O relatório europeu Equity in school education in
Europe, publicado pela rede Eurydice, analisando
algumas políticas nacionais no combate à desigualdade na educação em vigor no
letivo 2018/2019, mostra como os países europeus diferem na forma como as
implementam.
Em
42 sistemas educativos (dos 37
países abrangidos pelo relatório) existentes
na Europa, há pelo menos uma política em vigor para promover a equidade na
educação: reduzir a desigualdade ou apoiar alunos desfavorecidos. Porém, o predito relatório
adverte que “o facto de tantos
países europeus terem reportado grandes iniciativas políticas relacionadas com
a equidade na educação não significa que ela seja uma prioridade política”.
Disto nos dá conta, no “educare.pt”, a 9 de novembro, Andreia
Lobo, através de artigo intitulado “Que
políticas promovem a equidade na educação na Europa?”, em que transcreve a síntese de Mariya Gabriel, comissária europeia responsável pela
Inovação, Pesquisa, Cultura, Educação e Juventude, no prefácio do relatório: “Os Governos têm posto em prática uma série
de políticas para melhorar a equidade na escola”. E as mais relevantes dessas
políticas incluem o aumento do investimento público na educação primária, a
universalização da educação pré-escolar entre as crianças desfavorecidas e a
redução das retenções no ano frequentado e as reprovações no fim de ciclo.
Em 13 dos ditos 37 sistemas medicativos, a política
pode ser descrita como uma estratégia específica implementada ao nível nacional,
sendo que 18 têm mais de uma estratégia; e, em outros, as iniciativas para a
equidade integram uma estratégia mais ampla para lidar com as questões de
educação. Segundo a Comissão Europeia, muitas dessas políticas têm como alvo
alunos com fracos desempenhos, procurando reduzir o abandono escolar. Por outro
lado, tentam reduzir, quanto possível, as retenções e reprovações e promover a
oferta de ensino diferenciado ou melhor aconselhamento e orientação.
***
Em Portugal, destaca-se o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar (PNPSE), lançado em 2016 através da Resolução do Conselho de Ministros
n.º 23/2016, de 11 de abril, assumindo como princípio de orientação de base que “as comunidades educativas quem melhor
conhece os seus contextos, as dificuldades e potencialidades, sendo, por isso,
quem está melhor [mais bem] preparado para encontrar soluções locais e
conceber planos de ação estratégica, pensados ao nível de cada escola, com o
objetivo de melhorar as práticas educativas e as aprendizagens dos alunos”.
E este PNPSE visava
reduzir para metade as taxas de retenção e de abandono escolar. Para tanto,
postulava-se uma determinada organização pedagógica da escola e do seu devir
com base nos seguintes princípios:
- Prevalência
das políticas bottom up reconhecendo a capacidade de as escolas se
auto-organizarem na resolução dos seus problemas criando condições de melhoria das
suas práticas e dinâmicas educativas e de superação das suas fragilidades e
constrangimentos;
- Superação da
rigidez da gramática escolar e sua compartimentação na organização dos
processos de ensino dos alunos como se estes fossem um só, em consonância com
uma conceção de escola que vê o sucesso escolar como sua condição natural, para
o que se requer o equacionamento de novos modos de (re)agrupamento de alunos,
de novas formas de gestão curricular e de diferenciação pedagógica,
fomentadoras da criação de dinâmicas de trabalho cooperativo entre os
professores levando-os a refletir e agir conjuntamente sobre as práticas
letivas e sobre o compromisso de cada um com a aprendizagem dos alunos;
- Alteração do
modo de pensar e concretizar a ação estratégica na aula, os métodos e recursos
didáticos e a relação pedagógica, constituindo variáveis determinantes na
construção das possibilidades de sucesso – pelo facto de a alteração das variáveis
organizacionais não implicar, por si só, transformações imediatas nos modos de
concretização do trabalho pedagógico no espaço aula ainda que o induza de forma
intensa e responsabilizante.
- Convocação
das lideranças, de topo e intermédias, para a aprendizagem e autorregulação dos
processos e resultados, centradas na gestão curricular e pedagógica,
conhecedoras dos modos de ensinar, provocadoras e indutoras de dinâmicas de
implicação e compromisso na escola, com a devida atenção às aprendizagens dos
alunos e da comunidade, na utilização e gestão da informação como recurso,
enquanto importantes forças motrizes e fontes de energia no sulcar de caminhos
de maior equidade, de eficiência e sucesso educativo e de desenvolvimento da
escola;
- Ultrapassagem
das visões unilaterais e espartilhadas da realidade em prol duma conceção e
sustentabilidade de novos modos de ação pedagógica assentes numa visão
sistémica e integradora de culturas organizacionais e profissionais, que olhe
as coisas como parte dum todo com múltiplas interações entre as diversas
estruturas na produção de respostas para a melhoria desse todo indivisível que
é a ação educativa;
- Orientação
das organizações escolares para a melhoria educativa pela construção de lógicas
de ação em rede que lhes permitem ligar as pessoas a um conjunto de valores e
ideias comuns e promover oportunidades de interação e cooperação mútuas e
de aprendizagem com os outros, na base duma ação conjunta e plural na procura
de caminhos de possibilidades;
- Assunção
da falaciosidade da referência do aluno médio como bússola pedagógica na escola,
que não foi originariamente concebida e organizada para lidar com a diversidade
e diversidade populacional cuja heterogeneidade hoje constitui a sua marca educacional.
Por isso, o
PNPSE teve de se operacionalizar através dos PAE (Planos de Ação Estratégica), em que se destacam: a relevância pedagógica, concretizada em medidas de
caráter predominante preventivo (anos iniciais de
ciclo), alteração de dinâmicas de trabalho em sala de aula, reforço do
trabalho colaborativo dos docentes, centração na diferenciação e inovação pedagógicas;
e a sustentabilidade e eficiência das medidas, concretizada por critérios de
rentabilização dos recursos internos e de custo-eficácia das medidas.
Em reforço
desta dinâmica do sucesso escolar, surgiram os diplomas legais que geraram os
projetos de autonomia e flexibilização curricular (PFAC) e o reforço da educação inclusiva e a estratégia nacional
da educação para a cidadania – aspetos que o relatório ainda não contempla.
***
O relatório Equity in school education in
Europe dá exemplos de políticas nacionais para promover a equidade
na educação. Como ficou dito, a grande maioria dos países europeus tem pelo menos
uma iniciativa nacional dirigida às questões relacionadas com a equidade na
educação. De acordo o Eurydice, em 13 sistemas educativos (Dinamarca,
Estónia, França, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Holanda, Polónia, Reino Unido/Escócia,
Albânia, Suíça, Noruega e Sérvia), há uma
estratégia ou plano de ação nacional em vigor. Em 18, há mais que um (Comunidade
Francesa da Bélgica, República Checa, Alemanha, Irlanda, Grécia, Espanha,
Croácia, Itália, Hungria, Malta, Portugal, Eslováquia, Suécia, Reino Unido/Inglaterra,
País de Gales e Irlanda do Norte, Montenegro e Norte Macedónia).
Não têm uma estratégia nacional ou plano de ação o Chipre
e a Islândia, mas têm iniciativas comparáveis para as questões relacionadas com
a equidade. Já a Bélgica (Comunidade Flamenga), a Áustria e a Roménia têm mais de uma iniciativa política, embora não sob
a forma de estratégias ou planos de ação. Em alguns sistemas educativos, como a
Grécia, a Polónia, Portugal, a Eslovénia, o Reino Unido/Escócia e o Montenegro,
as estratégias ou planos de ação coexistem com outras iniciativas relacionadas
com a equidade na educação.
Apesar de tudo e como foi dito, não é claro que a educação
na Europa “seja uma prioridade política”. Com efeito, como esclarecem os
autores do relatório, “na maioria das
vezes, as políticas relacionadas com a equidade são apenas uma dimensão de uma
estratégia ou plano de ação nacional com alcance mais vasto”, o que se deve,
em parte, ao facto de a equidade ser “um problema que afeta muitas dimensões da
prática educativa”, podendo as intervenções políticas “ter sido concebidas
principalmente por outras razões”, embora com impacto “em questões relacionadas
com a equidade”, pelo que se enquadram no relatório.
Por outro lado, os autores do relatório admitem que está
inflacionado o mencionado número de estratégias nacionais, planos de ação e
iniciativas, no sentido de que “nem todos eles lidam exclusiva ou
principalmente com a equidade em educação”. E o Equity in school
education in Europe aponta alguns exemplos que refletem tal situação.
Assim, em 2010, na Alemanha, a Estratégia de Apoio para Alunos com Fracos Desempenhos, dirigida ao
1.º, 2.º e 3.º ciclo e ao ensino vocacional, visa reduzir o número de alunos
que não atingem o nível mínimo de competências e aumentar o número de alunos que
deixam a escola com uma qualificação formal. Neste âmbito, contam-se o apoio
individual ao aluno (especialmente a alunos imigrantes), períodos de aprendizagem mais longos, formação de
professores e melhoria da orientação vocacional, bem como a expansão e o desenvolvimento
da oferta escolar a tempo integral para “compensar qualquer desvantagem
educacional decorrente da falta de apoio do aluno em casa”.
