terça-feira, 10 de novembro de 2020

A educação está longe de ser uma prioridade na Europa

 

O relatório europeu Equity in school education in Europe, publicado pela rede Eurydice, analisando algumas políticas nacionais no combate à desigualdade na educação em vigor no letivo 2018/2019, mostra como os países europeus diferem na forma como as implementam.

Em 42 sistemas educativos (dos 37 países abrangidos pelo relatório) existentes na Europa, há pelo menos uma política em vigor para promover a equidade na educação: reduzir a desigualdade ou apoiar alunos desfavorecidos. Porém, o predito relatório adverte queo facto de tantos países europeus terem reportado grandes iniciativas políticas relacionadas com a equidade na educação não significa que ela seja uma prioridade política”.

Disto nos dá conta, no “educare.pt”, a 9 de novembro, Andreia Lobo, através de artigo intitulado “Que políticas promovem a equidade na educação na Europa?”, em que transcreve a síntese de Mariya Gabriel, comissária europeia responsável pela Inovação, Pesquisa, Cultura, Educação e Juventude, no prefácio do relatório: “Os Governos têm posto em prática uma série de políticas para melhorar a equidade na escola”. E as mais relevantes dessas políticas incluem o aumento do investimento público na educação primária, a universalização da educação pré-escolar entre as crianças desfavorecidas e a redução das retenções no ano frequentado e as reprovações no fim de ciclo.

Em 13 dos ditos 37 sistemas medicativos, a política pode ser descrita como uma estratégia específica implementada ao nível nacional, sendo que 18 têm mais de uma estratégia; e, em outros, as iniciativas para a equidade integram uma estratégia mais ampla para lidar com as questões de educação. Segundo a Comissão Europeia, muitas dessas políticas têm como alvo alunos com fracos desempenhos, procurando reduzir o abandono escolar. Por outro lado, tentam reduzir, quanto possível, as retenções e reprovações e promover a oferta de ensino diferenciado ou melhor aconselhamento e orientação.

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Em Portugal, destaca-se o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE), lançado em 2016 através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/2016, de 11 de abril, assumindo como princípio de orientação de base queas comunidades educativas quem melhor conhece os seus contextos, as dificuldades e potencialidades, sendo, por isso, quem está melhor [mais bem] preparado para encontrar soluções locais e conceber planos de ação estratégica, pensados ao nível de cada escola, com o objetivo de melhorar as práticas educativas e as aprendizagens dos alunos”. E este PNPSE visava reduzir para metade as taxas de retenção e de abandono escolar. Para tanto, postulava-se uma determinada organização pedagógica da escola e do seu devir com base nos seguintes princípios:

- Prevalência das políticas bottom up reconhecendo a capacidade de as escolas se auto-organizarem na resolução dos seus problemas criando condições de melhoria das suas práticas e dinâmicas educativas e de superação das suas fragilidades e constrangimentos;

- Superação da rigidez da gramática escolar e sua compartimentação na organização dos processos de ensino dos alunos como se estes fossem um só, em consonância com uma conceção de escola que vê o sucesso escolar como sua condição natural, para o que se requer o equacionamento de novos modos de (re)agrupamento de alunos, de novas formas de gestão curricular e de diferenciação pedagógica, fomentadoras da criação de dinâmicas de trabalho cooperativo entre os professores levando-os a refletir e agir conjuntamente sobre as práticas letivas e sobre o compromisso de cada um com a aprendizagem dos alunos;

- Alteração do modo de pensar e concretizar a ação estratégica na aula, os métodos e recursos didáticos e a relação pedagógica, constituindo variáveis determinantes na construção das possibilidades de sucesso – pelo facto de a alteração das variáveis organizacionais não implicar, por si só, transformações imediatas nos modos de concretização do trabalho pedagógico no espaço aula ainda que o induza de forma intensa e responsabilizante.

- Convocação das lideranças, de topo e intermédias, para a aprendizagem e autorregulação dos processos e resultados, centradas na gestão curricular e pedagógica, conhecedoras dos modos de ensinar, provocadoras e indutoras de dinâmicas de implicação e compromisso na escola, com a devida atenção às aprendizagens dos alunos e da comunidade, na utilização e gestão da informação como recurso, enquanto importantes forças motrizes e fontes de energia no sulcar de caminhos de maior equidade, de eficiência e sucesso educativo e de desenvolvimento da escola;

- Ultrapassagem das visões unilaterais e espartilhadas da realidade em prol duma conceção e sustentabilidade de novos modos de ação pedagógica assentes numa visão sistémica e integradora de culturas organizacionais e profissionais, que olhe as coisas como parte dum todo com múltiplas interações entre as diversas estruturas na produção de respostas para a melhoria desse todo indivisível que é a ação educativa;

- Orientação das organizações escolares para a melhoria educativa pela construção de lógicas de ação em rede que lhes permitem ligar as pessoas a um conjunto de valores e ideias comuns e promover oportunidades de interação e cooperação mútuas e de aprendizagem com os outros, na base duma ação conjunta e plural na procura de caminhos de possibilidades;

- Assunção da falaciosidade da referência do aluno médio como bússola pedagógica na escola, que não foi originariamente concebida e organizada para lidar com a diversidade e diversidade populacional cuja heterogeneidade hoje constitui a sua marca educacional.

Por isso, o PNPSE teve de se operacionalizar através dos PAE (Planos de Ação Estratégica), em que se destacam: a relevância pedagógica, concretizada em medidas de caráter predominante preventivo (anos iniciais de ciclo), alteração de dinâmicas de trabalho em sala de aula, reforço do trabalho colaborativo dos docentes, centração na diferenciação e inovação pedagógicas; e a sustentabilidade e eficiência das medidas, concretizada por critérios de rentabilização dos recursos internos e de custo-eficácia das medidas.

Em reforço desta dinâmica do sucesso escolar, surgiram os diplomas legais que geraram os projetos de autonomia e flexibilização curricular (PFAC) e o reforço da educação inclusiva e a estratégia nacional da educação para a cidadania – aspetos que o relatório ainda não contempla.

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O relatório Equity in school education in Europe dá exemplos de políticas nacionais para promover a equidade na educação. Como ficou dito, a grande maioria dos países europeus tem pelo menos uma iniciativa nacional dirigida às questões relacionadas com a equidade na educação. De acordo o Eurydice, em 13 sistemas educativos (Dinamarca, Estónia, França, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Polónia, Reino Unido/Escócia, Albânia, Suíça, Noruega e Sérvia), há uma estratégia ou plano de ação nacional em vigor. Em 18, há mais que um (Comunidade Francesa da Bélgica, República Checa, Alemanha, Irlanda, Grécia, Espanha, Croácia, Itália, Hungria, Malta, Portugal, Eslováquia, Suécia, Reino Unido/Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte, Montenegro e Norte Macedónia).

Não têm uma estratégia nacional ou plano de ação o Chipre e a Islândia, mas têm iniciativas comparáveis para as questões relacionadas com a equidade. Já a Bélgica (Comunidade Flamenga), a Áustria e a Roménia têm mais de uma iniciativa política, embora não sob a forma de estratégias ou planos de ação. Em alguns sistemas educativos, como a Grécia, a Polónia, Portugal, a Eslovénia, o Reino Unido/Escócia e o Montenegro, as estratégias ou planos de ação coexistem com outras iniciativas relacionadas com a equidade na educação.

Apesar de tudo e como foi dito, não é claro que a educação na Europa “seja uma prioridade política”. Com efeito, como esclarecem os autores do relatório, “na maioria das vezes, as políticas relacionadas com a equidade são apenas uma dimensão de uma estratégia ou plano de ação nacional com alcance mais vasto”, o que se deve, em parte, ao facto de a equidade ser “um problema que afeta muitas dimensões da prática educativa”, podendo as intervenções políticas “ter sido concebidas principalmente por outras razões”, embora com impacto “em questões relacionadas com a equidade”, pelo que se enquadram no relatório.

Por outro lado, os autores do relatório admitem que está inflacionado o mencionado número de estratégias nacionais, planos de ação e iniciativas, no sentido de que “nem todos eles lidam exclusiva ou principalmente com a equidade em educação”. E o Equity in school education in Europe aponta alguns exemplos que refletem tal situação.

Assim, em 2010, na Alemanha, a Estratégia de Apoio para Alunos com Fracos Desempenhos, dirigida ao 1.º, 2.º e 3.º ciclo e ao ensino vocacional, visa reduzir o número de alunos que não atingem o nível mínimo de competências e aumentar o número de alunos que deixam a escola com uma qualificação formal. Neste âmbito, contam-se o apoio individual ao aluno (especialmente a alunos imigrantes), períodos de aprendizagem mais longos, formação de professores e melhoria da orientação vocacional, bem como a expansão e o desenvolvimento da oferta escolar a tempo integral para “compensar qualquer desvantagem educacional decorrente da falta de apoio do aluno em casa”.

