segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Vem aí nova vaga do estado de emergência, embora menos gravoso

 

O Governo propôs, neste dia 2 de novembro, ao Presidente da República a declaração do estado de emergência “com uma natureza essencialmente preventiva, para poder eliminar dúvidas jurídicas, quanto a quatro dimensões fundamentais” como adiantou o Primeiro-Ministro, após a audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações transmitidas pelas televisões.

Adiantando que este novo estado de exceção deve ter um “quadro mais limitado no seu objeto”, mas uma “extensão superior aos 15 dias”, nomeadamente através da continuada renovação periódica em função da exigência da pandemia. O Primeiro-Ministro apresentou ao Presidente da República como razões para justificar um novo estado de emergência as seguintes: não haver dúvidas sobre possibilidade de o Governo impor, quando justificado, entre diferentes áreas de território, em certos períodos do dia, limitações à liberdade de circulação; eliminar dúvidas sobre a legitimidade para impor medidas de controlo de temperatura, quer no acesso a locais de trabalho, quer no acesso a locais públicos; robustecer os termos em que o Estado possa proceder à utilização de recursos e meios de saúde do setor privado ou social; e não haver qualquer dúvida de que podem ser mobilizados recursos humanos do setor público ou privado, nomeadamente elementos das forças armadas ou servidores públicos e privados (funcionários públicos, professores, etc.) que, não estando infetados ou impedidos de trabalhar, se encontrem em situação de recolhimento e que sejam utilizados para reforçar o esforço das equipas de saúde pública – por exemplo, no trabalho de rastreamento de casos positivos e casos de risco – sempre sob supervisão de profissionais de saúde.

Quanto às restrições à liberdade de circulação, Costa explicita que “está compreendida a possibilidade que tenha diferentes dimensões e diferentes períodos de aplicação”. Assim, como apontou, “nada impedirá, se for necessário, que ocorra em determinadas horas do dia, por exemplo entre as 23 horas e 6 horas da manhã”. Além disso, esta limitação” pode ser de forma geral ou de forma pontual”, sendo que a proposta é que seja restrita aos concelhos mais afetados, nomeadamente os 121 para os quais já foram anunciadas regras mais apertadas.

As limitações têm por objetivo limitar os ajuntamentos e aglomerações, nomeadamente, “travar um conjunto de festejos e eventos que tem sido fonte de transmissão”, como por exemplo em “crismas, batizados, casamentos, aniversários”.

O Primeiro-Ministro tinha já dito, a 31 de outubro, que iria fazer este pedido ao Chefe de Estado. E, caso ele o aceitasse, o estado se emergência poderia regressar para 121 concelhos em que vão vigorar medidas mais restritivas para controlar a propagação do vírus e outros que estejam sob o critério da apresentação de mais de 240 novos casos por cada 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, ou próximo de outro concelho que preencha o mesmo critério.

António Costa disse ter indicações de que este mês de novembro “vai ser muito difícil e duro”, pelo que deveremos “continuar a ter aumento significativo de casos” – “um momento crítico”, a que responde a intenção de declarar estado de emergência também com vista ao reforço da consciência cívica”.

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Os partidos políticos já reagiram à proposta do Governo, como se verá a seguir.

Assim, o presidente do PSD reiterou a asserção de que o partido está “do lado da solução”, pois, a intenção do Executivo é aplicar as novas restrições de forma seletiva, o que “é do interesse nacional”. Rio não vê este estado de emergência como em março e abril “em que se tomaram medidas muito pesadas”. Foram medidas que, do ponto de vista sanitário continuariam a ser necessárias, mas que não se podem tomar por razões de ordem económica, pois “a economia não aguenta”. E, admitindo que há medidas, decididas pelo Governo, que não têm a lógica toda” e que algumas “não se entendem muito bem”, diz acreditar, no entanto, que “a ideia é tomar medidas mais suaves para ver se o comportamento cívico das pessoas leva a que não seja necessário ser mais rude nas medidas”.

Por sua vez, o CDS, querendo conhecer os “pormenores” do estado de emergência que será proposto ao Parlamento, admite ter “disponibilidade para votar a favor”. Contudo, exige que este seja “minimalista”. Apesar de considerar que o Governo “falhou”, entende dever “participar neste esforço nacional”, reclamando a posição de “partido responsável, que não é negacionista e que quer salvar vidas, pelo que é sensível à situação a que o país chegou”. Com efeito, o CDS está “empenhado em salvar quem pode morrer por causa do colapso do sistema de saúde”.

Para Francisco Rodrigues dos Santos, que falou em declarações transmitidas pela RTP3, o novo estado de emergência “tem de ser minimalista, sanar dúvidas de constitucionalidade e aplicar medidas cirúrgicas, localizadas e temporárias”, tal como deve contemplar compensações para as empresas impactadas pelas restrições em locais mais afetados pela pandemia.

