sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Encontrada solução à direita para a governança dos Açores

 

Apesar de ter vencido as eleições de 25 de outubro para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, tudo aponta para que o PS não tenha condições para formar governo, uma vez que perdeu a maioria absoluta dos mandatos na Assembleia Legislativa, só tendo conseguido eleger 25 deputados do total de 57 parlamentares, ao obter 39,1% dos votos, quando precisava de ter elegido 29 deputados – num cenário eleitoral marcado pela segunda maior abstenção de sempre (54,58%), mas inferior à taxa de abstenção de há 4 anos.

Vasco Cordeiro, presidente do PS/Açores,  considerou “clara e inequívoca” a vitória, mas, reconhecendo o novo “quadro parlamentar desafiante”, disse ter começado o trabalho de, nos próximos tempos, o PS se constituir como o garante de estabilidade e segurança, para que os açorianos possam sair da situação complexa derivada da situação da pandemia.

O PSD, obtendo o segundo lugar com 33,74% dos votos, garantiu 21 mandatos; segue-se-lhe o CDS-PP com 5,51%, que elegeu 3 deputados, além de um outro em coligação com o PPM.

Chega, que concorreu pela primeira vez às regionais dos Açores, com 5,06% dos votos, elegeu 2 deputados, tal como o BE, que alcançou 3,81% dos votos. E o PPM obteve 2,34% dos votos, o que lhe deu um deputado, além de um outro eleito em coligação com o CDS-PP.

A Iniciativa Liberal (IL), que também concorreu pela primeira vez, conseguiu 1,93% dos votos) e elegeu um deputado, assim como o PAN, que teve percentagem idêntica e só menos 8 votos.

 o PCP ficou de fora, por não ter conseguido eleger o único deputado que tinha.

O presidente do PSD, Rui Rio, destacou “o resultado francamente positivo”, considerando que a perda da maioria absoluta do PS mostra “um notório desgaste do governo regional” socialista, tal como do executivo nacional.

Por sua vez, o presidente do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, defendeu que os resultados mostram que as notícias de morte do partido foram “manifestamente exageradas” e representam uma vitória da “direita moderada”. 

secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, lamentou o resultado “particularmente negativo” do partido, apontou o “descontentamento crescente” traduzido na perda de maioria absoluta do PS e considerou que o resultado “não traduz nem a influência social e política da CDU, nem o reconhecimento da sua intervenção na vida política açoriana”.

O Bloco de Esquerda (BE) saudou o “resultado extraordinário” do partido nas eleições regionais nos Açores e disse estar disponível para acordos pontuais e ajudar a “construir pontes” para uma maioria no Parlamento. Assim, Pedro Filipe Soares, líder parlamentar e membro da direção do partido, afirmou que os bloquistas não vão apresentar uma moção de rejeição de um programa do Governo do PS, nem votarão ao lado da direita para apoiar uma moção desse tipo.

O dirigente bloquista sustentou que o PS deve “tirar as consequências devidas” dos resultados, ou seja, do “descontentamento”, que “decorreu das condições económicas e sociais dos açorianos e açorianas”. E o BE, medida a medida, proposta a proposta, orçamento a orçamento, analisará as soluções a encontrar numa geometria parlamentar que alcance uma maioria.

***

Perante os resultados das eleições, desde logo foi equacionada a possibilidade de formar na Região Autónoma, uma ampla coligação de direita que teria de incluir CDS, Chega, IL e PPM, já que atingem os necessários 29 deputados para uma maioria absoluta. Perante esta hipótese, o presidente do PSD/Açores anunciou que o partido tem “total disponibilidade para o diálogo” e para a “concertação”, no  cenário do atual quadro parlamentar. E, questionado sobre a possível coligação à direita para poder governar, José Manuel Bolieiro frisou não se comover por “atitudes extremistas”, nem crer que interessam aos açorianos.

O líder do CDS-PP/Açores, Artur Lima, reiterou que o partido só viabiliza compromissos eleitorais, mas não deixará a região na situação de “ingovernabilidade” na próxima legislatura. Com efeito, “o CDS sempre disse que viabiliza os seus compromissos eleitorais e os compromissos com os açorianos”, pelo que, enquanto partido responsável, “não deixará os Açores numa situação de ingovernabilidade”.

Porem, o líder nacional do Chega rejeitou qualquer acordo de coligação que permita à direita governar os Açores, lembrando que foi o PSD que se afastou do seu partido, pelo que ou aceitam ceder e juntar-se a nós nestas convicções ou não aceitamos vender-nos por lugares, nem por governabilidades, nem por chantagens” – disse.

***

Entretanto, após muitas declarações de exigências não acolhidas pelo PSD, o Chega anunciou, em comunicado, neste dia 6 de novembro, que “vai viabilizar o governo de direita nos Açores”, após ter chegado a um acordo com o PSD em “vários assuntos fundamentais” para a Região Autónoma e para o país. De acordo com o Chega, o futuro Governo regional “comprometeu-se a alcançar as metas de redução significativa de subsidiodependência na região e de criação de um gabinete regional de luta contra a corrupção”, bem como a “desencadear, nos termos das suas competências próprias, um projeto de revisão constitucional regional que inclua, entre outros aspetos, a redução do número de deputados na região autónoma dos Açores”. E, quanto à exigência de que o PSD nacional participasse no processo de revisão constitucional iniciado pelo Chega, diz ter obtido garantias para o futuro, podendo ler-se no comunicado:

Sabemos que o PSD nacional irá entregar na Assembleia da República, ainda nesta sessão legislativa, um projeto de revisão constitucional que compreenderá, não só o constante do seu programa eleitoral, como alguns aspetos que são para nós fundamentais, tendo-nos sido dadas garantias de que contemplará, entre outros aspetos, a redução do número de deputados e a vontade de fazer uma profunda reforma no sistema de Justiça”.

