O Governo propôs, neste dia 2 de novembro, ao Presidente
da República a declaração do estado de emergência “com uma natureza essencialmente
preventiva, para poder eliminar dúvidas jurídicas, quanto a quatro dimensões
fundamentais” como adiantou o
Primeiro-Ministro, após a audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, em declarações
transmitidas pelas televisões.
Adiantando que este novo estado de exceção deve ter um “quadro mais limitado no seu objeto”, mas uma “extensão superior
aos 15 dias”, nomeadamente através da continuada renovação
periódica em função da exigência da pandemia. O Primeiro-Ministro apresentou ao
Presidente da República como razões para justificar um novo estado de
emergência as seguintes: não haver dúvidas sobre possibilidade
de o Governo impor, quando justificado, entre diferentes áreas de território,
em certos períodos do dia, limitações à liberdade de
circulação; eliminar dúvidas sobre a legitimidade para impor medidas de controlo de temperatura, quer no acesso a
locais de trabalho, quer no acesso a locais públicos; robustecer os termos em
que o Estado possa proceder à utilização de recursos e meios
de saúde do setor privado ou social; e não haver qualquer dúvida de que
podem ser mobilizados recursos humanos do setor público ou privado,
nomeadamente elementos das forças armadas ou servidores públicos e privados (funcionários
públicos, professores, etc.) que, não
estando infetados ou impedidos de trabalhar, se encontrem em situação de
recolhimento e que sejam utilizados para reforçar o esforço das equipas de
saúde pública – por exemplo, no trabalho de rastreamento de casos positivos e
casos de risco – sempre sob supervisão de profissionais de saúde.
Quanto às restrições à liberdade de circulação, Costa explicita que “está
compreendida a possibilidade que tenha diferentes dimensões e diferentes
períodos de aplicação”. Assim, como apontou, “nada impedirá, se for
necessário, que ocorra em determinadas horas do dia, por exemplo entre as 23 horas
e 6 horas da manhã”. Além disso, esta limitação” pode ser de forma geral
ou de forma pontual”, sendo que a proposta é que seja restrita aos concelhos
mais afetados, nomeadamente os 121 para os quais já foram anunciadas regras
mais apertadas.
As limitações têm por objetivo limitar os ajuntamentos e aglomerações,
nomeadamente, “travar um conjunto de festejos e eventos que tem sido fonte de
transmissão”, como por exemplo em “crismas, batizados, casamentos,
aniversários”.
O Primeiro-Ministro tinha já dito, a 31 de outubro,
que iria fazer este pedido ao Chefe de Estado. E, caso ele o aceitasse, o
estado se emergência poderia regressar para 121 concelhos em que vão vigorar
medidas mais restritivas para controlar a propagação do vírus e outros que
estejam sob o critério da apresentação de mais de 240 novos casos por cada 100
mil habitantes nos últimos 14 dias, ou próximo de outro concelho que preencha o
mesmo critério.
António Costa disse ter indicações de que este mês de novembro “vai ser
muito difícil e duro”, pelo que deveremos “continuar a ter aumento
significativo de casos” – “um momento crítico”, a que responde a intenção de declarar estado de emergência também com vista ao
reforço da consciência cívica”.
***
Os partidos políticos já reagiram à proposta do
Governo, como se verá a seguir.
Assim, o presidente do PSD reiterou a asserção de que
o partido está “do lado da solução”, pois,
a intenção do Executivo é aplicar as novas restrições de forma seletiva, o que “é
do interesse nacional”. Rio não vê este estado de emergência como em
março e abril “em que se tomaram medidas muito pesadas”. Foram medidas
que, do ponto de vista sanitário continuariam a ser necessárias, mas que não se
podem tomar por razões de ordem económica, pois “a economia não aguenta”. E, admitindo que há medidas, decididas pelo
Governo, que não têm a lógica toda” e que algumas “não se entendem muito bem”,
diz acreditar, no entanto, que “a ideia é tomar medidas mais
suaves para ver se o comportamento cívico das pessoas leva a que não seja
necessário ser mais rude nas medidas”.
Por sua vez, o CDS, querendo conhecer os “pormenores” do estado de
emergência que será proposto ao Parlamento, admite ter “disponibilidade para
votar a favor”. Contudo, exige que este seja “minimalista”. Apesar de
considerar que o Governo “falhou”, entende dever “participar neste
esforço nacional”, reclamando a posição de “partido responsável, que não é
negacionista e que quer salvar vidas, pelo que é sensível à situação a que o
país chegou”. Com efeito, o CDS está “empenhado em salvar quem pode morrer por
causa do colapso do sistema de saúde”.
Para Francisco Rodrigues dos Santos, que falou em declarações transmitidas
pela RTP3, o novo estado de emergência “tem de ser minimalista, sanar dúvidas de constitucionalidade e
aplicar medidas cirúrgicas, localizadas e temporárias”, tal como deve
contemplar compensações para as empresas impactadas pelas restrições em locais mais
afetados pela pandemia.
E o líder centrista criticou o Governo de Costa pelas “mensagens confusas”
que transmite à oposição e à população, acusando “avanços e recuos que
minam a confiança dos portugueses”. Além disso, considera que há “dois
pesos e duas medidas” no caso das feiras, que passarão a ser proibidas a partir
de 3 de novembro, pois os centros comerciais continuam abertos.
O líder do PAN alerta que o estado de emergência “não pode restringir
aquilo que é a atividade normal dos candidatos às presidenciais” e pede ao Presidente da República que não restrinja as
liberdades dos candidatos na campanha eleitoral.
No final da audiência com Marcelo, André Silva disse que o partido
acompanha o sentido do documento entregue pelo Primeiro-Ministro para decretar
o estado de emergência, visto que tem “noção daquilo que são as condições
epidemiológicas e o contexto sanitário e, naturalmente, é importante que se
tomem novas medidas”. Porém, não se quis comprometer com o sentido de voto do
partido, dizendo querer esperar pelo conteúdo concreto do decreto.
O porta-voz do PAN pediu que seja garantida “a sobrevivência das empresas”,
através de apoios “melhorados e renovados”, pois “o país não quer nem aguenta o
mesmo confinamento que tivemos em março e abril”. Não concorda com a proibição de
feiras e mercados de levante, destacando que as “feiras são exequíveis, são
possíveis e podem laborar com condições adequadas para o efeito”. Considera
que “estão a ser pedidos aos cidadãos muitos esforços, sem que o
Governo tenha esgotado tudo o que pode fazer”, apontando que, por
exemplo, os transportes públicos “continuam apinhados” e referindo que “há uma
série de responsabilidades que o Governo deve tomar e ainda não tomou”, para alguma
coerência e maior legitimidade para solicitar este esforço aos cidadãos. E não
entende que seja “justificado ou conveniente” o recolher obrigatório, mas que,
se vier a ser necessário daqui a umas semanas, equacioná-lo-á.
O deputado único da Iniciativa Liberal (IL) reitera que o partido não gosta de estados de emergência e diz que a
probabilidade de o aprovar é “remota”. Ainda assim, João Cotrim Figueiredo sublinha
que precisa de ter acesso ao documento na íntegra para uma decisão final. Porém,
considerando que o estado de emergência proposto pelo Governo é mais
contido do que o decretado em março e abril, entende que “há demasiadas áreas onde as liberdades e os direitos dos
portugueses” podem ser colocados em causa, nomeadamente
no que diz respeito ao “recurso a entidades, privadas, cooperativas ou
sociais”.
Além disso, o deputado da IL acusa o Governo de não se ter
preparado adequadamente para a segunda vaga da pandemia, nomeadamente
através do reforço de profissionais alocados ao SNS, acrescentado ainda que o
reforço no número de camas em unidades de cuidados intensivos e enfermarias não
foi “suficiente”. E reclama mais informação sobre a situação epidemiológica e dados
sobre o impacto económico das medidas tomadas, visto que, passados 8 meses, já se devia saber qual é o impacto económico e
social de cada medida aproximadamente”, pois, “só desta forma, se
conseguem “tomar as medidas verdadeiramente eficazes”.
O PCP, como adiantou Jerónimo de Sousa, “não acompanha” o pedido do Governo ao Chefe
de Estado. Para o partido, a declaração de emergência “não resolve” os
problemas do país, sendo que as medidas decididas pelo Executivo “não têm sentido
nem aplicabilidade”.
O secretário-geral do PCP sublinha, além disso, que há medidas
aplicadas pelo Governo “do ponto de vista errado”, criticando, por
exemplo, a proibição de realização de mercados e feiras, que levará à falência
dos feirantes, enquanto se permite que os grandes centros comerciais estejam
abertos. Questionou ainda o sentido da proibição de circulação entre concelhos,
que fez “quilómetros de fila na ponte Vasco da Gama”. Para o partido,
são necessárias outras medidas, nomeadamente o reforço de meios e profissionais
do SNS, bem como medidas que respondam as problemas nos lares e à
“situação de muitas pequenas empresas”. Em vez de avançar com estas respostas,
o Governo propõe medidas “que não têm sentido nem aplicabilidade tendo em conta
o surto” que se vive.
O Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) manifestou “reservas e fundadas dúvidas” sobre a necessidade de estado de
emergência para as medidas previstas de combate à pandemia, bem como sobre a “cobertura
constitucional e legal” das mesmas, mas reservou a posição final para quando
for conhecido o decreto. Assim, José Luís Ferreira disse que o partido “ainda
não vislumbrou as vantagens” da declaração do estado de emergência em março,
defendendo que as medidas mais relevantes – como o encerramento das escolas ou
o confinamento voluntário dos portugueses – aconteceram “antes ou à margem”
desse período. E apontou outro problema associado: “quando é o momento de
acabar o estado de emergência, fica a perceção de que está tudo resolvido”. Por
outro lado, pede que a discussão sobre o combate à pandemia “não se reduza ao
estado de emergência”, defendendo a necessidade de “robustecer o Serviço
Nacional de Saúde” (SNS) e de uma
melhor explicação das medidas por parte do Governo.
Além disso, José Luís Ferreira apelou a que o Governo crie condições para
um “efetivo cumprimento das regras” em setores como os transportes públicos e
as escolas, dois locais onde considerou não existirem condições para ser
cumprido o necessário distanciamento físico. E estranhou ainda medidas como a
decisão de encerrar mais cedo os estabelecimentos comerciais – “se ficam
abertos menos tempo, a tendência é para haver aglomerações” – e de fechar os
mercados de proximidade, mantendo abertas as grandes superfícies. Por isso,
disse que o partido pretendia que o Governo reavaliasse esta decisão e
procurasse mecanismos que não passem pelo encerramento e alertou que estes mercados
são por vezes “a única forma” que os pequenos produtores têm para escoar os
seus produtos.
O Bloco de Esquerda (BE) acredita que
o estado de emergência, como o Governo o propôs, “não é o instrumento mais
adequado” para a situação que o país enfrenta agora. Contudo, deixa tudo em
aberto quanto ao voto, afirmando que tudo dependerá do texto exato
que for apresentado.
Sobre a situação do país, Catarina Martins disse aos jornalistas:
“O país está a passar uma situação muito
complicada. Os números são um alerta grave e todos compreendemos a necessidade
de medidas de contenção da pandemia e que protejam o Serviço Nacional de Saúde.”.
E, reiterando que o BE estaria disponível para
alterações legislativas que o Governo entendesse necessárias para medidas que
reforçassem o combate à pandemia”, afirmou:
“Vemos com agrado que o Governo finalmente venha dar palavra sobre a necessidade de utilizar recursos do setor privado e social,
nomeadamente utilizando a requisição civil, para que tenhamos mais
capacidade na resposta”.
Contudo, acrescentou que o Bloco acredita que “boa parte dos mecanismos que
são necessários impor podem ser tomados com legislação do Parlamento”,
explicando que, “dificilmente, em 15 dias, teremos uma
situação em que possamos regressar à normalidade”. E vincou:
“Por isso é que convidamos o Governo a
pensar em legislação que o Parlamento pudesse aprovar e que fosse de outro
horizonte. Não vemos o estado de emergência como, necessariamente, o
instrumento mais adequado para este momento.”.
Sobre o voto que os bloquistas darão a um possível decreto do estado de
emergência, a líder do BE respondeu apenas que o partido “só tomará uma decisão sobre o estado de emergência quando
conhecer o texto exato”.
E, como era de esperar, o PS mostrou-se alinhado com o
Governo nesta questão.
***
Por seu
turno, Ana Gomes considerou
insuficientes as medidas para conter a evolução da epidemia de covid-19
anunciadas, no dia 31, pelo governo.
No
comentário que protagoniza na SIC Notícias, deste dia 1 de novembro, a
candidata à presidência da República declarou: “Visto que há muitas referências à necessidade de salvar o Natal, [pergunto]
se elas serão suficientes”. E prosseguiu:
“Se não forem suficientes e se inclusivamente se admite que se venha a
ter um reforço delas na primeira quinzena de dezembro para salvar o Natal,
então porque é que isso não é tomado já e porque é que elas não são explicadas?
(…) Não é bom ficarmos com uma sensação de estarmos a meio da ponte.”.
A
ex-eurodeputada defendeu que se devem apertar as medidas antes da rutura de
camas dos cuidados intensivos. E sublinhou que há uma “necessidade de regulação
entre o Serviço Nacional de Saúde e as disponibilidades dos privados, que têm
capacidades”. E alertou:
“Isto exige não só que não se deixem as negociações para um momento já
muito perto da rutura, em que obviamente o Estado estará a negociar numa
posição de maior debilidade, mas também que não se deixe este assunto ficar nas
mãos de entidades fragmentadas, sejam hospitais ou as ARS”.
Como o
estado de emergência não agrada à maioria dos partidos, a socialista sugere que
a Assembleia da República avance para uma lei de emergência sanitária, que
“fosse além das leis que agora temos” – lei que permitiria, por exemplo, a
imposição do recolhimento obrigatório.
***
O estado de
emergência é forçado pela situação de calamidade sanitária, mas esbarra com
questões atinentes às liberdades, à proporcionalidade, à possível ineficácia ou
insuficiência, ao agravamento da fadiga pandémica, à punição dos cidadãos e ao
estrangulamento da economia. Porém, como sem economia não há saúde e sem saúde a
economia é inútil ou insuficiente, o estado de emergência pode ser um grande remédio
para o grande mal.
Virá a
tempo? Mobilizará toda a gente? Não criará mais dificuldades aos vulneráveis? Porque
se desmantelaram hospitais de campanha e outras estruturas de retaguarda? Porque
se adiam consultas, cirurgias e meios de diagnóstico? Porque não atender a
outras doenças e debilidades?
2020.11.02 – Louro de Carvalho
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