Na Comunidade Foral de Navarra (Espanha), o Plano Estratégico de Atenção à Diversidade pretende a diversificação das populações escolares para que os alunos desfavorecidos sejam distribuídos de modo uniforme pelas escolas. Para tanto, mapeia-se a forma como as escolas lidam com a diversidade e desenvolvem-se ou reveem-se regulamentos que garantam atenção contínua à diversidade e medidas de consciencialização sobre inclusão e diversidade.

No Luxemburgo, está em marcha uma reforma que abrange todos os níveis de ensino e que “terá impacto no desempenho dos alunos e, por conseguinte, nas desigualdades ao nível das oportunidades e resultados escolares”, com a criação de novas escolas internacionais e escolas europeias (permitirá maior escolha aos alunos), uma gama mais ampla de oportunidades, além do currículo trilingue das escolas públicas (nalguns casos constitui um obstáculo ao desempenho escolar), e a redução das taxas de reprovação.

A Hungria tem mais de uma estratégia nacional para a equidade na educação a cobrir diferentes dimensões. No atinente à escolha da escola, foram criadas, desde 2017, direções escolares distritais para aconselhar cada escola a redesenhar a sua área de influência, de modo a minimizar a distribuição desigual de alunos socialmente desfavorecidos. Tornou-se obrigatório frequentar o jardim de infância a partir dos 3 anos de idade, por oposição aos 5 anos que vigoravam anteriormente. Foi criado um sistema de alerta para prevenir o abandono escolar precoce. Os indicadores incluem, pela negativa, absentismo, reprovação de ano, insucesso; e, pela positiva, fatores de ordem social, como o estatuto de refugiado, o subsídio de proteção infantil e a adoção. Se 50% ou mais alunos dos 6.º, 8.º e 10.º anos não conseguirem atingir um desempenho básico, a escola é obrigada a procurar apoio junto das autoridades educativas.

Na Holanda, a estratégia de 2016 da Equality Alliance pretende o aumento da mobilidade entre os percursos educativos e adiar a seleção de percursos até que os alunos sejam mais velhos. Para tanto, existe um programa-piloto de 12 escolas para adolescentes, para alunos dos 10 aos 14 anos, que abrange os últimos anos do ensino primário (2.º ciclo em Portugal) e primeiros anos do ensino secundário (3.º ciclo), podendo os alunos esperar até os 14 anos (em vez dos 12 anos) para decidirem que tipo de ensino secundário será mais adequado para si. Também se prevê apoio financeiro para escolas com alunos desfavorecidos ou com mais alunos com probabilidade de baixo desempenho, podendo as escolas decidir como investir esse apoio financeiro.

E a estratégia da Roménia para a redução do abandono escolar precoce, publicada em 2014, tem como alvo os alunos de contexto socioeconómico desfavorecido, incluindo crianças ciganas, crianças que vivem em áreas rurais e crianças com necessidades educativas especiais. Entre as ações previstas estão medidas para melhorar a qualidade do ensino, programas de segunda oportunidade e pós-escolares, e medidas de apoio social e financeiro. A estratégia romena visa reduzir, até ao final de 2020, o abandono escolar precoce da população estudantil para 11,3%.

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O relatório, como é óbvio, não reflete os resultados das medidas implementadas e muito menos os efeitos que a pandemia lançou sobre o devir da educação nos países europeus, em que a economia está a levar um rombo colossal e a preocupação com a saúde pública é a prioridade do momento – isto para não falar duma eventual crise que venha a surgir no sistema financeiro, de que necessariamente resultarão crises políticas, o que mudará a perspetiva das prioridades. E, como as políticas educativas não estão consolidadas, quer do lado do investimento, quer do lado da cultura de escola (que se esfuma na luta de interesses), a educação corre o risco de regredir.

Tanto assim é que a escola como a sociedade em geral, na Europa, está a perder a força de elevador social, a capacidade de criação da igualdade de oportunidades, a genética do humanismo – primando pela competitividade à custa da nota e do “salve-se quem puder”, em detrimento da solidariedade, ou pelo diploma em detrimento da excelência dos saberes (conhecimentos, capacidades e atitudes que significam valores). Por mais perfis de alunos e de cidadão que se desenhem, parece que os números, os robôs e as outras tecnologias se afiguram cada vez mais relevantes no quotidiano e nas opções para o futuro, querendo determinar todos os processos.

E como é que a Europa, que não soube encontrar depressa o modo de responder conjunta e eficazmente ao surto pandémico do novo coronavírus, ameaçador da humanidade inteira, é capaz de criar, de vez, uma nova escola mais solidária, mais justa, mais humana em prol do “homo convivens, cognoscens, collaborans, concivis, socius ac politicus(convivente, conhecedor, colaborante, concidadão, companheiro e político)?

2020.11.10 – Louro de Carvalho      

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