quinta-feira, 9 de junho de 2022

Em cenário de guerra, sobem juros e os preços dos bens essenciais

 

O Banco Central Europeu (BCE) reviu em alta a previsão de inflação para este ano de 2022, em consonância com as projeções avançadas no dia 9 de junho. Assim, o Conselho do BCE, que reuniu nesta data, diz esperar uma taxa de inflação de 6,8%, na zona euro, para este ano, o que está acima da meta definida pelo conselho de governadores de 2%, no médio prazo. No entanto, prevê que a taxa de inflação venha a descer para 3,5%, em 2023, e, para 2,1%, em 2024.

Do mesmo encontro saiu a indicação de que os juros irão subir em julho em 25 pontos base e, depois, também em setembro, sendo o nível de inflação que determinará a dimensão do aumento da taxa diretora nesse mês. Tal decisão, tomada por unanimidade, pretende travar a escalada de preços. Tudo isto o revelou, em conferência de imprensa, Christine Lagarde, reconhecendo que a subida da taxa diretora em 25 pontos base “não terá impacto imediato na inflação”.

Entretanto, segundo o comunicado oportunamente distribuído, “a inflação elevada é um grande desafio para todos”, mas “o Conselho do BCE assegurará que a inflação regressa à sua meta de 2% no médio prazo”.

Não há propriamente uma novidade. Com efeito, em março, os economistas do BCE calculavam que a taxa de inflação aceleraria para 5,1%, em 2022, na zona euro, o que já era uma revisão em alta face à previsão anterior, que apontava para uma taxa de inflação de 3,2% em 2022. E, por seu turno, o Eurostat revelou que a inflação da União Europeia atingiu, em maio, o recorde de 8,1%.

Admite o banco central que os seus economistas reviram “significativamente em alta as projeções de base”, que “indicam que a inflação permanecerá indesejavelmente elevada por algum tempo”. Porém, a “moderação dos custos de energia, a atenuação das interrupções de abastecimento relacionadas com a pandemia e a normalização da política monetária deverão conduzir a uma descida da inflação”.

A instituição liderada por Christine Lagarde também reviu em alta as novas previsões para a inflação subjacente, face aos valores apontados em março. Trata-se da inflação obtida, se excluirmos os preços da energia e dos alimentos. Nestes termos, os valores apontados são de 3,3%, neste ano, de 2,8%, em 2023, e de 2,3%, em 2024, valores que estão ligeiramente acima da meta definida pelo conselho de governadores. E Christine Lagarde Christine Lagarde sublinhou a subida dos preços da energia, que deverão manter-se elevados nos próximos meses, e dos alimentos, o que revela a importância da Rússia e da Ucrânia para a economia da União Europeia e, particularmente, da zona euro.

Ao mesmo tempo, o BCE decidiu rever em baixa as previsões de crescimento para o Eurossistema (zona euro), projetando um crescimento anual real do PIB (Produto Interno Bruto) de 2,8%, em 2022, e de 2,1%, em 2023.

Sobe a inflação e, mantendo-se os salários como estão, baixa drasticamente o poder de compra e obviamente diminui o PIB per capita, aumentando o número dos carenciados.

E não ficamos por aqui. A 1 de julho de 2022, o BCE porá fim ao programa de compra de ativos (asset-purchase program ou APP, na sigla em inglês), ou seja, optou por retirar os estímulos que já vigoravam há quase uma década, por iniciativa de Mario Draghi, para ajudar as economias dos países em dificuldade por força da crise desencadeada em 2008.

Dizem os observadores que o objetivo é travar o rápido crescimento dos preços antes que este se alastre ao resto da economia e se perpetue através de uma espiral difícil de quebrar, em que os preços forçam aumentos salariais e estes, por sua vez, alimentam o agravamento dos preços. Christine Lagarde garante que não há, neste momento, qualquer espiral inflacionista, mas reconhece que tem havido, desde março, um aumento dos salários.

Contudo, em Portugal, apenas sofremos o aumento dos géneros, mormente no setor energético e no dos bens essenciais; quanto aos salários, como se mantêm sem alteração nominal, o cenário é o do abaixamento do seu valor real[u1] . Por consequência, as carteiras dos cidadãos e as das famílias ficam severamente emagrecidas, muitas delas à beira da rutura. A causa está na pandemia, que perdura; na varíola símia, que emerge como novidade; na guerra na Ucrânia, que parece interminável e está a abalar a Europa; na dívida soberana do país, que teima em não baixar significativamente; e, quiçá, nalguma timidez ou incapacidade da gestão da coisa pública. 

