Neste ano de 2022, o 10 de junho, que é tradicionalmente
o Dia de Portugal ou o Dia de Camões e, em tempo da nova
democracia, o Dia de Portugal, de Camões e
das Comunidades Portuguesas da Diáspora, não pode deixar de se ligar ao
bicentenário da Constituição de 1822, nascida na sequência da Revolução Liberal de 1820 e plasmada
num dos textos mais importantes e inovadores do constitucionalismo português,
bem como ao bicentenário da independência do Brasil, o primeiro país a autonomizar-se
de Portugal (arvorado em seu primeiro fruto coletivo) e o 20.º aniversário da
independência de Timor-Leste (o último fruto coletivo do ser português e com portugueses
lá no cabo do mundo, segundo alguns).
Os atos comemorativos do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades começaram, na manhã de
9 de junho, pelas 10,30 horas, com o hastear da Bandeira Nacional na Praça do
Município, em Braga, com a presença do Presidente da República e Comandante
Supremo das Forças Armadas, que visitou, a seguir, as atividades
militares complementares na Praça da República. E, de tarde, o
programa do Chefe de Estado incluiu duas iniciativas de âmbito
empresarial e a apresentação de cumprimentos pelo corpo diplomático acreditado
em Portugal.
No âmbito empresarial, destaca-se a assinatura de um
histórico Pacto de Mobilidade Empresarial, pelo Presidente da República, pelo
presidente da Câmara de Braga e por 33 empresas de Braga, com o objetivo de contribuir
para uma mobilidade mais sustentável no concelho.
O momento aconteceu na sede do grupo Narrava, com
Marcelo Rebelo de Sousa e Ricardo Rio, a classificarem o momento de “histórico”,
confirmando o compromisso de Braga e de Portugal para com a descarbonização e a
diminuição da dependência de combustíveis fósseis.
Além disso, o Presidente da República visitou, no Gabinete Municipal de
Saúde, em Braga, o Centro de Apoio à Saúde Oral “Braga a Sorrir”, uma parceria
da Câmara Municipal com a Organização “Mundo a Sorrir”, que promove a prevenção
e promoção da saúde oral junto de pessoas em situação de vulnerabilidade social
do município.
O dia terminou com um concerto comemorativo pelas bandas das Forças
Armadas e pelo coro académico da Universidade do Minho e com
fogo-de-artifício a partir do Monte do Picoto.
No dia 10, a cerimónia iniciou-se pelas 11 horas,
na Avenida da Liberdade, também em Braga. E incluiu, além dos
discursos de Marcelo Rebelo de Sousa e de Jorge Miranda, honras militares, uma cerimónia de homenagem aos
mortos, desfile das forças em parada e cumprimentos de antigos combatentes.
A seguir, o Presidente da República viajou para Londres, onde ficou até domingo, dia em que, antes de
regressar a Portugal, ainda se deslocou a Andorra, para um
encontro com a comunidade portuguesa. Por sua vez, Santos Silva, presidente
da Assembleia da República, em concertação com o chefe de Estado e o primeiro-ministro,
partiu para Toronto, no Canadá, permanecendo naquele país até ao dia 14, com
passagem Montreal, Lava e Otava. Quem faltou às comemorações, por motivo de doença,
não grave, mas impeditiva, foi António Costa, o chefe do Governo, que se fez
representar por João Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, que faz,
naturalmente, a ponte com as comunidades da diáspora através das unidades consulares.
Não obstante, Costa emitiu uma mensagem, na rede social Twitter, em que
salienta que se comemora a língua, a cultura e história, com o objetivo de
trabalhar “por um país melhor”.
***
No seu
discurso, o Presidente da República dedicou as suas palavras ao povo português
e evocou os 200 anos da Constituição portuguesa de 1822 e os 200 anos da
independência do Brasil.
“A pátria é
muito mais que heróis: é povo”. É a asserção que melhor condensa a intervenção
de Marcelo Rebelo de Sousa, em homenagem aos portugueses e aos feitos
históricos em que foram fundamentais para a identidade nacional.
Perante a
vasta multidão que se juntou na Avenida da Liberdade, afirmou que “sem o povo,
sem a arraia-miúda, não teria havido Portugal”, mesmo que os seus chefes tenham
enchido as páginas da história. E justificou as celebrações em Braga, referindo
que a Sé da cidade é um “pilar essencial da nossa portugalidade muitos séculos
antes de haver Portugal” e que foi a partir desta região que Portugal “se
separou do Reino de Leão”, para nunca mais deixar de afirmar a sua identidade
nacional. Salientou a importância dos municípios, que “surgiram dos seus forais
antes de serem submetidos ao poder central”. E observou que foi este o “povo que morreu aos milhares” pela
pátria e que se “lançou em cascas de noz” nas Descobertas, deixando a “língua e
alma” espalhadas pelo mundo.
Lembrou os
200 anos da Constituição de 1822, que limitou o poder da monarquia, e frisou a
independência do Brasil, pela qual se constituíram dois reinos diferentes, o de
Portugal e dos Algarves e o do Brasil.
Da
independência do Brasil, Marcelo passou para a de Timor-Leste, que celebra, neste
ano, 20 anos, recordando que “o povo português esteve a 100% com Timor”. O povo
português o chefe de Estado, sofreu com o massacre do cemitério de Santa Cruz e
“vibrou com o referendo” e a independência. A “unir tudo isto está o povo português,
sempre o povo português”.
A tónica do
discurso foi sempre a mesma – sem referência a problemas da atualidade –, a da
glorificação do povo português, que enfrenta a pandemia e a crise gerada pela
guerra, acentuando que “a nossa pátria
é história, é língua, mas é muito mais do que isso, é povo com séculos de
raízes, a que se juntaram a nós outros povos”. Marcelo relembrou as
comunidades de imigrantes em Portugal, desde a brasileira até à ucraniana, vincando
que é “o povo português que recebe refugiados da Ucrânia” e “o povo português
com armas” que procura a paz em missões como a República Centro Africana e
noutras. E fez uma aproximação afetiva a Braga, com tanto povo na rua para o
ouvir.
Antes do
Chefe de Estado, falou o presidente da comissão organizadora das comemorações
do 10 de Junho, o constitucionalista Jorge Miranda, que admitiu, entre o júbilo, o desgosto e a tristeza,
que não faltam problemas a Portugal “em todas as áreas”, mas sublinhando que o
país os saberá enfrentar com “determinação cívica”, através de respostas adequadas e que, legitimamente, poderão, variar com
a alternância e as alternativas democráticas”.
O que é tido
como um dos pais da Constituição, natural de Braga, destacou a importância de
Portugal dar resposta ao “exigente” desafio do mar, que vem de sempre e que,
nos dias de hoje, se torna mais exigente, “com a zona económica exclusiva e os
seus recursos a aproveitar”.
Revisitando
a história, Jorge Miranda enumerou, entre os motivos de júbilo, a revolta
popular em Lisboa, os descobrimentos, a Constituição de 1822, a independência
do Brasil sem derramamento de sangue e a primeira travessia aérea do Atlântico
Sul, de Lisboa ao Rio de Janeiro (1922), bem como a abolição da pena de morte
em 1867 e a consagração e institucionalização da fiscalização jurisdicional da
constitucionalidade das leis pela Constituição de 1911. Depois, focou o 25 de
Abril e a Constituição de 1976, com os benefícios que da sua aplicação advieram
às populações. E não deixou de lado a adesão ao Conselho da Europa, à Convenção
Europeia dos Direitos do Homem e aos seus protocolos adicionais, a adesão às
Comunidades Europeias, antecessoras da União Europeia, a reconciliação com os
povos africanos, a transferência negociada da soberania de Macau para a
República Popular da China, a independência de Timor-Leste e a formação da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
Como “causas
de desgosto e tristeza”, apontou a expulsão dos judeus, a Inquisição, a
escravatura, o tratamento dado a muitas populações e o estatuto do indigenato.
Aludiu ainda às “crueldades” do Marquês de Pombal, ao surto laicista radical
dos primeiros anos da República, ao longo regime autoritário de 1926 a 1974,
com censura, polícia política, perseguições, prisões, deportações e a “total
incompreensão que ele teve das mudanças no mundo desde 1945, levando a três
guerras sem sentido, com milhares de mortos”.
Diz Miranda que assumimos serenamente o passado no confronto dos outros
povos, no presente, mas “voltados para o futuro”. E, para evocar o 10 de junho, recorreu às palavras “Portugal”,
“portugalidade” e “patriotismo”, não falando em nacionalismo, pelas conotações
que o termo comporta, mas referindo que, nos dias de hoje, “grassam
nacional-populismos radicais e que chegam mesmo a fazer guerras de invasão”.
O
constitucionalista insurgiu-se ainda contra os atropelos à Língua Portuguesa –
depois de ter exaltado Camões como o expoente máximo da língua (“não conheço
nenhum país que eleve a celebração de um poeta a dia nacional”) e reivindicou o
“direito” e o “dever” do uso da língua aos portugueses e aos países de
expressão oficial portuguesa. Mencionando o programa Erasmus, que disse
adulterado, afirmou: “Internacionalizar não pode equivaler a desnacionalizar”.
***
São
bons enunciados. Porém, é de frisar que, após as constituições liberais e as declarações
dos direitos do homem e do cidadão, não é de continuar a falar da arraia-miúda
como sendo o povo oposto a outras classes sociais, mas a lutar pela igualdade e
bem-estar de todos. Não pode haver mais anónimos. E, quanto à língua, há que a
preservar, mas sem radicalismos: é um corpo vivo!
2022.06.10 – Louro de Carvalho
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