quarta-feira, 22 de junho de 2022

Na antiga China, havia polícias que integravam também mulheres

 

Foi um curioso dado de progressismo da Antiguidade que anotei de um programa da Rádio Renascença num destes dias.

A polícia é quase tão antiga como a civilização. Desde que surgiram as primeiras cidades, com os moradores a exercer funções fixas – de sacerdotes a agricultores, comerciantes e governantes –, há agentes ocupados em garantir a aplicação das leis.

O termo “polícia” tem origem no nome latino politia, que resulta, por sua vez, da latinização do nome grego politeía, derivado de pólis, que significa “cidade”. Tanto politia como politeía significavam “governo de uma cidade”, “cidadania”, “administração pública” ou “política civil”. Na Grécia antiga, o termo polissóos] (pólis + sôizô, significando “eu guardo uma cidade”) referia-se a pessoa encarregue da guarda urbana.

A aplicação da lei na antiga China era feita por prefeitos, funcionários do governo que reportavam a autoridades superiores como os governadores, que eram, por sua vez, nomeados pelo Imperador ou por outro chefe do respetivo Estado. Superintendiam na administração civil da prefeitura. Alguns eram responsáveis pela realização de investigação criminal na sua jurisdição, com função semelhante às dos atuais elementos da polícia judiciária. E, como os atuais agentes policiais respondem perante os juízes, os prefeitos respondiam perante os magistrados locais. Subordinados ao prefeito, funcionavam subprefeitos, que o auxiliavam na aplicação da lei.

O sistema de prefeituras desenvolveu-se nos reinos de Chu e de Jin, no Período das Primaveras e no Período dos Outonos (771 a 403 a.C.). Em Jin, espalhados por todo o Estado, havia dúzias de prefeitos, cada qual dispondo de autoridade limitada e cumprindo uma comissão de serviço por um período de tempo também limitado. Posteriormente, o conceito do sistema de prefeituras viria a alargar-se a outros Estados da região, como a Coreia e o Japão.

O sistema de aplicação da lei na antiga China era consideravelmente progressista para a época, permitindo, por exemplo, que mulheres exercessem o cargo de prefeitas.

Em casos mais complexos, quando o criminoso não era identificado por testemunhas nem detido em flagrante, o gestor fazia as vezes de detetive – figura que, na Babilónia de 2000 a.C., era exercida pelos paqūdus, oficiais encarregados de investigar, deter e entregar à justiça. Função parecida existia na Índia do primeiro milénio antes de Cristo.

Já por volta de 2700 a.C., o Egito delegava num juiz o ónus de julgar crimes. E oficiais munidos de cassetetes de madeira fiscalizavam as atividades dos locais públicos, especialmente mercados e templos, acompanhados de cães e babuínos treinados.

Portanto, os cães-polícias existem há mais de quatro milénios e meio.

No Império Persa, os guardas eram também os detetives, os juízes e os executores das penas.

Na Israel, os juízes contratavam oficiais, que se dividiam na guarda (dia e noite), sobretudo, do Templo de Jerusalém.

Esta organização também seria observada nos principais impérios americanos que existiram antes da colonização europeia, como os Maias, os Incas e os Astecas.

Na Grécia antiga, os magistrados usavam escravos de propriedade estatal como agentes de polícia. Atenas tinha um corpo especial de polícia, composto por 300 escravos citas, os pabloûkhoi (portadores de varas), para a manutenção da ordem pública em reuniões populares e em distúrbios, bem como na detenção de criminosos e na guarda dos presos. A investigação criminal e outras tarefas associadas à polícia eram desempenhadas pelos próprios cidadãos.

Na maior parte do Império Romano, a segurança pública era assegurada pelo Exército. E as autoridades municipais contratavam vigilantes para complementar a segurança. A investigação criminal estava a cargo de magistrados (procuradores e questores). Não havia o conceito de acusação pública, sendo a própria vítima de um crime ou a família a encarregar-se da acusação.

No tempo do Imperador Augusto (em que a capital do Império tinha atingido quase um milhão de habitantes), a cidade de Roma foi dividida em 14 regiones (regiões). Cada uma era protegida por sete cohortes vigilum (coortes de vigilantes), sendo cada uma composta de mil vigiles (vigilantes). Os vigiles atuavam como bombeiros e guardas-noturnos, com funções como a detenção de ladrões e a captura de escravos fugidos. Eram apoiados pelas coortes urbanas (cohortes urbanae), como forças de intervenção antidistúrbios, e mesmo pela Guarda Pretoriana.

Em vários reinos da Espanha medieval, especialmente no de Leão e Castela, a manutenção da paz estava a cargo de associações de indivíduos armados, as hermandades, que deram origem ao primeiro corpo policial nacional moderno. Porque os reis, muitas vezes, não conseguiam oferecer proteção adequada às populações, no século XII, surgiram ligas protetoras locais para combate ao banditismo e a outra criminalidade rural, bem como ao desrespeito das leis e garantias locais por certos membros da nobreza. E, ocasionalmente, apoiavam candidatos ao trono. Primeiro, estas organizações surgiram a título temporário, mas tornaram-se, depois, em instituições permanentes. O primeiro caso registado da formação de uma hermandade ocorreu quando as vilas e os camponeses do Norte de Espanha se uniram para policiar os caminhos de Santiago.

Estas alianças foram frequentes na Idade Média, sendo formadas por combinações de vilas e dedicadas à proteção das estradas que as uniam, ocasionalmente estendendo o seu âmbito para fins políticos. Um dos primeiros atos do governo dos Reis Católicos Fernando e Isabel foi a criação centralizado corpo de polícia sob a forma da Santa Hermandade, a partir da adaptação de uma hermandade, composta por agentes nomeados pela própria, aos quais foram concedidos amplos poderes de jurisdição sumária, mesmo em casos de importância capital. As hermandades funcionaram como pequenas polícias locais até à sua extinção em 1835.

Na França, tiveram origem dois tipos de corporações policiais que viriam a servir de exemplo a corpos do mesmo tipo em inúmeros países do mundo: a gendarmaria e a polícia urbana.

A gendarmaria tem origem em dois corpos policiais existentes desde a Idade Média. Havia dois oficiais-mores do Reino de França com funções policiais: o maréchal de France (marechal de França) e o connétable de France (condestável de França). O primeiro exercia a autoridade, mediante um preboste – através de um corpo de polícia militar, a maréchaussée (marechalato). O segundo exercia as funções policiais através da connétablie, organizada como corpo militar em 1337. No reinado de Francisco I (1515-1547), a maréchaussée fundiu-se com a connétablie, originando a connétablie et maréchaussée de France, conhecida como maréchaussée.

Na Revolução Francesa, os comandantes da maréchaussée tomaram, geralmente, o partido revolucionário. Como tal, a corporação foi mantida, mas o título foi alterado para gendarmerie nationale (Gendarmaria Nacional) em fevereiro de 1791. O pessoal e as funções mantiveram-se inalterados, mas a organização passou, a partir de então, a ter um estatuto totalmente militar.

O desenvolvimento de corpos policiais segundo um modelo moderno foi mais lento nas Ilhas Britânicas do que na maioria das outras regiões europeias. No período anglo-saxão, desenvolveu-se o sistema de reeve (magistrados locais, representantes da Coroa), encarregues da segurança pública e da aplicação da lei. O reeve de cada shire (condado administrativo) denominava-se shire-reeve, designação que se transformou em sheriff (xerife). Subordinados aos xerifes, havia os constables (condestáveis). Cada um era responsável por assegurar o policiamento de uma centena (um grupo de 100 pessoas). E cada centena organizava-se em dez tithings (grupos de 10 pessoas), responsáveis por se policiarem uns aos outros e por levarem a julgamento qualquer seu integrante que infringisse a lei. O sistema continuou e desenvolveu-se após a invasão normanda. A primeira corporação com a designação de “polícia” nas Ilhas Britânicas foi a Marine Police (Polícia da Marinha), criada em 1798, para proteger as mercadorias no Porto de Londres. Porém, muitas forças policiais continuaram a ser reconhecidas como constabulary, designação derivada de constable, título tradicional dos polícias britânicos. Em 1800, foi criada a City of Glasgow Police (Polícia da Cidade de Glasgow), o primeiro corpo de polícia urbana da Grã-Bretanha.

