terça-feira, 21 de junho de 2022

Produtividade mais longe da média da UE e os salários não sobem

 

O retrato português da última década (2011-2019) – o estado da educação, emprego e competências – é preocupante (e tem vindo a piorar) pela perda de rendimentos e pelo recuo nas médias europeias.

Segundo a Fundação José Neves (FJN), que pretende a inversão da tendência com qualificações, para levantar produtividade e rendimentos, Portugal é um dos países da União Europeia (UE) com rendimentos mais baixos e com perdas salariais reais em praticamente todos os níveis, exceto entre os que têm menos qualificações. E a produtividade média afasta-se crescentemente dos padrões europeus. Na década em referência, o salário médio dos portugueses aumentou só para os trabalhadores com o ensino básico, na ordem dos 5%, por força do aumento da remuneração mínima mensal garantida (RMMG), determinado por decreto-lei e pela negociação coletiva.

Há um supino problema de produtividade. Sem ela, os salários não sobem com sustentabilidade. E, sem qualificações, não há produtividade. Por isso, urge a aposta generalizada na formação ao longo da vida, na reconversão profissional e na aquisição de competências.

Carlos Oliveira, presidente da FJN, sustenta que “precisamos de apostas de educação diferentes para gerações diferentes” e de acelerar as qualificações, pois há vários retornos que se conseguem com a educação: melhor salário, vantagens sociais, bem-estar, etc.

É certo que, a nível das requalificações e das formações, nos últimos anos, o efeito é positivo, mas “os que têm menos competências não estão a aumentá-las”, o que é preocupante. Por isso, a FJN traça um conjunto de metas aspiracionais para 2040, que passam por incentivos à educação capazes de “garantir um futuro mais próspero para Portugal e para os portugueses”. São ambiciosos os seus objetivos: colocar o país no top 10 dos países da UE com mais emprego em tecnologia e conhecimento; ter, pelo menos, 25% dos adultos a participar em educação e formação ao longo da vida; ter um máximo de 15% dos adultos (25 aos 64 anos) com baixa escolaridade (atualmente são 40,5%) e pelo menos 60% dos jovens adultos com o ensino superior (são 47,5%); e conseguir que 90% dos jovens recém-formados tenham emprego.

Depois, é preciso discutir o que há a fazer, que programas e modelos são mais apropriados. Com efeito, segundo a FJN, a educação em 2022 é praticamente igual à de 1950 (Exagero, só aceitável para quem não conhece a escola!), pois mudar não é trazer computadores à equação, mas “discutir profundamente modelos e competências que são fundamentais”. É, segundo Oliveira, necessária uma sólida formação de base, a que se adicionem grupos de competências, nomeadamente de soft skills, de comunicação, mais práticas, a par da aceleração da digitalização para o trabalho do futuro e da definição de metas exequíveis, que se foquem nas qualificações das pessoas e nas necessidades do mercado de trabalho, para um aproveitamento ótimo das qualificações. Isto implica motivar as pessoas, criar-lhes exigências e levar à Universidade quem nunca lá foi, de modo que tenhamos um ensino dual, mais cientifico-técnico e próximo do mundo de trabalho.

Como não há profissões para a vida, importa assegurar um conjunto de capacidades que permitam aceder a clusters de carreira, não bastando traçar diagnósticos, mas passando a dar pistas quanto a um rumo que possa melhorar as perspetivas dos portugueses e contribuir para aumentar a riqueza e o crescimento do país. Para tanto, a própria FJN constituiu um programa de bolsas, que visa melhorar e aumentar competências (e que já dá frutos), e trabalha articuladamente com a Universidade do Minho e a Universidade Aveiro, permitindo ver mais além e encontrar, por exemplo, uma relação entre os retornos da educação e o bem-estar.

O presidente da FJN realça alguns dos parâmetros em que Portugal precisa de trabalhar, sendo um dos mais prementes os salários, diretamente proporcionais aos níveis de produtividade. Com efeito, desde 2011, a perda real de rendimentos ascendeu a 11% entre os trabalhadores com o ensino superior e foi de 3% para os que têm o ensino secundário, mas a piorar para os mais jovens, com -15% entre os licenciados, -12% entre os mestres e -22% entre os doutorados.

Há cinco países da UE em que os trabalhadores menos qualificados ganham menos do que os muito qualificados em Portugal e, noutros 13, os trabalhadores que têm o ensino secundário são mais ricos do que os nossos licenciados. Todavia, um nível de qualificação média superior é sempre mais bem recompensado. Isto resulta da subida da RMMG (vulgo salario mínimo nacional) sem que os outros níveis hajam acompanhado a evolução, dadas as sucessivas crises e retratos conjunturais, reduzindo o fosso entre os mais bem pagos e os menos qualificados.

