terça-feira, 14 de junho de 2022

Deus: Amor, Graça e Comunhão

 

O tríplice predicativo aplicado a Deus e acomodado a cada uma das três divinas pessoas, que fazem um só Deus, vem a propósito da celebração da Solenidade da Santíssima Trindade, que ocorreu no passado dia 12 de junho, ocupando o lugar do XI domingo do Tempo Comum no Ano C e é conforme a saudação paulina do final da 2.ª Carta aos Coríntios, assumida como uma das fórmulas de saudação litúrgica no início da missa (cf 2Cor 13,13; Ordo Missae, Ritos iniciais).  

Na verdade, Paulo despede-se dos Coríntios dizendo: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus (quando não se especifica, refere-se ao Pai) e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós”.

Neste sentido, os Padres da Igreja consideram que Jesus, o Cristo, é o portador de toda a graça, de todo o favor de Deus para com o seu povo, para com o homem que fez a mercê de criar, redimir e santificar. Na verdade, Ele veio proclamar o ano da graça do Senhor, o tempo favorável para a salvação e expôs-nos o rosto misericordioso do Pai em palavras e em gestos, em compaixão e em serviço. É uma graça tamanha e tal que O levou a entregar-Se à morte por todos e cada um dos seres humanos, para que tenhamos todos a vida e a tenhamos em abundância.  

Damos ao Pai o estatuto de Criador, ao Filho o de Redentor e ao Espírito Santo o de Santificador. Todavia, estas ações que atribuímos a cada uma das três pessoas divinas gozam da prerrogativa da mútua solidariedade e da sólida cooperação. Com efeito, o Deus é único, um só, uno, mas, através das três divinas pessoas (trindade), tem ações diversas, sem que lhes falte a cooperação e a solidariedade, que Nele se afirmam no mais alto grau e na mais larga extensão.

É por isso que o Filho assegura que tudo o que ensina o ouviu do Pai; que o Pai assegura que “Este é o meu Filho, o Amado, escutai-O”; e que o Espírito Santo, o Espírito de Verdade, que ungiu como Messias Aquele que foi enviado pelo Pai, recordará tudo quanto o Filho ensinou e fará com que os discípulos, irmãos no Filho, pelo Filho e com o Filho, testemunhem falando e agindo em conformidade com o que pregam e levem os outros a crer e a agir, ou seja, os discípulos, com o estatuto de apóstolos, fazem discípulos em todas as nações e em todos os tempos e semeiam os grãos da fraternidade universal, que o Espirito faz germinar, mas de que os homens têm de cuidar, regando, alimentando e incrementando. E Eles – Pai, Filho e Espírito Santo, que resolveram criar o homem à sua imagem e semelhança, ousam propor-se entrar em casa de quem Lhes abrir a porta, farão na casa desse generoso hospedeiro a sua morada e cearão com ele.

Crer no mistério de um só Deus em três pessoas iguais e distintas, uma só natureza na diversidade solidária e cooperante das três pessoas, como crer que em Jesus, o Cristo, há uma só pessoa, com duas naturezas – a divina e a humana – representa a sã e santa ousadia de aceitar Deus, como Pai, Filho e Espirito Santo e confiar Nele, desejando a comunhão com Aquele que nos ama desmedidamente, nos favorece com a sua graça e com o seu dom e nos abraça na comunhão íntima e perfeita com Deus e nos catapulta para a comunhão fraterna, que se realizará plenamente na parusia, ou seja, quando chegar o último dia, o do Tempo Novo. Porém, este é o tempo favorável para a construção da fraternidade que, na liberdade autêntica, leva à igualdade.

Celebrar a Santíssima Trindade não pode deixar-nos a ficar supinamente na ideia de que não compreendemos o mistério. Deve, antes, fazer-nos meditar no mistério de Deus triuno, levar-nos a adorar orando e, por consequência, propiciar-nos a oportunidade de revermos os nossos critérios e disposições de construção da personalidade humana e da fraternidade na comunidade dos homens e das mulheres em todos os lugares da Terra em todos os tempos.

Adorar é a atitude de quem se posiciona como ser pequenino ante o mistério insondável e inefável de Deus grande e imenso, mas, pela oração, se coloca em contacto face a face com Deus para O ouvir e falar com Ele. De facto, adorando, sentimos a sua voz no nosso ouvido; e Ele ajusta o seu ouvido para nos atender na prece e se satisfazer com os nossos louvores.

Construir a nossa personalidade de seres humanos implica o cuidado com a consciência dos silêncios e dos atos; a valorização das nossas pessoas com a dignidade na vida, na alegria e na adversidade, no trabalho e no ócio – sentindo-nos ligados a Deus, aos irmãos e à Natureza criada e transformada; a fuga do mal e da tentação; o cultivo das artes; o tratamento do corpo; a procura do sabor das aprendizagens ao longo da vida; e a tendência para a realização plena dos nossos sonhos e ideais.

Promover a fraternidade na comunidade humana é a tarefa difícil que tem de estar na agenda de todos os dias, com a aposta no diálogo como estilo, que se plasma no saber ouvir, no saber esperar, no saber apreciar e no saber falar; com o dinamismo da educação pela e para a paz, fomentando a boa relação interpessoal intra e intercomunitária, a sã convivência e a ativa cooperação; pela tolerância e respeito para com o outro; pela observância, guarda e promoção da dignidade própria e de cada um dos outros; e – Porque não? –, com a proposta de Evangelho a quantos e quantas estiverem disponíveis para tal, sendo que, ao menos, o testemunho de vida e o acompanhamento de proximidade devem ser o apanágio de cada crente e de cada comunidade.

Celebrar a Trindade Santíssima na comunidade das pessoas com as pessoas da comunidade deverá ser a rampa de lançamento para a renovação da Terra, possível com a força generosa dos homens, iniciada ou secundada pelo Espírito Santo, a força propulsora do crente, que o faz clamar “Abbá, Pai”, e dizer que “o Senhor é Jesus”, a alma santificante e diretora da Igreja, dispersa pelo mundo, mas presente naqueles que se reúnem em nem do Senhor.

Celebrar a Trindade una e indivisa implica uma atitude orante e contemplativa e um ardor ativo apostólico e missionário, a saída para as periferias, mas com a referência e a volta ao centro que alimenta o fervor e capacita para a ação.

2022.06.14 – Louro de Carvalho

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