quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Ter a coragem de redescobrir a essência mais importante da economia

 

Neste dia 19 de novembro, abriu-se o ciclo dos três dias da Economy of Francesco 2020 (Economia de Francisco 2020), iniciativa do Pontífice lançada aos jovens economistas e empresários para promover um processo de mudança global. É um “pacto” para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia de amanhã. A sessão é em regime virtual mercê da pandemia.

Domenico Rossignoli, pesquisador na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Católica do Sagrado Coração de Milão falou, em entrevista ao Vatican News, sobre o tema, observando que “a base de uma economia saudável é a fraternidade”.

Diz o especialista que apelo do Papa, de maio de 2019, foi ouvido e aceite com entusiasmo por muitos jovens de todo o mundo, não apenas da parte de economistas, mas também empresários e simples jovens que, na sua vida diária, querem contribuir ativamente para mudar a economia.

E Rossignoli diz que tentam pensar na mudança da economia de muitas maneiras diferentes. Assim, os participantes dividiram-se em 12 aldeias temáticas. O especialista coordenou com a Irmã Alessandra Smerilli a aldeia “Trabalho e Cuidado”, interrogando-se os participantes sobre o que significa para um mundo mais inclusivo e fraterno poder combinar o trabalho, uma dimensão essencial, com o cuidado pelo afeto, pela dimensão pessoal, mas também pelo meio ambiente e pela criação, visto que “o homem tem muitas dimensões e todas devem conviver quando interage no sistema económico com outras pessoas e com a criação”.

É claro que não há resposta única e definitiva para a mudança. O que tem de se fazer é pensar em possíveis propostas de solução, como tentar refazer áreas onde a Igreja poderá dar alguma indicação a partir do Magistério, sobretudo o do Papa Francisco, além de recuperar toda a tradição franciscana. Por isso, com frei André, um jovem frade, foi elaborada uma reflexão, intitulada “A graça do trabalho”, a partir dos textos franciscanos com vista à compreensão dos elementos essenciais deste pensamento com respeito ao trabalho. Com efeito, em São Francisco de Assis e nos pensadores posteriores, vê-se como trabalhar é um dom, uma graça. Portanto, “o nosso compromisso para o futuro, como cristãos e jovens, deve ser tornar o trabalho realmente possível para todos, não só em termos de acesso, mas também de dignidade”.

Assim, à luz do franciscanismo, a questão fundamental é redescobrir o nosso lugar neste mundo. Efetivamente, São Francisco, que se relacionou com os outros e com a criação em termos de fraternidade, será “a luz e o farol” que nos guiam “para nos reconhecermos como filhos do mesmo Pai”, o Deus que “nos amou, nos criou e nos deu este mundo”. Isto que dizer que, ante as dificuldades, “devemos multiplicar os nossos esforços de inclusão para que aqueles que têm menos possam ser ajudados a alcançar níveis mínimos de subsistência”, recorrendo a “formas de inclusão universal, com a possibilidade de acesso ao trabalho em termo flexíveis, mas não precários”. Para tanto, destaca-se a ajuda de pessoas ligadas ao mundo profissional e que vivem o trabalho no quotidiano, por exemplo Francesco Baroni, Country Manager do Gi Group, que abordará este mesmo tema, ou seja, como combinar flexibilidade e sustentabilidade para que esta flexibilidade não se torne precária.

Na verdade, o desafio de São Francisco, de tirar toda a mundanização e remover todas falsidades até da economia e voltar autenticamente ao essencial, é o cerne da questão, em que importa reconhecer, com toda a capacidade e humildade qual é o fundamento mais profundo da economia, que é “tentar entender como homens e mulheres que habitam este mundo possam viver juntos na mesma casa”, percebendo e aceitando “as regras que tornam a vida nesta casa bela e utilizável a todos”. Sendo este “o coração de todo raciocínio económico”, impõe-se-nos “a coragem de redescobrir a essência mais importante da economia”, isto é, “dizer a nós mesmos como viver juntos, todos nós, da melhor maneira possível” e “fazer desta economia algo que nos impele a construir um mundo onde os recursos possam ser utilizados para o bem de todos e não apenas de alguns”.

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A abertura do encontro ocorreu esta tarde com uma videomensagem preparada pela juventude integrante do Movimento ATD Quarto Mundo sobre “Ouvir o grito dos mais pobres para transformar a terra”.

A intervenção apresentou projetos de valorização dos desempregados de longa duração e as pessoas excluídas do mundo laboral, para não deixar ninguém “à beira da estrada”.

Um dos testemunhos abordou a opção de viver com menos, falando num “feliz decrescimento”, que permite libertar recursos para as pessoas mais necessitadas.

A seguir, tomou a palavra o Cardeal Peter Turkson, prefeito do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, que saudou esta “rede global de jovens líderes e promotores de mudança” (jovens de 120 países, incluindo Portugal) e desafiou a dar “uma alma à Economia do futuro”, para que esta seja “inclusiva, sustentável”, fraterna e ecológica.

O purpurado, citando o Papa para pedir trabalho mais digno, sobretudo para as novas gerações, e modelos económicos mais equitativos, destacou a necessidade de passar dum modelo centrado no lucro e especulação para uma “economia social que investe nas pessoas” e empresas capazes de “reconhecer a dignidade de cada indivíduo, independentemente do seu papel”.

Stefano Zamagni, presidente da Academia Pontifícia das Ciências Sociais (Santa Sé), dirigiu-se aos participantes a pedir uma “aliança” capaz de mudar a economia e combater a “mentalidade do descarte e a globalização da indiferença” que o Papa vem denunciando. E encareceu a importância de se trabalhar por um mundo mais “inclusivo”, mais humano, e “um novo sistema financeiro, que inclua critérios sociais e ambientais”, questionando uma visão reducionista do “valor”, entendido apenas como “preço de mercado”.

E a programação prosseguiu com a ligação ao Santuário do Despojamento, em Assis, para um momento de espiritualidade e as conferências dos jovens economistas e empresários em diálogo com oradores internacionais.

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A Santa Sé destacava que, nestes dias, “jovens, economistas, empresários e ativistas de todo o mundo são convidados a refletir para assinar um pacto intergeracional para mudar a economia atual e dar alma à economia do amanhã, para que esta seja mais justa, inclusiva e sustentável”.

O Papa assinalou o início dos trabalhos com mensagem através da sua conta no Twitter:

A terra e os seus pobres têm urgente necessidade de uma economia saudável e de um desenvolvimento sustentável. Por isso, somos chamados a rever os nossos esquemas mentais e morais, para que estejam em conformidade com os mandamentos de Deus e com as exigências do bem comum.”.

Preveem-se intervenções “que vão da alegria de viver melhor às finanças e à inteligência artificial”, com transmissão através de site criado para o efeito. Entre os palestrantes estão Muhammad Yunus (Bangladesh), economista e Banqueiro, considerado o pai do microcrédito, prémio Nobel da Paz em 2006; Jennifer Nedelsky (Canadá), filósofa e professora na Universidade de Toronto; e Vandana Shiva (Índia), ativista ambiental, membro do conselho do Fórum Internacional sobre Globalização.

A preparação do encontro promovido pelo Papa e a participação de Portugal envolveu as escolas e associações de negócios portuguesas, nomeadamente a ACEGE-Associação Cristã de Empregados e Gestores; as faculdades de economia e gestão da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Católica Portuguesa e a AESE Business School; o projeto “Economia de Comunhão”, do Movimento dos Focolares; e a Comissão Nacional Justiça e Paz.

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Vamos ver se a mudança ganha raízes e se ergue consolidada para resistir aos abalos com que as ventanias adversas a queiram abater.

2020.11.19 – Louro de Carvalho

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