Chegou a um porto do noroeste de Espanha, antes do amanhecer deste dia 13
de junho, o cargueiro Alppila, provindo da Ucrânia, com 18 mil toneladas de
milho, depois de aquele país ter estabelecido pelo menos duas rotas, através da
Polónia e da Roménia, para iniciar o escoamento de cerca de 30 milhões de
toneladas de cereais que tem armazenados no território.
Para tanto, foram mobilizados trabalhadores para prepararem o carregamento no
porto de Constança, na Roménia, país da UE, que se afirma como uma alternativa
aos portos ucranianos bloqueados no Mar Negro.
Este é o primeiro carregamento de grãos ucranianos a chegar ao noroeste de
Espanha por via marítima, usando uma nova rota marítima aberta no Báltico para
evitar o bloqueio da Marinha russa aos portos da Ucrânia.
Dmytro Senik, vice-chanceler de Kiev, confirmou, em declarações à agência
de notícias Reuters, que a Ucrânia
fixou duas novas rotas, através da Polónia e da Roménia, para exportar cereais.
Com o estabelecimento destes canais alternativos dá-se um importante passo para
evitar
uma crise alimentar global, mesmo que os ‘gargalos’ retardem a cadeia de
suprimentos.
E aquele governante ucraniano adiantou, no dia 12 de junho, que o governo
de Kiev está também a negociar com os Países Bálticos a criação de uma terceira
rota de exportação. No entanto, Dmytro Senik, sem especificar a quantidade de
grãos que foi transportada até ao momento ou quantos produtos alimentares serão
transportados no futuro, advertiu que “estas rotas não são perfeitas”, pois
contêm passagens estreitas”, mas garantiu que o governo está a fazer o seu
melhor “para as desenvolver o mais rapidamente possível”.
A solução, a confirmar-se, poderá ajudar a mitigar um problema de segurança
alimentar mundial, crescente desde que a invasão russa induziu a suspensão aas
exportações de cereais ucranianos através do Mar Negro. A escassez começou a
generalizar-se e os preços dos alimentos dispararam, sobretudo no hemisfério
sul, onde muitos países estão dependentes do trigo da Ucrânia, país que é o
quarto maior exportador de grãos do mundo.
Como se disse, há cerca de 30 milhões de toneladas de grãos armazenados na
Ucrânia e que o Governo pretende exportar por via rodoviária, fluvial e
ferroviária, quando a Rússia vem impedindo as exportações marítimas, através
bloqueamento de portos e de rotas marítimas ucranianas no Mar Negro, além de
continuar a atacar com mísseis elevadores de grãos e infraestruturas
ferroviárias. A este respeito, o site “The New Voice of Ukraine” considera que
o Kremlin quer aumentar a fome nos países africanos para gerar uma onda de
migração contra a Europa, forçando os países da UE a receber mais migrantes.
Na verdade, os altos representantes do Kremlin exigem, em troca do
desbloqueio dos portos ucranianos, que as sanções impostas à Federação Russa
sejam suspensas ou aliviadas, exigência que alguns países, como os Estados
Unidos da América, recusaram categoricamente.
***
Monika Tothova, economista da FAO (Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação) e especialista em
políticas agrícolas e alimentares, avisou, em
entrevista à agência Lusa, que, se a
atual crise alimentar global se arrastar, muitas famílias necessitarão de fazer
refeições menos nutritivas ou até reduzir o número de refeições diárias e
retirar as crianças da escola, já que “muitos cidadãos esgotaram qualquer
capacidade de resiliência que ainda tinham”.
Para a FAO, os graves níveis de fome atuais são a “ponta do iceberg”, devendo a insegurança
alimentar atingir pessoas que não corriam esse risco, o que representará uma
deterioração significativa da situação mundial em termos humanitários.
Segundo Monika Tothova, estas possibilidades combinadas terão impacto na
saúde e bem-estar das famílias, incluindo no aumento da prevalência de
desnutrição, assim como na perda e no atraso no crescimento das crianças.
Entre os países mais afetados, a especialista mencionou o Iémen, onde cerca
de 17,4 milhões de pessoas necessitam agora de assistência alimentar, esperando-se
que mais 1,6 milhões de pessoas ali caiam em níveis emergenciais de fome,
elevando o total para 7,3 milhões de pessoas até ao final do ano, e
pormenorizou:
“A situação
humanitária no país provavelmente ficará ainda pior entre junho e dezembro de
2022, com o número de pessoas que provavelmente não conseguirão atender às suas
necessidades alimentares mínimas a atingir um recorde de 19 milhões de pessoas
nesse período”.
No ano passado, o mundo registou mais um pico de fome. De acordo com o
Relatório Global sobre Crises Alimentares, em 2021, cerca de 193 milhões de
pessoas em 53 países/territórios experimentaram insegurança alimentar aguda, um
aumento de 40 milhões de pessoas desde 2020. E a guerra da Rússia na Ucrânia,
com início a 24 de fevereiro, perturbou o equilíbrio alimentar global e cria
temores de uma crise que já está a afetar, em particular, os países mais
pobres.
Ucrânia e a Rússia produzem, juntas, quase um terço do trigo e da cevada do
mundo e metade do óleo de girassol, enquanto a Rússia e a Bielorrússia, sua
aliada, são dos maiores produtores mundiais de potássio, um ingrediente-chave
de fertilizantes. Por consequência, a guerra na Ucrânia levou a significativo aumento
nos preços mundiais de cereais e óleos, cujos valores superam os das Primaveras
Árabes de 2011 e os motins da fome de 2008. Com efeito, esta guerra, nas
palavras de Monika Tothova, “ocorreu no momento em que o mundo recuperava da
pandemia de covid-19” e com a insegurança alimentar a aumentar em todo o mundo,
“porque muitas pessoas perderam os meios de subsistência”.
Nesse contexto, como refere a especialista, o conflito “trouxe preocupações
significativas sobre o potencial impacto negativo na segurança alimentar,
especialmente para países pobres dependentes de importação de alimentos e grupos
populacionais vulneráveis”.
A especialista
da FAO, citando dados do Programa Alimentar Mundial (PAM), afirmou que, para se
conseguir manter o financiamento humanitário para assistência vital, incluindo
assistência alimentar, seriam necessários mais de 70 milhões de dólares (65,2
milhões de euros) por mês. E frisou a necessidade de investimento em
investigação, em desenvolvimento e em capacidade produtiva, apesar de salientar
que se trata de uma estratégia de longo prazo, que não é capaz de resolver os
problemas rapidamente.
Focando-se em possíveis soluções imediatas para tentar travar o problema,
Tothova sustentou que a diminuição da perda e do desperdício de alimentos
poderia melhorar, pelo menos parcialmente, o equilíbrio alimentar.
***
O Programa Alimentar Mundial (PAM), Programa Mundial de
Alimentação ou Programa Alimentos para o Mundo é uma das maiores agências
humanitárias do mundo, com sede em Roma (embora tenha escritórios espalhados
por dezenas de países) e está filiada na Organização das Nações Unidas (ONU).
O seu principal objetivo é combater a fome. Para isso, fornece alimentos a
pessoas em situação vulnerável.
Em média, por ano, o PAM ajuda 90 milhões de pessoas
distribuídas por 80 países, sobretudo pessoas incapazes de produzir ou obter
alimentos em suficiência para si e para as suas famílias.
Não deveria uma guerra, mesmo a que não olha a meio para
destruir, ferir e matar no teatro de operações, bloquear o fluxo de géneros alimentares
para benefício de pessoas que estão carentes de tudo para sobreviverem. Porém,
os países que decretaram sucessivas sanções económicas e financeiras à Rússia contribuíram,
a seu modo, para o agravamento da derrocada alimentar.
Porventura, todos os países deverão rever as suas posições
relativamente às questões alimentares e aos preços dos combustíveis da
eletricidade. A humanidade bem o merece!
2022.06.13 – Louro de Carvalho
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