O partido admite que “não são todos os pontos” que pretende numa revisão constitucional, mas considera existir a garantia de que “um dos grandes partidos” defenderá temas que considera essenciais. Por isso, informará hoje o Representante da República na Região Autónoma de que “se encontra indisponível para viabilizar um governo socialista na Região e, através dos seus deputados eleitos, votará favoravelmente ao governo liderado por José Manuel Bolieiro”.

É de referir que o Representante da República para a Região Autónoma, Pedro Catarino, começou, neste dia 6, a ouvir os partidos que elegeram deputados, tendo em vista a indigitação do futuro presidente do Governo Regional, pois a lei indica que o Representante da República nomeará o presidente do Governo Regional, “ouvidos os partidos políticos” representados no novo parlamento açoriano (art.º 81.º do EPARA). Ora, o PS, tendo elegido 25 deputados, perdeu a maioria absoluta que detinha há 20 anos na região, pelo que, nesta semana, PSD, CDS-PP e PPM anunciaram uma “proposta de governação profundamente autonómica”, um “governo dos Açores para os Açores” e com “total respeito e compreensão pela pluralidade representativa do povo”. Os três partidos têm em conjunto 26 deputados regionais, a que se junta agora o apoio dos dois do Chega, faltando só um voto para garantir a maioria absoluta de 29 parlamentares.

Perante isto, o secretário-geral adjunto do PS exigiu ao presidente do PSD, “cabal esclarecimento” sobre tal solução governativa, virando as costas ao PSD de Sá Carneiro:

Hoje, confirmaram-se as piores suspeitas que prevaleciam na opinião pública portuguesa: a suspeita de que o doutor Rui Rio estava em negociações com o Chega, tendo como moeda de troca a revisão da Constituição. Com esta negociação feita com a extrema-direita, o doutor Rui Rio pisou a linha vermelha dos princípios e dos valores constitucionais e virou as costas ao PPD/PSD de Francisco Sá Carneiro.”.

O secretário-geral adjunto socialista considerou que Rui Rio deve aos portugueses “um esclarecimento cabal” e “não um esclarecimento feito no Twitter”. E questionou “quais foram os princípios e os valores que o doutor Rui Rio deixou cair relativamente à revisão constitucional para alcançar o poder na região autónoma dos Açores”.

Na opinião de José Luís Carneiro, Rui Rio mostrou que “vale tudo para alcançar o poder”, acrescentando que esta atitude “feriu a dignidade de um processo de revisão constitucional”.

A contento do PS, o porta-voz do PAN/Açores, Pedro Neves, veio reiterar que o partido não viabilizará uma solução governativa na região, que envolva o Chega, dizendo estar disponível para ouvir todos os partidos. E disse aos jornalistas:

Se o Chega tiver um acordo com a coligação [PSD/CDS/PPM)], nós dizemos não, porque não vamos obviamente normalizar um partido que não respeita a Constituição portuguesa e não respeita os açorianos quando as negociações estão a ser feitas na Assembleia da República”.

O porta-voz do PAN falava à saída de uma audiência com o representante da República para a Região Autónoma dos Açores, Pedro Catarino, em Angra do Heroísmo. Pouco antes, o Chega anunciava que “vai viabilizar o governo de direita nos Açores”, após ter chegado a um acordo com o PSD em “vários assuntos fundamentais” para a Região Autónoma e para o país.

Pedro Neves, que anunciara a sua posição no dia 5, em conferência de imprensa, disse estar disponível para “fazer compromissos”, desde que não existam “egos políticos” de outros líderes partidários, e garantiu que não vai “voltar atrás”, independentemente do que seja acordado entre a coligação e o Chega. E, questionado sobre a viabilização dum programa de governo do PS, estar aberto a ouvir “todos os partidos” e que será a comissão regional do partido a decidir.

E o líder do Iniciativa Liberal/Açores, Nuno Barata, admitiu vir a fazer acordo de incidência parlamentar com a coligação e, frisando que ainda não há um acordo fechado, declarou:

Não há acordos, não há negociações, o que há são conversações. Nós, a devido tempo, anunciaremos o que é possível. Apresentámos ao PSD 12 pontos que entendemos que devem e têm de estar num programa de governo a quatro anos. Se o PSD aceitar, nós estaremos no parlamento a fazer oposição construtiva, sempre oposição, mas uma oposição construtiva, mas com soluções para mudar um paradigma de governação dos Açores, que permita sair do quadro socioeconómico que nós estamos tínhamos em 2019, que era lamentável.”.

***

É óbvio que uma coligação à direita nos Açores pode constitucionalmente inviabilizar um governo minoritário do PS. Resta saber as garantias que o Representante da República exigirá.

Porém, dadas as indicações programáticas do Chega, o que se passa no Açores é mau sinal para a saúde da democracia, sendo que esta não tem cuidado de si, pela tolerância de ideias e atitudes radicais, como a xenofobia, o racismo, a discriminação, a ânsia da excessiva penalização criminal, as desigualdades, o ataque ao emprego e às condições de trabalho estável e condigno.

Por outro lado, concede favores desmedidos e injustificados a determinados grupos sociais e económicos, permite a promiscuidade entre Estado e empresas (sobretudo a banca), tolera a corrupção, cava o divórcio entre a política e o povo e tem uma justiça que não funciona.

E quer uma revisão constitucional para reduzir o númeno de deputados e reformar a justiça? Não é preciso, já está previsto. Que se entendam a fazer lei para termos só os 118 deputados, o mínimo previsto na CRP, e que façam funcionar a justiça alterando os respetivos códigos e formando corretamente os magistrados!

2020.11.06 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário