O
retrato português da última década (2011-2019) – o estado da educação, emprego
e competências – é preocupante (e tem vindo a piorar) pela perda de rendimentos e pelo recuo nas médias europeias.
Segundo a Fundação
José Neves (FJN), que pretende a inversão da tendência com qualificações, para
levantar produtividade e rendimentos,
Portugal é um dos países da União
Europeia (UE) com rendimentos mais baixos e com perdas salariais reais em
praticamente todos os níveis, exceto entre os que têm menos qualificações. E a produtividade
média afasta-se crescentemente dos padrões europeus. Na década em referência, o
salário médio dos portugueses aumentou só para os trabalhadores com o ensino
básico, na ordem dos 5%, por força do aumento da remuneração mínima mensal
garantida (RMMG), determinado por decreto-lei e pela negociação coletiva.
Há um supino
problema de produtividade. Sem ela, os salários não sobem com sustentabilidade.
E, sem qualificações, não há produtividade. Por isso, urge a aposta generalizada
na formação ao longo da vida, na reconversão profissional e na aquisição de
competências.
Carlos
Oliveira, presidente da FJN, sustenta que “precisamos de apostas de educação
diferentes para gerações diferentes” e de acelerar as qualificações, pois há
vários retornos que se conseguem com a educação: melhor salário, vantagens
sociais, bem-estar, etc.
É certo que,
a nível das requalificações e das formações, nos últimos anos, o efeito é
positivo, mas “os que têm menos competências não estão a aumentá-las”, o que é
preocupante. Por isso, a FJN traça um conjunto de metas aspiracionais para
2040, que passam por incentivos à educação capazes de “garantir um futuro mais
próspero para Portugal e para os portugueses”. São ambiciosos os seus
objetivos: colocar o país no top 10 dos países da UE com mais emprego em
tecnologia e conhecimento; ter, pelo menos, 25% dos adultos a participar em
educação e formação ao longo da vida; ter um máximo de 15% dos adultos (25 aos
64 anos) com baixa escolaridade (atualmente são 40,5%) e pelo menos 60% dos
jovens adultos com o ensino superior (são 47,5%); e conseguir que 90% dos
jovens recém-formados tenham emprego.
Depois, é
preciso discutir o que há a fazer, que programas e modelos são mais
apropriados. Com efeito, segundo a FJN, a educação em 2022 é praticamente igual
à de 1950 (Exagero, só aceitável para quem não conhece a escola!), pois mudar
não é trazer computadores à equação, mas “discutir profundamente modelos e
competências que são fundamentais”. É, segundo Oliveira, necessária uma sólida formação
de base, a que se adicionem grupos de competências, nomeadamente de soft skills, de comunicação, mais práticas,
a par da aceleração da digitalização para o trabalho do futuro e da definição de
metas exequíveis, que se foquem nas qualificações das pessoas e nas
necessidades do mercado de trabalho, para um aproveitamento ótimo das
qualificações. Isto implica motivar as pessoas, criar-lhes exigências e levar à
Universidade quem nunca lá foi, de modo que tenhamos um ensino dual, mais cientifico-técnico
e próximo do mundo de trabalho.
Como não há
profissões para a vida, importa assegurar um conjunto de capacidades que
permitam aceder a clusters de
carreira, não bastando traçar diagnósticos, mas passando a dar pistas quanto a
um rumo que possa melhorar as perspetivas dos portugueses e contribuir para
aumentar a riqueza e o crescimento do país. Para tanto, a própria FJN
constituiu um programa de bolsas, que visa melhorar e aumentar competências (e
que já dá frutos), e trabalha articuladamente com a Universidade do Minho e a Universidade
Aveiro, permitindo ver mais além e encontrar, por exemplo, uma relação entre os
retornos da educação e o bem-estar.
O presidente
da FJN realça alguns dos parâmetros em que Portugal precisa de trabalhar, sendo
um dos mais prementes os salários, diretamente proporcionais aos níveis de
produtividade. Com efeito, desde 2011, a perda real de rendimentos ascendeu a
11% entre os trabalhadores com o ensino superior e foi de 3% para os que têm o ensino
secundário, mas a piorar para os mais jovens, com -15% entre os licenciados,
-12% entre os mestres e -22% entre os doutorados.
Há cinco
países da UE em que os trabalhadores menos qualificados ganham menos do que os
muito qualificados em Portugal e, noutros 13, os trabalhadores que têm o ensino
secundário são mais ricos do que os nossos licenciados. Todavia, um nível de
qualificação média superior é sempre mais bem recompensado. Isto resulta da
subida da RMMG (vulgo salario mínimo nacional) sem que os outros níveis hajam acompanhado
a evolução, dadas as sucessivas crises e retratos conjunturais, reduzindo o
fosso entre os mais bem pagos e os menos qualificados.
Para Carlos Oliveira,
é bom ter subido a RMMG e tem de subir mais. Daí que, se a empresa não consegue
pagar um salário digno, pode não ter condições para existir. Não dar boas
condições aos trabalhadores também induz a emigração e, se isso se torna
sistémico em vez de conjuntural, o país perde talento. Ora, urge trabalhar a
produtividade da economia, mas a produtividade tem relação direta com as
qualificações.
O estudo da
FJN revela que, apesar de o salário médio em 2019 ficar abaixo do de 2011 na
maioria dos níveis de escolaridade, são notórios os ganhos salariais mais
qualificados face aos menos qualificados: a licenciatura traduz-se num ganho
salarial de 50% face ao ensino secundário. E, com mestrado, a diferença sobe
aos 59%. Os prémios salariais também se verificam nos jovens adultos (dos 25
aos 34 anos), sendo os mestrados que originam retorno salarial superior, com
ganhos de 43% face ao ensino secundário e de 15% face às licenciaturas, os
quais melhoram as perspetivas de se manter empregado (16%) e em melhor posição.
E a possibilidade de estar entre os 40% da população com maior rendimento
aumenta em 50% para os licenciados.
Melhores
qualificações garantem melhor emprego e salário, mas também há associação
positiva entre salários e produtividade. Só um aumento sustentado da produtividade
dará margem a aumentos de salário e de rendimento. E a produtividade em
Portugal tem perdido terreno face à média europeia. Em 2019, era o 6.º país com
menor produtividade – apenas acima de Roménia, Polónia, Letónia, Grécia e
Bulgária – e, desde 2000, ela nunca ultrapassou os 70% da média europeia, a não
ser em 2013, tendo chegado à pandemia nos 66%.
Também o rendimento é dos mais baixos e os jovens sofrem mais. Em 2019, o nosso rendimento anual, em paridade com o
poder de compra, era de 13 727€, o 7.º mais baixo da UE, não chegando aos 11
mil euros/ano os que se ficaram pelo ensino básico (10.º mais baixo nos 27 da
UE). E, com o ensino superior, o rendimento médio não ultrapassava os 19 755€
(o 8.º mais baixo na UE).
Inverte-se a
tendência e melhoram-se as perspetivas dos portugueses partindo de conclusões,
como: empresas com uma força de trabalho mais qualificada são mais produtivas; é
preciso ajustar qualificações e profissões, pois a aposta da empresa na formação
dos trabalhadores aumenta a produtividade em 5% (mas só 16% delas o faz); e os jovens
estão cada vez mais qualificados, mas tal só se reflete na produtividade quando
eles têm peso superior a 40% no total de trabalhadores.
Depois,
surge o problema das qualificações dos gestores, em que quase não há investimento,
com o país a apresentar a maior percentagem de empregadores que não terminou o
ensino secundário. Em 2021, eram 47,5% dos empregadores, quase o triplo da
média europeia (16,4%).
***
Também a Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), para quem a inflação
portuguesa em 2022 não é das mais altas, diz que a subida dos salários é das
mais fracas e muitos trabalhadores perderão poder de compra. A perda de poder
de compra das remunerações médias por trabalhador, em Portugal, rondará os 3,5%
em 2022, na que é a maior redução desde o tempo da troika e do programa de austeridade
(2011-2013) e uma das maiores do grupo de 33 países OCDE, o clube dos países
mais avançados da economia global.
A redução do
poder de compra de quem trabalha em Portugal, quando a taxa de inflação é
relativamente alta (cerca de 6,3% é a previsão para 2022), sobretudo à luz do
histórico dos últimos anos, mas não é das mais acentuadas do grupo dos países
ricos, onde a média ronda os 8%.
Ora, a quebra no
poder de compra dos salários médios per
capita acontece, porque a subida da compensação média por trabalhador (por
conta de outrem) é só de 2,9%, o sexto registo mais fraco do grupo das três
dezenas de economias da OCDE. Tudo considerado, o trabalhador médio português
enfrenta um ano mais apertado do ponto de vista do poder de compra; e porque,
sendo um país endividado, a fatura dos juros pesará nos orçamentos familiares.
***
Este estado
da Nação resulta, basicamente, da não aposta generalizada na qualificação das
pessoas (algumas empresas preferem os menos qualificados para lhes pagarem menos),
nomeadamente trabalhadores e gestores, na falta de organização do trabalho, na côngrua
subsidiodependência, na esperança de que o Estado resolva todos os problemas, mormente
dos que pretendem que haja menos Estado, e na insistência nos baixos salários e
na falta de condições de trabalho digno.
2022.06.21 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário