sábado, 25 de junho de 2022

Papa Francisco manda publicar arquivos sobre perseguição a judeus

 

De acordo com o respetivo comunicado da Santa Sé, divulgado pela Sala de Imprensa no passado dia 23 de junho, o Papa Francisco ordenou a publicação, na internet, de milhares de arquivos sobre a perseguição dos judeus no Holocausto, durante o pontificado de Pio XII (1939-1958), tradicionalmente acusado de ter sido fraco perante os crimes da II Guerra Mundial.

Os documentos estarão virtualmente “acessíveis a todos” no próprio portal do Vaticano a partir deste mês e incluem os pedidos de ajuda enviados por judeus de “toda a Europa” a Pio XII.

Em março de 2020, Francisco decidiu disponibilizar aos académicos o acesso aos arquivos do pontificado de Pio XII, parte do qual decorreu durante a II Guerra Mundial (1939-1945), mas agora passa a ser permitido o estudo de 170 volumes e quase 40.000 documentos a qualquer utilizador da internet. No entanto, inicialmente, apenas 70% do material será publicado, já que o resto ainda não está a ser digitalizado.

No dizer do arcebispo Paul Richard Gallagher, responsável da secção para as Relações com os Estados, da Secretaria de Estado da Santa Sé, o material disponibilizado e a disponibilizar, que inclui cartas, requerimentos e dados com o nome e a identidade dos remetentes, “vai permitir aos descendentes daqueles que pediram ajuda procurarem, em qualquer lugar do mundo, os vestígios dos seus entes queridos”. É o que o referido dignitário eclesiástico escreve em artigo publicado no L’Osservatore Romano a propósito da medida ora tomada pelo Pontífice.

O predito comunicado da Santa Sé sublinha que a medida foi tomada por vontade do próprio Papa Francisco e esclarece que é operacionalizada pelo Arquivo Histórico da Secretaria de Estado – Secção de Relações com Estados e Organismos Internacionais (ASRS). Trata-se da documentação completa da atividade pontifícia de Pio XII, compreendendo, como ficou dito, cerca de 40 mil arquivos digitais, a que se pode agora aceder online. Nesta primeira fase, serão disponibilizados apenas 70 por cento dos documentos, antes de serem integrados nos volumes finais que estão em fase de elaboração.

Este vastíssimo conjunto de materiais, cuja consulta já tinha sido aberta a investigadores no início de março de 2020, mas cujo acesso a pandemia condicionou fortemente, tem por título “Ebrei” (Judeus), “porque o seu objetivo é preservar os pedidos de ajuda dos judeus de toda a Europa, recebidos pelo Papa durante as perseguições nazi-fascistas”, como esclarece o Vaticano.

Por outro lado, foi notícia que, no dia 22 de junho, o Centro Simon Wiesenthal entregou ao Santo Padre um fac-símile do documento em que Adolf Hitler teorizou o extermínio de judeus. E, no encontro dedicado a essa entrega, Francisco denunciou o antissemitismo e “a ameaça contínua do populismo”.

Nessa audiência no Vaticano, estiveram presentes 30 personalidades de diferentes países ligadas ao Centro Wiesensthal, incluindo o rabi Marvin Hier, fundador e diretor executivo da instituição.

Dirigindo-se ao Papa, o rabino, citado pela Aslnewa, enfatizou o facto de este encontro ocorrer 80 anos depois da Conferência de Wannsee, na qual 15 oficiais nazis, oito deles estudantes de doutoramento de algumas das melhores universidades, tomaram a decisão, concordando com as ordens de Hitler, de realizar um assassinato em massa de todos os judeus na Europa.

Por isso, Marvin Hier disse ao Sumo Pontífice em nome de todos os presentes na audiência:

“Viemos aqui, hoje, apresentar aos Arquivos do Vaticano um dos documentos mais significativos da história da humanidade: uma cópia de uma carta original, datilografada e assinada por Hitler, em 16 de setembro de 1919, na qual ele delineia abertamente a necessidade do extermínio definitivo do povo judeu na Europa”.

O original da carta de Hitler, que foi entregue ao Papa, está em exposição no Museu da Tolerância, no Centro Simon Wiesenthal, em Los Angeles. E o responsável pelo Centro explicou:

 “O que começou como a opinião de um homem tornar-se-ia a política de Estado na Alemanha nazi 22 anos depois, levando ao assassinato sistemático de um terço dos judeus do mundo”.

Eis o teor do comunicado de 23 de junho:

“Per volere del Santo Padre Francesco, da giugno 2022, l’Archivio Storico della Segreteria di Stato – Sezione per i Rapporti con gli Stati e le Organizzazioni Internazionali (ASRS) rende accessibile a tutti la riproduzione virtuale di un’intera serie archivistica sul proprio sito internet (https://www.vatican.va/roman_curia/secretariat_state/sezione-rapporti-stati/archivio-storico/serie-ebrei/serie-ebrei_it.html).

“Si tratta della serie documentaria, afferente al pontificato di Pio XII (aperto alla consultazione dal 2 marzo 2020), denominata “Ebrei”, perché era destinata a conservare le istanze di aiuto rivolte al Papa da ebrei di tutta Europa, dopo l’inizio delle persecuzioni nazi-fasciste.

La serie archivistica è costituita in totale da 170 volumi, equivalenti in digitale a quasi 40.000 file. In un primo momento sarà disponibile il 70% del materiale complessivo, che sarà in seguito integrato con gli ultimi volumi in corso di lavorazione.”

***

Enfim, chegou o momento de dissipação das dúvidas sobre a postura de Pio XII na relação da Santa Sé com a Alemanha de Hitler e, em especial, sobre os judeus perseguidos. Têm vindo a terreiro informações contrastantes sobre o papel do Papado na II Guerra Mundial, nomeadamente, por um lado, do alegado silêncio, explicável pela segurança dos católicos da Alemanha frente a eventuais retaliações do Führer por eventual postura hostil do Vaticano e até acomodação, e, por outro lado, de apoio discreto, mas eficaz, a judeus perseguidos (pelo ocultamento e facilitação da passagem para fora da Alemanha e da Itália) e de participação e, mesmo de liderança, contra o regime hitleriano, a partir de dado momento. Há literatura sobre a matéria para todos os gostos.

A abertura dos arquivos e a sua disponibilização online mostra que o Vaticano não tem medo da verdade, na certeza de que, se erros houve, em tempo de guerra, nem sempre a Diplomacia é certeira, tal como, em tempo de pandemia, a Virologia e a Saúde Pública também não o são.        

2022.06.25 – Louro de Carvalho

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