E o líder centrista criticou o Governo de Costa pelas “mensagens confusas” que transmite à oposição e à população, acusando “avanços e recuos que minam a confiança dos portugueses”. Além disso, considera que há “dois pesos e duas medidas” no caso das feiras, que passarão a ser proibidas a partir de 3 de novembro, pois os centros comerciais continuam abertos.

O líder do PAN alerta que o estado de emergência “não pode restringir aquilo que é a atividade normal dos candidatos às presidenciais” e pede ao Presidente da República que não restrinja as liberdades dos candidatos na campanha eleitoral.

No final da audiência com Marcelo, André Silva disse que o partido acompanha o sentido do documento entregue pelo Primeiro-Ministro para decretar o estado de emergência, visto que tem “noção daquilo que são as condições epidemiológicas e o contexto sanitário e, naturalmente, é importante que se tomem novas medidas”. Porém, não se quis comprometer com o sentido de voto do partido, dizendo querer esperar pelo conteúdo concreto do decreto.

O porta-voz do PAN pediu que seja garantida “a sobrevivência das empresas”, através de apoios “melhorados e renovados”, pois “o país não quer nem aguenta o mesmo confinamento que tivemos em março e abril”. Não concorda com a proibição de feiras e mercados de levante, destacando que as “feiras são exequíveis, são possíveis e podem laborar com condições adequadas para o efeito”. Considera que “estão a ser pedidos aos cidadãos muitos esforços, sem que o Governo tenha esgotado tudo o que pode fazer”, apontando que, por exemplo, os transportes públicos “continuam apinhados” e referindo que “há uma série de responsabilidades que o Governo deve tomar e ainda não tomou”, para alguma coerência e maior legitimidade para solicitar este esforço aos cidadãos. E não entende que seja “justificado ou conveniente” o recolher obrigatório, mas que, se vier a ser necessário daqui a umas semanas, equacioná-lo-á.

O deputado único da Iniciativa Liberal (IL) reitera que o partido não gosta de estados de emergência e diz que a probabilidade de o aprovar é “remota”. Ainda assim, João Cotrim Figueiredo sublinha que precisa de ter acesso ao documento na íntegra para uma decisão final. Porém, considerando que o estado de emergência proposto pelo Governo é mais contido do que o decretado em março e abril, entende que “há demasiadas áreas onde as liberdades e os direitos dos portugueses” podem ser colocados em causa, nomeadamente no que diz respeito ao “recurso a entidades, privadas, cooperativas ou sociais”.

Além disso, o deputado da IL acusa o Governo de não se ter preparado adequadamente para a segunda vaga da pandemia, nomeadamente através do reforço de profissionais alocados ao SNS, acrescentado ainda que o reforço no número de camas em unidades de cuidados intensivos e enfermarias não foi “suficiente”. E reclama mais informação sobre a situação epidemiológica e dados sobre o impacto económico das medidas tomadas, visto que, passados 8 meses, já se devia saber qual é o impacto económico e social de cada medida aproximadamente”, pois, “só desta forma, se conseguem “tomar as medidas verdadeiramente eficazes”.

O PCP, como adiantou Jerónimo de Sousa, “não acompanha” o pedido do Governo ao Chefe de Estado. Para o partido, a declaração de emergência “não resolve” os problemas do país, sendo que as medidas decididas pelo Executivo “não têm sentido nem aplicabilidade”.

O secretário-geral do PCP sublinha, além disso, que há medidas aplicadas pelo Governo “do ponto de vista errado”, criticando, por exemplo, a proibição de realização de mercados e feiras, que levará à falência dos feirantes, enquanto se permite que os grandes centros comerciais estejam abertos. Questionou ainda o sentido da proibição de circulação entre concelhos, que fez “quilómetros de fila na ponte Vasco da Gama”. Para o partido, são necessárias outras medidas, nomeadamente o reforço de meios e profissionais do SNS, bem como medidas que respondam as problemas nos lares e à “situação de muitas pequenas empresas”. Em vez de avançar com estas respostas, o Governo propõe medidas “que não têm sentido nem aplicabilidade tendo em conta o surto” que se vive.

O Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) manifestou “reservas e fundadas dúvidas” sobre a necessidade de estado de emergência para as medidas previstas de combate à pandemia, bem como sobre a “cobertura constitucional e legal” das mesmas, mas reservou a posição final para quando for conhecido o decreto. Assim, José Luís Ferreira disse que o partido “ainda não vislumbrou as vantagens” da declaração do estado de emergência em março, defendendo que as medidas mais relevantes – como o encerramento das escolas ou o confinamento voluntário dos portugueses – aconteceram “antes ou à margem” desse período. E apontou outro problema associado: “quando é o momento de acabar o estado de emergência, fica a perceção de que está tudo resolvido”. Por outro lado, pede que a discussão sobre o combate à pandemia “não se reduza ao estado de emergência”, defendendo a necessidade de “robustecer o Serviço Nacional de Saúde” (SNS) e de uma melhor explicação das medidas por parte do Governo.