Na Comunidade Foral de Navarra (Espanha), o Plano
Estratégico de Atenção à Diversidade pretende a diversificação das
populações escolares para que os alunos desfavorecidos sejam distribuídos de
modo uniforme pelas escolas. Para tanto, mapeia-se a forma como as escolas
lidam com a diversidade e desenvolvem-se ou reveem-se regulamentos que garantam
atenção contínua à diversidade e medidas de consciencialização sobre inclusão e
diversidade.
No Luxemburgo, está em marcha uma reforma que abrange
todos os níveis de ensino e que “terá
impacto no desempenho dos alunos e, por conseguinte, nas desigualdades ao nível
das oportunidades e resultados escolares”, com a criação de novas escolas
internacionais e escolas europeias (permitirá maior escolha aos alunos), uma gama mais ampla de oportunidades, além do currículo
trilingue das escolas públicas (nalguns casos constitui um obstáculo ao desempenho
escolar), e a redução das taxas de
reprovação.
A Hungria tem mais de uma estratégia nacional para a
equidade na educação a cobrir diferentes dimensões. No atinente à escolha da
escola, foram criadas, desde 2017, direções escolares distritais para
aconselhar cada escola a redesenhar a sua área de influência, de modo a
minimizar a distribuição desigual de alunos socialmente desfavorecidos. Tornou-se
obrigatório frequentar o jardim de infância a partir dos 3 anos de idade, por
oposição aos 5 anos que vigoravam anteriormente. Foi criado um sistema de
alerta para prevenir o abandono escolar precoce. Os indicadores incluem, pela
negativa, absentismo, reprovação de ano, insucesso; e, pela positiva, fatores
de ordem social, como o estatuto de refugiado, o subsídio de proteção infantil
e a adoção. Se 50% ou mais alunos dos 6.º, 8.º e 10.º anos não conseguirem
atingir um desempenho básico, a escola é obrigada a procurar apoio junto das
autoridades educativas.
Na Holanda, a estratégia de 2016 da Equality Alliance pretende o aumento da
mobilidade entre os percursos educativos e adiar a seleção de percursos até que
os alunos sejam mais velhos. Para tanto, existe um programa-piloto de 12
escolas para adolescentes, para alunos dos 10 aos 14 anos, que abrange os
últimos anos do ensino primário (2.º ciclo em Portugal) e primeiros anos do ensino secundário (3.º ciclo), podendo os alunos esperar até os 14 anos (em vez dos
12 anos) para decidirem que tipo de ensino
secundário será mais adequado para si. Também se prevê apoio financeiro para
escolas com alunos desfavorecidos ou com mais alunos com probabilidade de baixo
desempenho, podendo as escolas decidir como investir esse apoio financeiro.
E a estratégia da Roménia para a redução do abandono
escolar precoce, publicada em 2014, tem como alvo os alunos de contexto
socioeconómico desfavorecido, incluindo crianças ciganas, crianças que vivem em
áreas rurais e crianças com necessidades educativas especiais. Entre as ações
previstas estão medidas para melhorar a qualidade do ensino, programas de
segunda oportunidade e pós-escolares, e medidas de apoio social e financeiro. A
estratégia romena visa reduzir, até ao final de 2020, o abandono escolar
precoce da população estudantil para 11,3%.
***
O relatório, como é óbvio, não reflete os resultados das
medidas implementadas e muito menos os efeitos que a pandemia lançou sobre o
devir da educação nos países europeus, em que a economia está a levar um rombo
colossal e a preocupação com a saúde pública é a prioridade do momento – isto para
não falar duma eventual crise que venha a surgir no sistema financeiro, de que necessariamente
resultarão crises políticas, o que mudará a perspetiva das prioridades. E, como
as políticas educativas não estão consolidadas, quer do lado do investimento,
quer do lado da cultura de escola (que se esfuma na luta de interesses), a educação corre o risco de regredir.
Tanto assim é que a escola como a sociedade em geral,
na Europa, está a perder a força de elevador social, a capacidade de criação da
igualdade de oportunidades, a genética do humanismo – primando pela
competitividade à custa da nota e do “salve-se quem puder”, em detrimento da
solidariedade, ou pelo diploma em detrimento da excelência dos saberes (conhecimentos,
capacidades e atitudes que significam valores). Por mais perfis de alunos e de cidadão que se desenhem, parece que os
números, os robôs e as outras tecnologias se afiguram cada vez mais relevantes
no quotidiano e nas opções para o futuro, querendo determinar todos os processos.
E como é que a Europa, que não soube encontrar
depressa o modo de responder conjunta e eficazmente ao surto pandémico do novo coronavírus,
ameaçador da humanidade inteira, é capaz de criar, de vez, uma nova escola mais
solidária, mais justa, mais humana em prol do “homo convivens, cognoscens, collaborans, concivis, socius ac politicus”
(convivente,
conhecedor, colaborante, concidadão, companheiro e político)?
2020.11.10 – Louro de Carvalho
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