A
Língua Etrusca era falada e escrita na região da Etrúria (hoje, a Toscana),
entre o Arno e o Tibre, na Península Itálica, bem como em alguns espaços das atuais Lombardia, Véneto e Emilia-Romagna, para onde os gauleses
foram arredando os etruscos. Entretanto, o Latim, falado no Lácio (região do
centro da Itália, abrangendo a cidade de Roma), substituiu quase totalmente o
Etrusco (idioma isolado e só compreendido fragmentariamente), ficando para o Latim poucos documentos, empréstimos
linguísticos (como persona, do
Etrusco phersu) e topónimos (como Parma), bem como inscrições até há pouco impossíveis de decifrar e traduzir.
As poucas traduzidas diziam respeito à vida e à morte, pois a maior parte dos
poucos documentos encontrados são espécies de lápides.
Para
contextualizar o idioma, importa ver quem eram os seus falantes. Os tusci ou etruscos (e tirrenos, no tempo
de Heródoto) eram um dos povos indígenas da Itália, ali residentes antes
da migração indo-europeia e da chegada dos latinos por
volta de 1000 a.C. Mas Heródoto descreve-os como imigrantes da Lídia,
no oeste da Anatólia (atual Turquia), que, devido à fome, se fixaram a
ocidente, na Umbria, por volta do século XIII a.C., sob a condução do seu líder
Tirreno (um rei Lídia que emigrou para a Itália, dando o seu nome
à região e ao mar). Era frequente
a alfabetização, como o testemunham as 13000 inscrições (dedicatórias, epitáfios, etc.),
datadas de por volta de 700 a.C., na sua maioria curtas, mas algumas de
considerável extensão.
No século
I a.C., historiador grego Dionísio de Halicarnasso (que partiu para Roma
onde terá ensinado gramática em 29 a.C.), referiu que o idioma era diferente
dos outros e que os etruscos tinham uma rica literatura, como foi atestado
pelos autores latinos. E Bonfante diz que “... ele lembra nenhuma outra língua
da Europa nem de outro lugar…”. Aliás, era este historiador que defendia a tese
da autoctonia itálica dos etruscos. Entretanto, os romanos tomaram a Etrúria e
a hegemonia do latim acelerou o declive da civilização etrusca. E, por volta
de 200 a.C., o Etrusco estava eclipsado pelo Latim, exceto nalgum sítio
inóspito, a que os falantes e autores latinos tinham difícil acesso, ou em
contextos religiosos, casos em que perdurou na Antiguidade.
No final da
República, em Roma, poucos romanos (educados com interesse na Antiguidade, como
Publius Terentius Varro) liam
etrusco. O último a fazê-lo foi o imperador Tiberius
Claudius Caesar Augustus Germanicus (10
a.C. – 54 d.C.), que compilou um dicionário (perdido) com entrevistas aos
camponeses que ainda falavam o idioma.
Os etruscos deixaram
escritos em vários suportes, como tecido, placas de cera, marfim, madeira,
pedra e metal, vasos, espelhos, esculturas, pinturas, ex-votos, armas, gemas
preciosas, moedas e outros (terão conhecido e usado o papiro). São
conhecidos cerca de 14000 delas, a maior parte sendo repetitivos epitáfios,
contratos e fórmulas votivas, ou assinalando os nomes dos donos de certos
objetos e marcando os limites de terras. Bastantes inscrições foram traduzidas,
embora envoltas em controvérsia sobre a exatidão das versões feitas. É
desconhecido o grau de literacia e de produção literária na sociedade etrusca. No
entanto, a abundância de inscrições com contratos comerciais, transmissões de
bens, nomes de magistrados e marcas de propriedade, bem como a existência de
livros sagrados e de peças teatrais escritas, mencionados pelos romanos,
atestam que, ao menos, a elite e os sacerdotes eram letrados, embora não haja
sinais de literatura extensa, mas terá havido alguma literatura histórica.
Titus Liuius e Marcus Tullius
Cicero eram peritos nos especializados ritos religiosos etruscos que
estavam codificados em várias coleções de livros escritos em etrusco sob o
título latino genérico de Etrusca Disciplina. Especificamente,
os Libri Haruspicini tratavam da adivinhação mediante
o exame das entranhas de animais sacrificados; os Libri Fulgurales expunham
a arte da adivinhação através da observação dos raios; e os Libri
Rituales terão propiciado a chave da civilização etrusca, cujo âmbito
abarcava a vida política e social, bem como as práticas rituais. Todavia, segundo
o escritor latino do século IV Marius
Seruius Honoratus, havia outra coleção de livros etruscos, sobre deuses
animais. Porém, as autoridades cristãs recolheram as obras do paganismo e
queimaram-nas no século V. O único livro sobrevivente, Liber Linteus (o mais extenso, com 281
linhas e cerca de 1300 palavras), escrito num rolo de linho (depois, cortado
em tiras e usado no Antigo Egito para envolver o cadáver mumificado
de uma mulher, conserva-se no museu de Zagrebe), permaneceu por via do uso
na mumificação. Outros textos de interesse são a Tabuleta de Cápua, com cerca de 390 palavras, o Epitáfio de Laris Pulena, com 59
palavras, a Tabuleta de Cortona,
com cerca de 70 palavras, o Cipo de
Perúgia, com 130 palavras, o Fígado
de Placência, com cerca de 45 palavras, e as Tábuas de Pirgi, com 36 ou 37 palavras (bilingue em etrusco e púnico-fenício,
ampliando bastante o conhecimento da língua. A maioria das inscrições
etruscas conhecidas encontra-se recolhida no Corpus inscriptionum etruscaraum.
***
O Etrusco
teve influência ténue sobre o Latim. Algumas palavras foram tomadas por
empréstimo e até podem encontrar-se nos idiomas modernos. Mas não há parentesco evidente com
outras línguas importantes da Antiguidade, como o Latim ou o Grego. Muitos consideram-no
língua não indo-europeia, ao passo que outros, como Francisco Rodríguez
Adrados, Piero Bernardini Marzolla, Massimo Pittau, opinam que, pelo
menos em parte, será derivado das línguas indo-europeias, sobretudo das da Anatólia,
como o Lúvio. Contudo, alguns, como Helmut Rix (1998), ligam-no ao Rético,
falada pelos récios, nos Alpes, até ao século III, língua
isolada como o Basco, o Arménio e o Húngaro, enquanto outros sustentam que
o Rético e o Lémnio, com o Etrusco, formam a família
tirrénica, remotamente relacionada com a indo-europeia, apontando similitudes
nos finais gramaticais e no vocabulário. O naturalista
romano Gaius
Plinius Secundus,
o Velho, no século I na sua História Natural,
escreveu, sobre os povos alpinos, que os récios e os vindelícios (gauleses
que viviam na atual Augsburgo, na Baviera) fronteiriços com os nóricos (da Norica, província do Império romano entre o Danúbio e o Save”,
se distribuíam por numerosas cidades. Os galos sustentavam que os récios
descendem dos etruscos, através do seu líder Repto. Assim, com base nisto e em
dados linguistas, alguns creem que o etrusco esteja relacionado com o
Récico. Outra língua relacionada com a etrusca é a minoica. Esta foi a
principal hipótese de Michael Ventris antes de descobrir que a língua
atrás da mais moderna escrita linear B foi o micénico (um
dialeto grego). E Giulio Mauro Facchetti, que trabalhou com ambas as
línguas (etrusca e minoica) reapresentou essa hipótese, comparando palavras
minoicas, de significado conhecido, com palavras etruscas similares. Não obstante,
há um amplo debate, nada podendo ser determinado, sobretudo em razão da
escassez de textos etrusco.
O Etrusco,
tal como o Latim ou o Grego, usava várias flexões, ou seja, mudava os finais
dos nomes, pronomes e verbos. Assim,
para nomes, adjetivos e pronomes, havia os casos gramaticais. Porém, enquanto o
Grego possuía cinco casos (nominativo, vocativo, acusativo, genitivo e dativo)
e o Latim seis (nominativo, vocativo, acusativo, genitivo, dativo e ablativo,
restando ainda dois casos oriundos do Indo-Europeu, reconhecidos pelo sentido:
o locativo, com a forma de genitivo do singular na 1.ª e 2.ª declinações; e o instrumental,
com a forma de ablativo), o Etrusco possuía sete casos gramaticais: o
nominativo, o acusativo, o genitivo, o dativo, o ablativo, o pertinentivo e o
locativo (o ablativo e o pertinentivo eram raros). Alguns casos poderiam ter
usos especiais ou variações. Era o que sucedia com o genitivo, que se dividia
em sigmático (-s) e lambdático (-l). Além disso, os nomes e adjetivos etruscos
funcionam de modo similar ao das línguas aglutinantes, por exemplo clan “filho”, clen-ar “filhos”, clen-ar-aśi “aos
filhos”.
O nominativo
é o caso do sujeito. Porém, não há, em Etrusco, distinção morfológica entre os
casos nominativo e acusativo. Os nomes masculinos podiam terminar em - e: Hercle
(Hércules), Achle, (Aquiles), Tite (Tito); e os femininos terminavam
em -i, -o ou -u: Uni (Juno), Menrva
(Minerva), ou Zipu. E, quanto ao genitivo, é de referir que o
sigmático era, geralmente, em -s, mas também era visto nas
formas -ś e -z); e o lambdático terminava em -l. O uso de um e de outro variava conforme
as cidades etruscas e as épocas em que era falada a língua.
O Etrusco usava
uma variante do alfabeto grego, absorvida através dos fenícios no fim
do século VIII a.C., quando surgem as primeiras inscrições. Escreviam da
direita para a esquerda e, às vezes, a direção da escrita invertia-se de linha
para linha, invertendo-se também a posição das letras. Esse alfabeto foi-se alterando
com o tempo: de início, tinha 26 letras, mas estabilizou-se com 20, no Período
Clássico, sendo 4 vogais e 16 consoantes. O idioma, em uso até ao século
I d.C., deu origem ao alfabeto latino. Alguns aspetos da língua são
mais claros que outros, como a fonética, pois conhece-se a pronúncia do
alfabeto grego, bem como as adaptações de palavras de línguas vizinhas. Já
a etimologia, a morfologia e a sintaxe são pouco conhecidas. E,
no vocabulário, há áreas mais entendidas que outras, sendo a tradução
segura somente para poucas centenas de palavras. Foram identificados nomes
próprios e familiares, designações de parentesco, nomes de deuses e fórmulas
votivas, títulos das magistraturas e denominações de classes específicas de
objetos, como os vasos, principalmente por causa do caráter do corpo de
inscrições que sobrevive e emprega esses tipos de palavras com muita
frequência. Talvez haja ainda muito a explorar!
2022.06.03 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário