A duração de
vida está longe de ser igual e mesmo aproximada nas diversas espécies animais.
Muitíssimos vivem menos que o ser humano, enquanto alguns vivem muito mais.
A este
respeito, o “Observador” publicava, a
3 de abril de 2017,
um artigo sob o título “Porque
é que alguns animais vivem tanto tempo?”, em que afirma que “a
longevidade de alguns
animais sempre foi uma incógnita aos olhos dos cientistas”. Se uns vivem
séculos, como o molusco ming (o animal mais antigo do mundo encontrado vivo) ou o tubarão-da-gronelândia, outros vivem meses, semanas ou até dias. E a BBC referia que, segundo os
especialistas, um aprofundado conhecimento das razões da longevidade animal nos
dá a possibilidade de entender melhor os animais, bem como a espécie humana.
Uma das
ideias mais conexas com o tempo de vida animal “é a taxa
metabólica ou a velocidade das reações químicas que transformam os
alimentos em energia e produzem os componentes necessários para as células”.
Diversas investigações levaram a estabelecer um mecanismo para apoiar o que
ficou conhecido como a teoria da taxa de vida, que
defendia que quanto mais rápido for o metabolismo dum organismo vivo, menor
será a sua vida útil. Porém, embora os mamíferos tenham taxas metabólicas mais
lentas e vivam mais tempo, a comunidade científica abandonou a teoria, pois os
investigadores vêm apontando que muitas aves vivem muito mais tempo do que o
devido em razão das suas taxas metabólicas.
Assim, John
Speakman, cientista da Universidade de Aberdeen (Reino Unido) não vê conexão entre metabolismos mais lentos e maiores
tempos de vida dos animais, pois as evidências que justificavam a teoria da
taxa de vida “provêm de estudos que comparam animais com diferentes pesos e
tamanhos”. E o investigador, que levou a cabo um estudo em que
analisou 239 espécies de mamíferos e 164 espécies de aves diferentes, mas sem
contar com a massa corporal de cada um, salientou que “para ambos – mamíferos e
aves –, uma vez que a massa corporal foi removida, a relação entre a taxa
metabólica e a duração de vida foi zero”.
Numa segunda
tentativa e em busca de mais esclarecedores resultados, Speakman comparou ainda
o gasto de energia diária e o tempo de vida de 28 espécies de mamíferos e 44
espécies de aves, retirando a massa corporal de cada um, e concluiu que há “uma
relação entre eles, mas é o oposto àquilo que se previa a partir da teoria da
taxa viva” e que, nos mamíferos, os que têm taxas metabólicas mais rápidas são
os que vivem mais tempo, ao passo que, nas aves, não foram registados dados
significativos.
Com a
descoberta do molusco ming em 2006, acreditou-se que a longevidade estaria
relacionada com o baixo consumo de oxigénio.
Mas a ideia foi rapidamente ultrapassada, mercê dos vários estudos que
analisaram as mitocôndrias, uma parte das células que gera energia.
Outro dos
fatores a ter em conta foi o tamanho do corpo dos animais de
grande porte. João Pedro Magalhães, da Universidade de Liverpool (Reino
Unido) comparou a massa corporal com
o tempo de vida útil de mais de 1.400 espécies de mamíferos, aves, anfíbios e répteis,
vindo a concluir que 63% da variação do tempo médio de vida tinha a ver com a
quantidade de massa corporal e que isso se devia, principalmente, a fatores
ecológicos e evolutivos. E explicou:
“O tamanho do corpo é um grande determinante de oportunidades
ecológicas. Animais menores têm mais predadores e têm de crescer mais rápido,
bem como reproduzir mais cedo, se quiserem realmente transmitir os seus genes.
Os animais maiores, como os elefantes e as baleias, são menos propensos a ser
comidos por predadores e não têm a pressão evolutiva para amadurecer e
reproduzir numa idade ainda precoce.”.
Para lá do
tamanho do corpo e das oportunidades ecológicas, há outros fatores a considerar
em relação às expectativas de vida animal, por exemplo, o tamanho
do cérebro e o do globo ocular, que se têm vindo a relacionar com o
tempo máximo de vida das espécies, sobretudo nos primatas. Todavia, Speakman
disse:
“Se temos alguma coisa que muda consoante o crescimento do tamanho do
corpo, é como se estivesse relacionada com a vida, simplesmente porque não há
qualquer relação entre o tamanho do corpo e o tempo de vida útil”.
Sem pistas
que relacionem o tamanho do corpo com a longevidade, os investigadores voltam-se
para os ambientes
onde cada espécie se insere e a sua temperatura corporal. Assim, o jornalista
Steven Austad observou que não é coincidência o facto de o molusco ming e o
tubarão-da-gronelândia serem os seres vivos mais antigos. E justificou:
“A maioria dos animais que vive durante muito tempo tem uma temperatura
corporal baixa ou vive num ambiente de baixas temperaturas”.
Com o passar
dos anos, outras pesquisas e investigações tentaram comprovar quais os grandes
responsáveis pela longevidade de algumas espécies. Porém, não se conseguiu
chegar a nenhuma conclusão e João Pedro Magalhães garantiu que “há muito
trabalho a fazer” para haver dados consensuais acerca das expectativas de vida
e do envelhecimento dos animais.
***
Ao
invés, a 7 de fevereiro de 2018, na revista “Mais Guimarães”, a médica veterinária Ana Vidal Pinheiro, no
pressuposto de que alguns animais vivem bastante menos que o ser humano, perguntava
“por que razão um cão vive menos tempo
que nós” – resposta que se sintetiza aqui.
A este respeito, admitindo que a validade de várias respostas – desde a elevada taxa
de reprodução, um maior número de crias por parto, um menor avanço científico
na medicina veterinária, entre outras razões – centrava e desenvolvia uma
resposta baseada no facto de “os animais já nascerem a saber viver”.
Aduzindo que
os seres humanos vivem permanentemente presos ao passado e ansiosos pelo futuro
quando está nas “nossas mãos” a escolha de viver o “agora”, advertia que “não
nos é possível alterar o que já foi nem prever o que virá”, pelo que se afigura
ilógico “vivermos entre ‘dois tempos’ onde o nosso poder de controlo é
literalmente inexistente”. Não obstante, são de ter em consideração aspetos
interessantes no contraste entre o homem e os outros animais. Ao contrário
destes, o ser humano valoriza em demasia a opinião dos outros e baseia a vida
nas expectativas quando deveria olhar para dentro e viver realizado com as suas
escolhas; deixa de se relacionar com pessoas que admira por receio de se
magoar, não se abrindo a novos mundos devido à fobia estranha pelo
desconhecido; quer permanecer dentro da sua zona de conforto mesmo a saber que
isso não lhe permitirá crescer; vincula-se aos seus desejos como se fossem
necessidades quando, na realidade, as verdadeiras necessidades se traduzem em
alimentação e abrigo; e queixa-se da falta de tempo, mas está convencido que
este nunca terminará.
Ao invés do
ser humano, o cão vive no “agora” e não assombrado pelo passado, frustrado com
as suas falhas e muito menos ansioso pelo amanhã. Os seus propósitos de vida
são mais simples que os nossos. Sente-se bem desde que consiga colmatar as suas
necessidades básicas. Nada mais exige que a comida e um local confortável onde
possa pernoitar.
No contacto
diário com este ser, percebe-se a grande simplicidade e a forma descomplicada
com que lida com diversas situações: não se preocupa com o que levamos vestido,
com a nossa beleza ou feiura e com o tipo de automóvel que temos; olha para
dentro de nós tentando intuir as nossas intenções e se somos bons seres
humanos; e apresenta-se sem julgamento e preconceito. E, se lhe permitimos, recebemos
afeição ilimitada e lealdade inquebrável; entrega-se de corpo e alma, sem
medos; domina a arte de saber dar sem a intenção de receber, de relativizar os
seus momentos menos bons, de perdoar a nossa ignorância e de nos ensinar a
deixar o que já não nos faz falta; e ensina-nos o significado do desapego e da
afeição incondicional. Enfim, “já nasce a saber viver”.
Em
contraste, nós perdemos oportunidades de crescer como seres humanos por
acharmos que viveremos sempre. Ora, se tivermos sempre presente a nossa morte,
disfrutaremos dos pequenos prazeres da vida e relativizaremos os problemas; e, se
aplicarmos diariamente a descomplicada “vida de cão”, valorizaremos o nosso dia
como se fosse o último. Talvez assim vivamos menos tempo, mas indiscutivelmente
vivê-lo-emos com mais felicidade, com mais tolerância e com menos exigências à
vida. Aceitando-nos como somos, sem nada mais exigir, seremos mais “animais” e,
podendo viver “menos” tempo, teremos melhor qualidade de vida.
***
A este
propósito, recolhi da página do Facebook da minha antiga aluna Manuela Rodrigues,
a história contada por um veterinário que também se questionava “porque os cães
vivem menos que as pessoas”, sendo que a resposta lhe fora dada por uma criança
de 6 anos.
Chamado o
veterinário para examinar um cão de 13 anos de idade chamado Batuta, a família
esperava por um milagre. Porém, tendo descoberto que o animal estava a morrer
de cancro e que não podia fazer nada, o veterinário deixou que a família
cercasse o Batuta. O Pedrito, tão calmo, acariciava o cão pela última vez e o
veterinário perguntava-se se ele entendia o que estava a acontecer. Em poucos
minutos, o Batuta caiu pacificamente a dormir para nunca mais acordar.
O garoto
parecia aceitar sem dificuldade. E, quando a mãe se interrogava “porque a vida
dos cães é mais curta do que a dos seres humanos, Pedro disse: “Eu sei por quê”. E explicou:
“A gente vem ao mundo para aprender a viver uma boa vida, como amar os
outros o tempo todo e ser boa pessoa, não é?! Como os cães já nascem sabendo
fazer tudo isso, não têm que viver por tanto tempo como nós.”.
Assim, de
acordo com o aludido veterinário, com o cão pode aprender-se: a correr para as
pessoas que amamos quando, por exemplo, elas entram em casa; a aproveitar a
oportunidade de ir passear; a deixar que a experiência do ar fresco e do vento no rosto
nos extasie; a dormir boas sonecas despreocupados; a alongarmo-nos antes de nos
levantarmos; a correr, cantar, saltar e brincar diariamente; a não mordermos os
demais quando apenas um “rosnado” for suficiente; a beber, em clima quente,
muita água, em vez de alcoólicas e refrigerantes, e a usufruir da sombra duma
árvore frondosa; a dançar movendo todo o corpo para mostrarmos a felicidade que
sentimos; a deliciarmo-nos com a simples alegria duma longa caminhada; a sermos
fiéis e leais; a nunca pretendermos ser o que não somos; a, quando sentirmos o
que desejamos está enterrado, cavar até o encontrar; e, sobretudo, a, quando
virmos alguém que esteja mal nalgum dia ou tenha um mal, mais do que usarmos da
palavra, que pode ser intrusiva e fatigar, ficarmos em silêncio, sentindo-nos
próximos e suavemente fazendo-o sentir que estamos ali.
***
Porém, se podemos aprender com os animais – que nem sempre se comportam como o que se disse
do cão (também o
cão tem não raro comportamentos agressivos), pois são ciosos do território e das vias que delimitaram para si – os
seres com quem somos fadados a aprender são os humanos, mormente os revestidos
da sabedoria da experiência e da sabedoria académica.
A este
respeito, apraz-me trazer à colação um artigo de José Morgado, dado à luz na “Visão” on line, de 24 de fevereiro de 2017,
sob o título “Manual de instruções”,
em que sublinha que as crianças são ‘fornecidas’ aos pais sem manual de
instruções, “de preferência em várias línguas”, ao invés do que sucede com todos
os bens, até por imposição comunitária. E conta que um amigo que ia ser avô lhe
pedia que lhe sugerisse “alguma leitura”, ao que o articulista respondera que “uma
boa e primeira opção seria ele estar disponível para ler atentamente e para
compreender os gaiatos”, bastando, na maioria das situações, estar atento para
os compreender, pois eles “também nos compreendem e a estrada faz-se com não
mais do que os sobressaltos que todas as estradas apresentam”.
Aponta algum
excesso nos discursos sobre a “instrução” e “educação” face às questões novas
que as mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam, levando os pais a
sentirem algumas dificuldades no seu mister de pais e muitos técnicos a providenciar
um “manual de instruções” que promoverá a educação perfeita da criança
perfeita. Até – recordo eu – as escolas viram publicado “ O Perfil dos Alunos à Saída da
Escolaridade Obrigatória”, elaborado por um grupo de peritos e homologado pelo
Despacho n.º 6478/2017, 26 de julho, que se afirma como “referencial
para as decisões a adotar por decisores e atores educativos ao nível dos
estabelecimentos de educação e ensino e dos organismos responsáveis pelas
políticas educativas, constituindo-se como matriz comum para todas as escolas e
ofertas educativas no âmbito da escolaridade obrigatória, designadamente ao
nível curricular, no planeamento, na realização e na avaliação interna e
externa do ensino e da aprendizagem”.
E o
articulista diz que ultimamente verifica um aumento exponencial na publicação daqueles
“manuais”, que os há “para todos os gostos, para todas as idades” e vêm “escritos
sob as mais variadas perspetivas”. Porém, deixam alguma preocupação por não passarem
de “um enunciado de orientações prescritivas longe das circunstâncias de vida
em que muitas famílias se movem”.
Se tais
instrumentos podem constituir preciosa ajuda a pais e outros educadores, também
é certo que “todos nós a começar pelas crianças” reconhecemos que “os pais são,
de uma forma geral, intuitivamente competentes” (diz Morgado; mais “asneira”, menos
“asneira”, mais uma “festinha”, menos um “ralhete” e o caminho cumpre-se sem
grandes problemas), pelo que o
discurso social excessivo eivado de “psicologização” ou indutor da ideia de que,
só indo a uma “escola de pais” e lendo “manuais de instruções”, poderemos ser
bons pais, “pode ser mais fonte de inquietação que de ajuda”.
É, antes, importante
que os pais falem entre si sobre as suas experiências, sem receio de alheios julgamentos
sobre o seu perfil de paternidade, e que, na relação com os técnicos ligados à
educação, as conversas não incidam apenas sobre “se está bem ou mal na escola”,
mas que abordem as questões educativas no contexto familiar de forma aberta e
serena. Com efeito, “pais atentos, pais confiantes, são pais que educam sem
especiais problemas”, ao passo que alguns ‘manuais’ e discursos ‘científicos’ “podem
aumentar a insegurança e a ansiedade dos pais”.
***
Em suma, é
verdade que é útil saber que e porque alguns animais tem uma durabilidade de vida
maior ou menor, para que o homem se possa situar melhor no sistema ecológico e
ser mais e melhor homem. Também é verdade que o comportamento de alguns animais
nos pode oferecer lições de vida, quer do lado positivo, que do lado negativo. Porém,
é sobretudo com os humanos que nós temos de aprender e é a eles que devemos
ensinar a aprender. Com efeito, assim como Deus nos deixou a tarefa de
completar a sua obra criadora pelo trabalho, também nos deu responsabilidade do
cuidado da segurança, educação e saúde uns dos outros, enfim, da vida.
Por isso, um
educador referia que a educação é o manual de instruções de que o homem carece.
2020.11.28 –
Louro de Carvalho
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