É a grande asserção de Rita Sacramento Monteiro, do grupo da ‘Economia de Francisco – Portugal’, em
entrevista à Renascença e à Ecclesia, publicada a 22 de novembro, em
que fala dos largos meses de experiência em que foi trabalhado o tema lançado
pelo Papa Francisco e que veio a culminar com os três dias de debate, em
encontro online, da parte de jovens de 120 países. Trata-se de jovens
economistas, empresários e empresárias, professores, prémios Nobel, que
responderam ao convite do Pontífice com vista à projeção de uma nova economia,
que “faz viver e não mata”, economia inclusiva que pensa nas “pessoas” e na
“casa comum”. E a entrevistada não só revisita, para o público, a experiência
vivida, como aponta ao futuro, com uma larga rede que se mantém a trabalhar o
tema fazendo ponte com outras organizações e lançando pistas de trabalho, ação
e conceção dos caminhos da nova economia.
Sacramento Monteiro confessa ter recebido o convite “com muito entusiasmo”
e sentindo-se perante “uma novidade” que trazia oxigénio, com “um horizonte
mais largo”, de esperança, em contraste com discursos habituais – viciados ou
pouco estimulantes ou tão complicados – que não se sabe como entrar neles e
contribuir. E pensa que todos os que se sentiram movidos pelo evento se
sentiram atraídos “porque têm vontade de fazer parte desta transformação do
mundo”.
Os entrevistadores anotam que a entrevistada estudou na Universidade
Católica Portuguesa (UCP), dirige, há
4 anos, os projetos de voluntariado e
responsabilidade social de uma grande empresa portuguesa e está ligada ao
movimento ‘iMissio’, que visa, no fundo, mudar através da digitalização a
sociedade e a evangelização através da sociedade. E a questão que lhe levantam
a partir desta experiência nova – um encontro que mistura gerações, ou seja,
para jovens e de jovens, mas com uma espécie de tutoria dos mais velhos, dos
que já são prémio Nobel, que também dão o seu contributo – é se é bom
participarem todos digitalmente os 120 países com aquela maratona de 24h00, a entrarem
todos sequencialmente.
A isto Sacramento Monteiro responde com o sucesso de terem conseguido todos
participar digitalmente e ter-se conseguido que o evento se organizasse e se
terem todos preparado digitalmente. Com efeito, a pandemia reforçou a urgência
da atenção a estes temas, olhando para a necessidade duma economia mais humana
e que tem de encontrar outros possíveis caminhos, e acentuou alguns temas já
identificados, mas que se tornaram “mais prementes”.
Depois, a pandemia trouxe muitas dificuldades atinentes à crise social e à
emergência social de longa duração, mas também configura “uma grande
oportunidade”, que já se desenhava anteriormente, com o discurso de que “o
mundo precisava de mudar” e o discurso das “alterações climáticas”. Porém, o
discurso papal vem colocar a questão noutros termos: “isto não é só uma crise ambiental”, “isto não é só um tema destes ou daqueles ou dos economistas ou dos ambientalistas
ou dos ativistas”, mas um “tema de
todos”, “uma crise socioambiental”.
Entre as 12 aldeias globais
temáticas (onde houve dois temas que
geraram perplexidade: ‘economia é mulher’ e ‘lucro e vocação’), a entrevistada diz ter escolhido o tema ‘Trabalho e cuidado’ tendo integrado
a aldeia que olhou “o sagrado que é o trabalho e a importância do trabalho para
a dignidade humana e que olhou para “todos os temas críticos desde o
desemprego, às novas tecnologias, às novas formas de trabalhar”. E explicita
que o que mais a atraiu foi “o olharmos para o cuidar como exercício” a fazer
quando pensamos no trabalho, ou seja, como se cuida através do nosso trabalho,
e para “todas as profissões ligadas ao cuidar”, que se tornaram críticas na
pandemia.
Aponta a quase súbita atenção aos cuidadores informais, a que se dava pouco
relevo, vindo a perceber-se que “são essenciais”.
No atinente aos dois temas ditos controversos – ‘economia é mulher’ e ‘lucro
e vocação’ –, como a entrevista foi concedida antes do termo do evento, não
soube dizer o que se iria encontrar nos aludidos três dias, mas sentia-se “muito
entusiasmada e curiosa”, considerando tratar-se sobretudo do “marco de um
caminho” e “princípio de muita coisa”. E mencionou: a rede internacional de
colaboração de jovens, menos jovens e mais jovens ultrapassando a faixa etária
para a ‘Economia de Francisco’; o canal
para chegarem a Portugal, por exemplo, textos e trabalhos que estão a ser
feitos noutras frentes; e a constituição do grupo da ‘Economia de Francisco – Portugal’. Isto, para lá da “Rede Cuidar da
Casa Comum” e de “tantos movimentos que estão a trabalhar nestas frentes”, sendo
que o novo grupo não quer ser “mais um, no sentido de criar entropia ou de
grandes formalismos”, mas “uma rede que continua a trabalhar o tema, a fazer
ponte com outras organizações e a lançar pistas”.
Questionada sobre a massificação
do teletrabalho por via da pandemia, reconhece que se falou muito da “adaptação ao digital”, visto que as pessoas
foram para casa, levadas pelo confinamento geral, e as que puderam continuaram
a trabalhar. Porém, como muitos dos empregos se perderam, sem se contar, muitas
pessoas “estão a atravessar uma fase difícil”. Ora, neste contexto, o grande contributo
da ‘Economia de Francisco’ é trazer perguntas
e “perguntas novas”. Por isso, Sacramento Monteiro entende que precisamos de
mais tempo e de mais espaço para o tema do trabalho “para pensar com calma e
colocar as perguntas certas”.
Observa que, por vezes, está muito extremado o discurso “entre
trabalhadores e empregadores”, querendo uns “poder despedir com mais
flexibilidade” e os outros querendo “condições mais dignas”, de modo que, às
vezes, a tónica é vista só do lado das “exigências”. E, neste quadro, a grande
novidade de se pensar “uma economia à luz de um santo que viveu há 800 anos, é
ir à raiz dos temas, como São Francisco fazia e como este Papa tem proposto, e
procurar as perguntas certas”, pois, na verdade, “o trabalho é essencial para a
dignidade humana”, mas “não é o nosso absoluto”. E alguns, como lamenta, “absolutizaram
o trabalho”.
Quanto ao facto de haver da
parte das novas gerações uma atenção particular à vida familiar não querendo
sacrificar a vida pessoal e familiar ao trabalho, à carreira e à ideia de que o
trabalho está acima de tudo, a entrevistada adianta que, não querendo sacrificar tudo ao trabalho, “as
pessoas veem-se em posições muito difíceis”, pois” cada um tem de descobrir
onde é que traça o limite”, uma vez que é tanta a pressão sobre “o sucesso
individual e profissional” que se vive com a marca desta expectativa. Por isso,
a seu ver, a tónica tem de incidir no “sucesso coletivo”, na “excelência
coletiva”, caso contrário não há “horários para nada” e anda-se “sempre
dividido” a viver em tensão com a família e com as outras dimensões da própria
vida. É por isso que, em relação ao trabalho, as pessoas “se sentem
desgastadas, cansadas e divididas”, pelo que Jennifer Nedelsky, investigadora
que acompanhou este percurso da ‘Economia
de Francisco’, “é defensora de uma nova organização da sociedade” e propõe “o
part-time para todos e 30 horas no
máximo de trabalho e 22 horas para cuidar” – proposta desafiadora que põe em
causa a organização da sociedade e se foca na pressão insustentável sobre as
famílias, não estando os decisores muito sensibilizados para o que é “isto do
cuidar das famílias, até porque muitas vezes não são eles que diretamente
cuidam ou nunca fizeram voluntariado na vida”.
E Rita Sacramento Monteiro preconiza que precisamos de decisores mais atentos
à dimensão do cuidar porque “só assim podem tomar melhores decisões e estar
atentos a estas dinâmicas de equilíbrio e de uma vida mais feliz”, tal como
precisamos – patrões e empregados – de olhar para a forma como gerimos o nosso
trabalho e organizamos o nosso dia. Com efeito, como vinca, a ambição e o
desejo de sucesso não trazem necessariamente felicidade e as outras dimensões do
trabalho e da vida em sociedade ficam desequilibradas.
Há muitas pessoas que, ao contrário de outras que o podem fazer, não podem
dizer “não” ao patrão, dado o ambiente de medo e de receio de retaliação que se
criou em torno da precariedade e dos custos do trabalho, casa vez mais
desvalorizado. Muitas delas têm mais que um trabalho e acumulam trabalho para
poderem pagar as contas. Por isso, há que lembrar a muitos patrões “a
importância do papel que lhes foi confiado de cuidar daquelas pessoas”, pois as
suas atitudes “tem impacto na vida daquelas pessoas e na vida das famílias
daquelas pessoas”.
Relativamente ao encontro
cujo tema era ‘o amor como um critério de gestão’ de quando António Pinto Leite
esteve à frente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores, refere
que “esse é um dos muitos sinais que houve no
passado, nos últimos anos, que antecipam um evento como este”; observa que hoje
“a palavra ‘amor’, padece de alguma banalização – “pobre palavra amor!” –, mas
que é preciso recuperá-la na linha do que o Papa tem tentado fazer, pois o avanço
da economia e da tecnologia “desumanizou-nos em muitas frentes, e hoje temos
acesso a muitas coisas, a imensa informação, hoje conseguimos pensar temas e
ter acesso a realidades de outros países, mas, em muitas dimensões, estamos
mais pobres”; e, recordando que Santa Teresa de Calcutá dizia que “a pobreza
que a assustava não era a material”, mas a dos países desenvolvidos (pobreza de
relações afetivas, de pensamentos crítico, dum olhar ao outro), releva que o “amor como critério de gestão” é a base
da reflexão da ‘Economia de Francisco’,
explicitando:
“É olharmos para a economia, que diz das
relações de trabalho, das relações com os bens, olharmos para a ecologia
integral, que diz das relações entre as pessoas e todos os seres vivos que há
na terra e olharmos para isto tudo em conjunto, pensarmos isto em conjunto. De
facto, a expressão ‘casa comum’ é a que melhor fala disto tudo e é muito
simples para dizer, nós somos pessoas na terra a fazer um caminho, vivemos numa
casa que é comum, percebemos que as alterações climáticas e até um vírus nos
atinge a todos, só vamos conseguir fazer melhor e estaremos todos mais felizes
trabalhando em conjunto.”.
Rejeita que seja utópica a
visão centrada no amor e no cuidado, aduzindo que, apesar do ceticismo de muitos
e más práticas de tantos em torno do lucro, muitas empresas, cristãs ou não (algumas são grandes multinacionais), já têm incluído “preocupações do cuidado com o ambiente, com as
pessoas, com a forma como se contrata, como se paga, como se produz e que estão
a dar lucro”. Com efeito, muito do setor privado – diz – tem feito muito também
pela transformação do mundo, possibilitando o apoio a tantos projetos e dando
empregos. Por isso, afirma que “as empresas não estão do lado do problema”, antes
“estão do lado da solução”, havendo muitas que “incorporam as preocupações de
cuidado” e “são empresas sustentáveis, rentáveis”.
Mais refere que a
felicidade para os trabalhadores como critério de gestão empresarial será
sempre fonte de maior produtividade e lucro, pelo que os administradores e gestores têm de passar a ocupar-se
mais da felicidade dos seus colaboradores, ao contrário da pressão sobre
trabalhadores e famílias que faz desembocar a empresa ou serviço num caminho
perigoso.
***
Oxalá que Rita Sacramento Monteiro se faça ouvir e as escolas de economia,
gestão e direito se convertam ao ensino da boa economia e a consolidem! Que passe
por aqui a cidadania!
2020.11.26 – Louro de Carvalho
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