Na Irlanda, em 1822, foi criado o Irish Constabulary (depois, Royal Irish Constabulary), para o policiamento rural. Ao invés das outras polícias britânicas, o Irish Constabulary foi constituído em gendarmaria, pois era uma corporação armada com uma organização de tipo paramilitar.

A 29 de setembro de 1829, sob proposta de Robert Peel, secretário de Estado dos Negócios Domésticos do Reino Unido, foi criada a Metropolitan Police (Polícia Metropolitana) de Londres, que promoveu o papel da polícia como dissuasor contra o crime urbano e contra as desordens públicas e serviu de modelo a inúmeras corporações policiais, sobretudo anglo-saxónicas.

Para a história da polícia em Portugal e no Brasil, é fundamental falar da criação, em 1760, da Intendência-Geral da Polícia da Corte e do Reino, na dependência da Secretaria de Estados dos Negócios Interiores do Reino, que foi o órgão central de polícia do Reino de Portugal. No Brasil, pelo Alvará de 10 de maio de 1808, logo após a chegada da família real portuguesa, foi criada a  Intendência-Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil.

***

O primeiro corpo de polícia urbana, organizado segundo um modelo moderno, foi criado por Luís XIV, em 1667, para policiar Paris, então a maior cidade da Europa. O édito real – registado pelos Estados Gerais, a 15 de março – criou o cargo de lieutenant général de police (tenente-general de polícia), ao qual competia dirigir a nova polícia de Paris e definia a função de polícia como a de “assegurar a paz e a tranquilidade pública e privada dos indivíduos, livrar a cidade do que possa vir a causar distúrbios, procurar a abundância e garantir que cada um e todos possam viver de acordo com o seu estatuto e deveres”. Este cargo foi, inicialmente, preenchido por Gabriel Nicolas de la Reynie, o qual tinha, sob a sua autoridade, 44 commissaires de police (comissários de polícia). Em 1709, estes comissários passaram a ser auxiliados por inspecteurs de police (inspetores de polícia). Paris foi dividida em distritos policiais, cada qual a cargo de um comissário, assistido por um número cada vez maior de funcionários. Este sistema estendeu-se ao resto da França, por édito de outubro de 1699, redundando na criação de tenentes-generais de polícia em todas as grandes cidades. O cargo de tenente-general de Polícia de Paris foi transformado, por Napoleão Bonaparte, a 17 de fevereiro de 1800, no de prefeito de Polícia. E, a 12 de março de 1829, subordinados à Prefeitura de Polícia, foram criados os sergents de ville (sargentos de cidade), talvez os primeiros polícias civis uniformizados do mundo.

Em geral, em todos esses locais e épocas, as polícias estavam mais focadas no ambiente urbano. As áreas rurais e, sobretudo, as estradas que as ligavam eram tidas como terras sem lei. E um criminoso que mudasse de país teria chances de recomeçar a vida sem ser incomodado.

A partir do século XVII, o modelo de Luís XIV começou a expandir-se, primeiro, na Europa, depois, nos demais continentes. Ao longo do século XX, tornou-se padrão global: em todos os continentes, em todos os países com instituições sólidas, há forças policiais (civis ou militares) vinculadas ao Estado, uniformizadas ou não, treinadas e remuneradas, agindo para garantir a ordem pública, independentemente do poder aquisitivo do cidadão.  

Hodiernamente, segundo a natureza da sua ação, a polícia, independentemente da designação que ostente e do setor que abranja, divide-se funcionalmente em dois ramos: o preventivo e o judiciário. O primeiro atua antes do crime ou se outra infração ocorrer; e o segundo, após a ocorrência. A divisão funcional entre polícia preventiva e polícia judiciária não implica igual divisão em termos organizativos. Uma corporação policial pode desempenhar ambas as funções, sendo considerada como polícia de ciclo completo. E a função de polícia preventiva e a de polícia judiciária podem estar repartidas por corpos policiais distintos e ter especificações diversas, como política, militar, religiosa (nas teocracias), alfandegária, económica de trânsito, de fronteiras, etc.

2022.06.22 – Louro de Carvalho

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