, citado pela agência Reuters, diz que “há
muito nervosismo”. Com efeito, após o alívio inicial para a FED, os mercados
parecem ter acordado que, ainda assim, é uma subida de 75 pontos base”. E, se
até o Banco Central Suíço subiu surpreendentemente as taxas em meio ponto, os
investidores imaginam que o aperto dos bancos centrais ainda é violento.
Todavia, Fernando Medina, ministro das Finanças português, assegurou, à
saída de uma reunião do Eurogrupo, que não está no horizonte e não será
permitido pelo BCE que os juros da dívida voltem a superar a chamada linha vermelha dos 7%, que levou Portugal a pedir
assistência externa em 2011. E aproveitou a ocasião para defender a estratégia
que o Governo tem adotado na redução da dívida pública e do défice no Orçamento
do Estado, o que dá credibilidade a Portugal, pois “é um
ativo muito importante para lidar com o momento em que as taxas estão a subir”.
***
Enfim, é o estado de confusão e incerteza em que estamos por causa da
pandemia, que ainda não foi completamente arredada do nosso mundo, e da guerra
que, sobretudo por causa da componente económica, desregula tudo. Os mercados
descontrolam-se, as autoridades monetárias navegam à vista e os decisores
políticos ficam a ver navios, restando-lhes apenas o discurso.
2022.06.17 – Louro de Carvalho
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