O BCE sente que tem pela frente a difícil tarefa de conseguir travar a inflação sem comprometer o crescimento. E Lagarde garante que, mal as turbulências passem, as economias regressarão a uma trajetória de crescimento, graças à retoma de setores que foram afetados pela pandemia, como o turismo, um mercado de trabalho forte, o apoio dos fundos europeus e os elevados níveis de poupança. Todavia, um provável arrastamento da guerra na Ucrânia, com disrupções adicionais no fornecimento da energia e com novas restrições nas cadeias de abastecimento (cujo colapso pode, segundo os entendidos, induzir a morte de milhões de pessoas), manterá elevados os preços dos alimentos. E a presidente do BCE considera este um risco para os cenários definidos pelos economistas e reconhece que “a inflação está indesejavelmente alta e permanecerá acima da meta de médio prazo 2% durante algum tempo”.

Questionada sobre a eficácia das medidas sobre a inflação devido à sua natureza, admite que “uma porção larga da inflação é atribuível a comercio, é inflação importada, mas não é só”. Cerca de 17% dos itens analisados estão acima de 2%, uma tendência que “é em parte afetado pela energia, mas não só”. Além disso, a presidente do BCE garante que a instituição que lidera está “muito atenta aos salários e ao risco de espiral da inflação”, que por agora está controlado.

Já quanto ao timings do efeito das medidas na inflação, admite que este não será imediato, até porque “os custos de financiamento já aumentaram”, mas frisa que é um sinal que está a ser dado e “vai ter impacto”, apontando a necessidade de nos mantermos no caminho, bem como de sermos determinados e comprometidos com a meta de 2%”.

É de sublinhar que, apesar de o Conselho do BCE, ter decidido tomar, com base em avaliação atualizada, como vimos, novas medidas para normalizar a política monetária”, este organismo da zona euro garante que vai manter a opcionalidade, gradualismo e flexibilidade durante este processo. E o primeiro passo é terminar as compras líquidas de ativos ao abrigo do programa de compra de ativos (APP), a partir de 1 de julho de 2022. No entanto, apesar de terminar as compras, o Conselho do BCE “pretende continuar a reinvestir, na íntegra, os pagamentos de capital de títulos a vencer adquiridos ao abrigo do APP por um período de tempo alargado após a data em que começa a aumentar as taxas de juro diretoras do BCE e, em qualquer caso, pelo tempo necessário para manter amplas condições de liquidez e uma orientação de política monetária adequada”.

Embora tenha decidido subir, a 1 de julho, as taxas de juros diretoras, até agora inalteradas, a calibração do aumento da taxa em setembro “dependerá da atualização das perspetivas de inflação de médio prazo”. E, olhando para lá de setembro, “o Conselho do BCE antecipa que será adequada uma trajetória gradual, mas sustentada, de novos aumentos das taxas de juro”.

Christine Lagarde sustenta que a “agressão russa injustificada está a afetar severamente a economia da zona euro”, mas há condições para crescimento no médio prazo”, e promete que o BCE vai “assegurar que a inflação regressa a meta de 2% a médio prazo”.

“A calibração das nossas políticas vai manter-se dependente dos dados”, admitiu, mas reiterou que estão “prontos para ajustar todos os instrumentos para garantir que a inflação estabiliza nos 2% a médio prazo”. “Não é só um passo, é um caminho”, garantiu, apontando que “se for necessário, vamos acionar instrumentos existentes ou novos que vão ser disponibilizados”.

E, quanto à dimensão da subida de juros, considerou o caminho de saída das taxas negativas uma boa prática, desde que se comece com um aumento incremental significativo, não excessivo e que indique um caminho”.

Enfim, desígnio de políticas monetárias, tantas vezes distantes das necessidades das pessoas, das famílias, das empresas, que tentam, o mais das vezes, sobreviver. E quem mais sofre são os já pobres, bem como aqueles que, de repente, se veem com problemas de sobrevivência, crescendo assustadoramente o volume dos novos pobres, enquanto os bafejados pela sorte ou pelos meios de enriquecimento continuam a viver à grande. Preconizamos a igualdade, mas somos cada vez menos iguais!

2022.06.09 – Louro de Carvalho


 

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