Para Carlos Oliveira, é bom ter subido a RMMG e tem de subir mais. Daí que, se a empresa não consegue pagar um salário digno, pode não ter condições para existir. Não dar boas condições aos trabalhadores também induz a emigração e, se isso se torna sistémico em vez de conjuntural, o país perde talento. Ora, urge trabalhar a produtividade da economia, mas a produtividade tem relação direta com as qualificações.

O estudo da FJN revela que, apesar de o salário médio em 2019 ficar abaixo do de 2011 na maioria dos níveis de escolaridade, são notórios os ganhos salariais mais qualificados face aos menos qualificados: a licenciatura traduz-se num ganho salarial de 50% face ao ensino secundário. E, com mestrado, a diferença sobe aos 59%. Os prémios salariais também se verificam nos jovens adultos (dos 25 aos 34 anos), sendo os mestrados que originam retorno salarial superior, com ganhos de 43% face ao ensino secundário e de 15% face às licenciaturas, os quais melhoram as perspetivas de se manter empregado (16%) e em melhor posição. E a possibilidade de estar entre os 40% da população com maior rendimento aumenta em 50% para os licenciados.

Melhores qualificações garantem melhor emprego e salário, mas também há associação positiva entre salários e produtividade. Só um aumento sustentado da produtividade dará margem a aumentos de salário e de rendimento. E a produtividade em Portugal tem perdido terreno face à média europeia. Em 2019, era o 6.º país com menor produtividade – apenas acima de Roménia, Polónia, Letónia, Grécia e Bulgária – e, desde 2000, ela nunca ultrapassou os 70% da média europeia, a não ser em 2013, tendo chegado à pandemia nos 66%.

Também o rendimento é dos mais baixos e os jovens sofrem mais. Em 2019, o nosso rendimento anual, em paridade com o poder de compra, era de 13 727€, o 7.º mais baixo da UE, não chegando aos 11 mil euros/ano os que se ficaram pelo ensino básico (10.º mais baixo nos 27 da UE). E, com o ensino superior, o rendimento médio não ultrapassava os 19 755€ (o 8.º mais baixo na UE).

Inverte-se a tendência e melhoram-se as perspetivas dos portugueses partindo de conclusões, como: empresas com uma força de trabalho mais qualificada são mais produtivas; é preciso ajustar qualificações e profissões, pois a aposta da empresa na formação dos trabalhadores aumenta a produtividade em 5% (mas só 16% delas o faz); e os jovens estão cada vez mais qualificados, mas tal só se reflete na produtividade quando eles têm peso superior a 40% no total de trabalhadores.

Depois, surge o problema das qualificações dos gestores, em que quase não há investimento, com o país a apresentar a maior percentagem de empregadores que não terminou o ensino secundário. Em 2021, eram 47,5% dos empregadores, quase o triplo da média europeia (16,4%).

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Também a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), para quem a inflação portuguesa em 2022 não é das mais altas, diz que a subida dos salários é das mais fracas e muitos trabalhadores perderão poder de compra. A perda de poder de compra das remunerações médias por trabalhador, em Portugal, rondará os 3,5% em 2022, na que é a maior redução desde o tempo da troika e do programa de austeridade (2011-2013) e uma das maiores do grupo de 33 países OCDE, o clube dos países mais avançados da economia global.

A redução do poder de compra de quem trabalha em Portugal, quando a taxa de inflação é relativamente alta (cerca de 6,3% é a previsão para 2022), sobretudo à luz do histórico dos últimos anos, mas não é das mais acentuadas do grupo dos países ricos, onde a média ronda os 8%.

Ora, a quebra no poder de compra dos salários médios per capita acontece, porque a subida da compensação média por trabalhador (por conta de outrem) é só de 2,9%, o sexto registo mais fraco do grupo das três dezenas de economias da OCDE. Tudo considerado, o trabalhador médio português enfrenta um ano mais apertado do ponto de vista do poder de compra; e porque, sendo um país endividado, a fatura dos juros pesará nos orçamentos familiares.

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Este estado da Nação resulta, basicamente, da não aposta generalizada na qualificação das pessoas (algumas empresas preferem os menos qualificados para lhes pagarem menos), nomeadamente trabalhadores e gestores, na falta de organização do trabalho, na côngrua subsidiodependência, na esperança de que o Estado resolva todos os problemas, mormente dos que pretendem que haja menos Estado, e na insistência nos baixos salários e na falta de condições de trabalho digno.

2022.06.21 – Louro de Carvalho

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