terça-feira, 3 de novembro de 2020

Maria Teresa Horta distinguida com a Medalha de Mérito Cultural

É verdade. Maria Teresa Horta, escritora e jornalista, vai ser distinguida com a Medalha de Mérito Cultural pelo seu “percurso ímpar na história da cultura portuguesa”, segundo anunciou o Ministério da Cultura.

A este respeito, Graça Fonseca, Ministra da Cultura, fala em reconhecer Maria Teresa Horta quem, como “artista, foi sempre completa; como romancista, inovadora; como poeta, insubmissa; e como cidadã, combateu sempre ao lado da liberdade das mulheres e dos homens”. Por isso, considera “justa e necessária” esta homenagem.

Tendo a cerimónia estado programada para meados deste mês, fonte do gabinete da Ministra disse à Lusa que a atual situação pandémica obrigou ao seu cancelamento, pelo que terá lugar em “data mais oportuna”, no próximo ano.

A atribuição da medalha, este ano, verifica-se quando se comemoram os 60 anos de vida literária de Maria Teresa Horta. Em 2021, quando a medalha for entregue, assinalam-se os 50 anos sobre o início de conceção das Novas Cartas Portuguesas, que a autora escreveu com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.

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Maria Teresa de Mascarenhas Horta, poeta, ficcionista e jornalista, nasceu em Lisboa, a 20 de maio de 1937. É Filha de Jorge Augusto da Silva Horta, 5.º Bastonário da Ordem dos Médicos (1956-1961), e de Dona Carlota Maria Mascarenhas, sua primeira mulher – neta paterna, por bastardia, do 9.º Marquês de Fronteira, 10.º Conde da Torre de juro e herdade, Representante do Título de Conde de Coculim, 7.º Marquês de Alorna de juro e herdade e 11.º Conde de Assumar de juro e herdade, ele próprio também filho natural – e é oriunda, pelo lado materno, de uma família da alta aristocracia portuguesa, contando entre os seus antepassados a célebre poetisa Marquesa de Alorna (Maria Leonor de Almeida, com o nome poético de Alcipe)

Foi casada, em segundas núpcias, com o jornalista Luís de Barros, de quem tem um único filho, Luís Jorge Horta de Barros (4 de abril de 1965), casado com Maria Antónia Martins Peças Pereira, com dois filhos, Tiago e Bernardo Barros.

Frequentou, em Lisboa, o Liceu Dona Filipa de Lencastre, após o que estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Dedicou-se ao cineclubismo, como dirigente do ABC Cineclube, ao jornalismo e à questão do feminismo.

Estreou-se na poesia em 1960, com “Espelho Inicial”. Porém, tornou-se conhecida a partir de “Poesia 61”, momento em que surgiu o grupo feminista que ajudou a constituir e se começou a afirmar como uma personalidade avessa a qualquer tipo de obediência. Exemplo disso tem sido a sua heterodoxa militância feminista, talvez necessária ao tempo, mas exagerada.

Fez parte do Movimento Feminista de Portugal juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, as Três Marias, tendo lançado em conjunto o livro Novas Cartas Portuguesas, que na época teve um forte impacto e gerou larga contestação. 

Celebrizada internacionalmente com a ressonância mediática do conturbado processo judicial que se seguiu à publicação, em 1972, de Novas Cartas Portuguesas – obra inspirada nos amores de Mariana Alcoforado, a lendária freira de Beja –, tornou-se a face visível do feminismo português. David Mourão-Ferreira falou mesmo de “veemente reivindicação em determinados aspetos da condição feminina”. Mas, tal como Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (coautoras do livro), Maria Teresa Horta nunca hipotecou a obra a essa bandeira, defensora intransigente daquilo a que Camille Paglia chamou de “teoria pagã da sexualidade”. Com efeito, o seu discurso fortemente conotativo, ou seja, aberto a múltiplas dimensões de leitura – de ordem emotiva, cultural ou política – resguarda-se quase sempre atrás da figura do autor implicado, conceito de W.C. Booth, de acordo com o qual a projeção de um “segundo eu” não deve confundir-se com a do próprio autor. Isso é nítido em obras como “Jardim de Inverno(1966), “Minha Senhora de Mim(1971) e “Educação Sentimental(1975), livros inaugurais de um ideal libertário raras vezes expresso em língua portuguesa, ou mesmo em “Destino(1997), que de algum modo dilui essa pulsão transgressora. Mas talvez seja oportuno recordar que a sua escrita ainda hoje problematiza as relações da textualidade com a sexualidade.

Além de poeta e ficcionista, é jornalista, podendo dividir-se essa atividade em três períodos: antes do 25 de Abril, quando coordenou, sem preconceito ideológico, o suplemento “Literatura & Arte”, do vespertino “A Capital” – por onde passaram nomes como Natália Correia, Maria Isabel Barreno, José Carlos Ary dos Santos, José Saramago, António Gedeão, Alexandre O’Neill, Mário Cesariny, entre outros grandes nomes da literatura portuguesa; depois do 25 de Abril, quando, de 1977 a 1989, chefiou a redação da revista “Mulheres”, órgão oficioso do Movimento de Libertação das Mulheres; e, a partir da queda do muro de Berlim, quando começou a publicar quase em exclusivo no “Diário de Notícias”. Não obstante, muita da sua colaboração, da mais variada índole (poesia, recensão literária, entrevistas, crítica de cinema, textos programáticos, etc.), encontra-se dispersa por outros jornais, como “O Século”, “Diário de Lisboa”, “República”, “Diário Popular”, “Expresso”, “JL” e “O Diário”; e em revistas, como a “Seara Nova”, o “Vértice”, a “Flama”, a “Eva”, os “Cadernos do Meio Dia”, a “Hidra I”, “Colóquio-Letras”, o “Hífen” e o “Ler”.

A revista “Mulheres”, de que foi chefe de redação é um projeto pessoal de Maria Teresa Horta e consistiu num projeto feminista, de forte cunho essencialista, que lhe permitiu entrevistar mulheres de relevo da política, da cultura e da literatura. Entre elas, contam-se: Maria de Lourdes Pintasilgo, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Maria Bethânia.

Faceta menos conhecida é a do seu envolvimento com o movimento cineclubista: dirigiu o ABC Cineclube de Lisboa (anos 60 e 70) e é autora, com António Macedo, de “Verão Coincidente”, curta-metragem inspirada num dos seus mais conhecidos poemas. Da sua episódica atividade de tradutora há que destacar “Ópio”, de Jean Cocteau. Encontra-se representada na generalidade das antologias de poesia e traduzida em vários países. (vd Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. VI, Lisboa, 1999).

A sua obra poética editada em Portugal foi coligida em “Poesia Reunida(2009), a que se seguiu “Poemas para Leonor(2012), “A Dama e o Unicórnio(2013), “Anunciações” (2016) – Prémio Autores SPA / Melhor Livro de Poesia 2017 –, “Poesis(2017) e “Estranhezas(2018).

As suas obras literárias distribuem-se pela poesia e pela ficção.

Na poesia, que é para si uma urgência, temos: Espelho Inicial (1960); Tatuagem (1961); Cidadelas Submersas (1961); Verão Coincidente (1962); Amor Habitado (1963); Candelabro (1964); Jardim de Inverno (1966); Cronista Não é Recado (1967); Minha Senhora de Mim (1967); Educação Sentimental (1975); As Mulheres de Abril (1976); Poesia Completa I e II (1960-1982), (1982); Os Anjos (1983); Minha Mãe, Meu Amor (1984); Rosa Sangrenta (1987); Antologia Poética (1994); Destino (1998); Só de Amor (1999); Antologia Pessoal – 100 Poemas (2003); Inquietude (2006); Les Sorcières – Feiticeiras (2006) edição bilíngue; Cem Poemas + 21 inéditos (2007); Palavras Secretas (Antologia) (2007); Poemas do Brasil (2009); Poesia Reunida (1960-2006) (2009); As Palavras do Corpo (Antologia de poesia erótica) (2012); Poemas para Leonor (2012): Poesis (2017); Estranhezas (2018).

E na ficção: Ambas as Mãos sobre o Corpo (1970); Novas Cartas Portuguesas (1971) (obra conjunta com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa); Ana (1974); O Transfer (1984); Ema (1984); A Paixão Segundo Constança H. (1994); A Mãe na Literatura Portuguesa (1999); As Luzes de Leonor (2011); A Dama e o Unicórnio (2013); Meninas (2014).

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Aqui fica para mostra um dos seus poemetos

Dúvida

 

Amor

a tua voz

e a minha sensação de vácuo

 

de liberdades paralelas

ontem esquinas encontradas

no ângulo dos lábios

 

Amor

a tua lâmpada de nevoeiro

sulcado

manhãs de aves

súbitas

com noites inventadas

 

nada

é o teu rosto

insetos de vertigem

sem paisagem.

 

 

Tendo escandalizado o Portugal puritano, foi espancada na rua e ainda encetou o caminho da prisão, mas sem efetividade. Porém, em democracia, foi reconhecida e galardoada.

Assim, a 8 de março de 2004, foi feita Grande-Oficial da Ordem do Infante Dom Henrique pelo Presidente da República Jorge Sampaio.

Foi galardoada com o Prémio Dom Dinis 2011 da Fundação da Casa de Mateus pela sua obra “As Luzes de Leonor”, que aceitou, mas recusou recebê-lo das mãos do Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, ao qual cabia entregá-lo, alegando que este estava “a destruir o país”.

No mesmo ano é galardoada com o Prémio Máxima da Literatura pela mesma obra. 

Em 2014, recebeu o Prémio Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA)

Em 2007, recusou receber o 4.º Prémio Oceanos, prémio de Literatura em Língua Portuguesa, atribuído anualmente pelo Itaú Cultural no Brasil, pelo facto de o ter de partilhar com o autor Bernardo Carvalho e por achar que a sua obra e os seus leitores merecem mais respeito. O seu livro “Anunciações(com o qual concorrera ao Prémio Oceanos) ganha o Prémio Autores de 2017 na categoria Melhor livro de poesia. 

As Três Marias (ela e Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa) encontram-se entre os 50 autores portugueses selecionados por António M. Feijó, João R. Figueiredo e Miguel Tamen, professores e ensaístas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, para constar no livro “O Cânone” publicado pela editora Tinta da China em 2020.

O Ministério da Cultura português distinguiu-a com a Medalha de Mérito Cultural em 2020. 

2020.11.03 - Louro de Carvalho 

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