Além disso, José Luís Ferreira apelou a que o Governo crie condições para um “efetivo cumprimento das regras” em setores como os transportes públicos e as escolas, dois locais onde considerou não existirem condições para ser cumprido o necessário distanciamento físico. E estranhou ainda medidas como a decisão de encerrar mais cedo os estabelecimentos comerciais – “se ficam abertos menos tempo, a tendência é para haver aglomerações” – e de fechar os mercados de proximidade, mantendo abertas as grandes superfícies. Por isso, disse que o partido pretendia que o Governo reavaliasse esta decisão e procurasse mecanismos que não passem pelo encerramento e alertou que estes mercados são por vezes “a única forma” que os pequenos produtores têm para escoar os seus produtos.

O Bloco de Esquerda (BE) acredita que o estado de emergência, como o Governo o propôs, “não é o instrumento mais adequado” para a situação que o país enfrenta agora. Contudo, deixa tudo em aberto quanto ao voto, afirmando que tudo dependerá do texto exato que for apresentado.

Sobre a situação do país, Catarina Martins disse aos jornalistas:

O país está a passar uma situação muito complicada. Os números são um alerta grave e todos compreendemos a necessidade de medidas de contenção da pandemia e que protejam o Serviço Nacional de Saúde.”.

E, reiterando que o BE estaria disponível para alterações legislativas que o Governo entendesse necessárias para medidas que reforçassem o combate à pandemia”, afirmou:

Vemos com agrado que o Governo finalmente venha dar palavra sobre a necessidade de utilizar recursos do setor privado e social, nomeadamente utilizando a requisição civil, para que tenhamos mais capacidade na resposta”.

Contudo, acrescentou que o Bloco acredita que “boa parte dos mecanismos que são necessários impor podem ser tomados com legislação do Parlamento”, explicando que, “dificilmente, em 15 dias, teremos uma situação em que possamos regressar à normalidade”. E vincou:

Por isso é que convidamos o Governo a pensar em legislação que o Parlamento pudesse aprovar e que fosse de outro horizonte. Não vemos o estado de emergência como, necessariamente, o instrumento mais adequado para este momento.”.

Sobre o voto que os bloquistas darão a um possível decreto do estado de emergência, a líder do BE respondeu apenas que o partido “só tomará uma decisão sobre o estado de emergência quando conhecer o texto exato”.

E, como era de esperar, o PS mostrou-se alinhado com o Governo nesta questão.

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Por seu turno, Ana Gomes considerou insuficientes as medidas para conter a evolução da epidemia de covid-19 anunciadas, no dia 31, pelo governo.

No comentário que protagoniza na SIC Notícias, deste dia 1 de novembro, a candidata à presidência da República declarou: “Visto que há muitas referências à necessidade de salvar o Natal, [pergunto] se elas serão suficientes”. E prosseguiu:

Se não forem suficientes e se inclusivamente se admite que se venha a ter um reforço delas na primeira quinzena de dezembro para salvar o Natal, então porque é que isso não é tomado já e porque é que elas não são explicadas? (…) Não é bom ficarmos com uma sensação de estarmos a meio da ponte.”.

A ex-eurodeputada defendeu que se devem apertar as medidas antes da rutura de camas dos cuidados intensivos. E sublinhou que há uma “necessidade de regulação entre o Serviço Nacional de Saúde e as disponibilidades dos privados, que têm capacidades”. E alertou:

Isto exige não só que não se deixem as negociações para um momento já muito perto da rutura, em que obviamente o Estado estará a negociar numa posição de maior debilidade, mas também que não se deixe este assunto ficar nas mãos de entidades fragmentadas, sejam hospitais ou as ARS”.

Como o estado de emergência não agrada à maioria dos partidos, a socialista sugere que a Assembleia da República avance para uma lei de emergência sanitária, que “fosse além das leis que agora temos” – lei que permitiria, por exemplo, a imposição do recolhimento obrigatório.

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O estado de emergência é forçado pela situação de calamidade sanitária, mas esbarra com questões atinentes às liberdades, à proporcionalidade, à possível ineficácia ou insuficiência, ao agravamento da fadiga pandémica, à punição dos cidadãos e ao estrangulamento da economia. Porém, como sem economia não há saúde e sem saúde a economia é inútil ou insuficiente, o estado de emergência pode ser um grande remédio para o grande mal.

Virá a tempo? Mobilizará toda a gente? Não criará mais dificuldades aos vulneráveis? Porque se desmantelaram hospitais de campanha e outras estruturas de retaguarda? Porque se adiam consultas, cirurgias e meios de diagnóstico? Porque não atender a outras doenças e debilidades?

2020.11.02 – Louro de Carvalho

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