sábado, 18 de junho de 2022

O ambiente sociolinguístico do vocábulo “infante”

 

Em Português, usamos o termo “infante” para designar a criança de tenra idade, o filho de rei que não estava na primeira linha da sucessão e o militar do exército que integra a arma de infantaria.

O vocábulo provém do Latim “infans, infantis” (prefixo “-in”, com sentido de negação, e o particípio presente do verbo deponente “fari”, que significa “falar”) e aplica-se a quem que não fala em termos físicos e, por extensão, a quem não tem voz ativa ou voto na matéria em causa.

Assim, utilizamos o nome “infante” (palavra igual para o masculino e para o feminino) para designar a criança que ainda não fala, mesmo que já saiba andar. E, nestes termos, fala-se do Menino Jesus como o Divino Infante ou o Infante Suavíssimo. E aplica-se o nome cognato “infância” (do Latim, “infantia, infantiae”, incapacidade de falar, meninice) ao período mais lato em que as crianças até já falam, mas não têm capacidade de discernimento e de decisão. Neste sentido, a Igreja católica tem a Obra da Santa Infância e o Estado Novo tinha a Obra da Infância Desvalida. Paralelamente, temos o nome cognato “infantário”, como sinónimo de creche (lugar de acolhimento de crianças pequeninas, com berçário, sala de marcha e sala de transição), e a expressão “jardim de infância” para indicar a escola para as crianças mais pequenas até aos seis anos de idade (educação pré-escolar). Empregamos o adjetivo cognato “infantil” e o nome cognato “infantilidade” para caraterizar a criança ou a atitude de adulto que, pelas suas atitudes ou comportamentos, se assemelhe à criança – criancice –, como empregamos os nomes cognatos “infanticídio” e “infanticida” (do nome latino “infans, infantis” e o verbo “caedere”, cortar, matar) para designar, respetivamente, o homicídio de criança, sobretudo se se tratar de um recém-nascido, e aquele e aquela que pratique tal homicídio.

Em Francês, ocorrem, por exemplo, os termos “enfant” e “enfançon”, para “criança”, “enfantement”, para “parto”, e “enfantillage”, para “criancice” ou “infantilidade”.

Desde o longínquo ano de 972, tratavam-se, em Portugal (e ainda hoje isso acontece em Espanha), por infantes/as os filhos (infantes) e as filhas (infantas) que não estavam na linha direta da sucessão. E tivemos a “Casa do Infantado”, Criada pelo rei D. João IV, em 1654-1655, e extinta em 1834, que era um conjunto de bens materiais, propriedades e rendimentos, vasto património senhorial, na sua maioria confiscados aos apoiantes de Espanha no período da restauração da Independência. E hoje temos o “Centro de Acolhimento Temporário Casa do Infantado”, que iniciou a sua atividade a 11 de julho de 1994, em instalações cedidas, através de um contrato de comodato, pela Câmara Municipal de Loures, na zona do Infantado, e que acolhe 12 crianças de ambos os sexos, com idades compreendidas entre os 0 e os 12 anos.

Durante o Estado Novo, o nome de infante era atribuído aos rapazes com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos, filiados na Mocidade Portuguesa, uma estrutura paramilitar, propedêutica e congénere da sua versão adulta, a Legião Portuguesa, que podia ser chamada a combater no âmbito da Defesa Civil do Território ou como suplemento à ação das Forças Armadas.

Também vemos o vocábulo “infanção” utilizado como título nobiliárquico que designava os jovens nobres que pertenciam à classe situada entre a de fidalgo e a de cavaleiro.

Estamos a ver, por estes dois parágrafos, já alguma ligação semântica e histórica do infante à arma de infantaria. Com efeito, infante é também o soldado de infantaria, a arma do exército que treina os militares para a marcha a pé. Em Latim, “infantaria” era “peditatus, us”, a força armada cujos componentes combatiam a pé e progrediam no terreno. Os seus elementos eram os “pedites” (peões – de “pedes, peditis”), que andavam a pé (do nome “pes, pedis”, pé). No sentido de soldado que anda a pé, “infantaria” remonta ao Italiano “fante”, que remete para o Latim “fans, fantis”. Assim, um fante, na Idade Média, era um criado de pouca idade. E, com o tempo, o vocábulo passou a designar os criados dos militares de cavalaria (“equitatus, us”, de “eques, equitis”, cavaleiro, e “equus, i”, cavalo), seguindo estes a cavalo e aqueles a pé. Ainda hoje se diz, no exército, da supremacia da cavalaria sobre a infantaria, mas esquece-se que é a infantaria que logra a progressão no terreno e garante a sua ocupação, enquanto boa tropa de quadrícula.

Como não seriam poucas as vezes em que cavaleiros e peões acabavam por se envolver na refrega, chamava-se “fante” ao peão, que se designa “fantassin” em Francês. Em Italiano, também se chama “fante” à carta que, entre nós, é conhecida por valete.

Então, o termo “infantaria” provém da palavra “infante”, que significa criança nos idiomas antigos Grego (“paidíon, paidíou”) e Latim (“infans, infantis”). No Grego, significa o ou a que não se manifesta ou não pode se manifestar. No Latim, significa o ou a que não fala, mas caminha. Em ambos os idiomas, o infante deve obedecer sem reclamar.

Em todas as épocas, os soldados a pé sempre foram os mais sacrificados nas lides guerreiras. Fosse por terem de carregar pessoalmente as suas armas e utensílios, fosse por estarem mais expostos, pela menor mobilidade, às agressões inimigas, as suas atividades eram muito arriscadas.

Cabe à infantaria o papel indispensável, numa campanha, de ocupar o terreno, função que nunca desaparecerá enquanto houver guerras. Mas, dadas as dificuldades que o soldado de tal arma enfrenta, foi comparado à criança, ao infante, que se apresenta restrito em suas capacidades de sobrevivência. Por outro lado, a infantaria, quando empreende o assalto, tem de valer-se do sorrateirismo e do silêncio. Obviamente, no incitamento à ação ou em caso de perigo extremo, haverá palavras de ordem e o grito de cada unidade ou subunidade.   

Também é recorrentemente empregue, em Português, a palavra “fantoche” para indicar o boneco que não fala ou que se limita a ser a voz de quem fala como se fosse ele a falar. É um termo que entrou na nossa língua através do Francês e que se diz, em Italiano, “fantoccio”. Não é por acaso que se chama, com o pejorativo “fantoche”, quem não é capaz de exprimir as suas ideias, pelo que, não se exprimindo verbalmente, acaba por ter de fazer o que outros lhe imponham.    

***

infantaria é a arma mais antiga do exército e, geralmente, dotada dos maiores efetivos, formada por soldados que podem combater em todos os tipos de terreno e em quaisquer condições meteorológicas, podendo usar variados meios de transporte para chegarem à frente de combate. Tem por missão a conquista e amanutenção do terreno, com a capacidade de progredir em pequenas frações, de difícil deteção e grande mobilidade. Contemporaneamente, emprega o princípio de fogo e movimento para atingir uma posição dominante em relação à do inimigo.

Agrupa as tropas em unidades chamadas de divisões, brigadas, batalhões, companhias e pelotões.

A infantaria é, desde a antiguidade, a principal força combativa de um exército. A notável exceção é das sociedades nómades, como os Hunos e Mongóis, que lutavam com soldados a cavalo.

A infantaria tradicional tem as suas origens nos combatentes gregos e romanos, que lutavam em grupos compactos, armados de espadas e lanças e protegidos por couraças e elmos metálicos. A legião romana aperfeiçoou a sua organização em unidades e subunidades, o que hoje é base da organização dos exércitos. A legião dividia-se em 10 coortes, que se dividiam em número variável de centúrias, que eram compostas por cerca de 100 homens cada. A variar em função do período histórico, a legião romana podia ter entre 3 mil a 6 mil homens.

Com o surgimento das armas de fogo, no final da Idade Média, a infantaria passa a ter organização tática e emprego diferente, sendo empregada em linhas contínuas de atiradores, lado a lado que se contrapunham à outra linha, em frente do inimigo. Como os arcabuzes e os mosquetes tinham cadência de tiro muito lenta, os atiradores eram complementados por outras tropas armadas com armas brancas, longas lanças, chamadas piques. Com o tempo, as armas de fogo aperfeiçoaram-se e os piqueiros desapareceram, sendo o seu papel substituído pela baioneta, uma lâmina afiada que é adaptada na boca do fuzil para proceder ao combate corpo-a-corpo.

A evolução e o aumento da capacidade das armas de fogo, bem como o desenvolvimento da artilharia (no século XIX), com as armas a ter maior alcance e maior número de disparos por minuto, levaram à alteração do emprego da infantaria. Nas guerras de Secessão, do Paraguai e Franco-Prussiana, os infantes atuavam somente em linha e cavavam trincheiras para proteção. A I Guerra Mundial ficou conhecida como a guerra das trincheiras, pois o poder de fogo da artilharia e das metralhadoras barrou o movimento da infantaria. Apesar de, na II Guerra Mundial, os carros de combate da cavalaria terem papel importante nas grandes ofensivas, a infantaria ainda era a mais numerosa das armas e responsável pela ocupação e manutenção do terreno tomado ao inimigo. E, ao ser transportada em veículos, passou a ser infantaria motorizada ou mecanizada.

Formas especializadas de infantaria são o fuzileiro naval, os rangers e os comandos, que combatem em condições excecionais, muitas delas fora do tradicionalmente convencionado.

***

Enfim, um exemplo de como um vocábulo tão inocente tem um ambiente tão vasto.

2022.06.18 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário