É verdade. Maria Teresa Horta, escritora e jornalista, vai ser distinguida com a
Medalha de Mérito Cultural pelo seu “percurso ímpar na história da cultura
portuguesa”, segundo anunciou o Ministério da Cultura.
A este respeito, Graça Fonseca, Ministra da Cultura,
fala em reconhecer Maria Teresa Horta quem, como “artista, foi sempre completa;
como romancista, inovadora; como poeta, insubmissa; e como cidadã, combateu
sempre ao lado da liberdade das mulheres e dos homens”. Por isso, considera “justa e necessária” esta
homenagem.
Tendo a cerimónia estado programada para
meados deste mês, fonte do gabinete da Ministra disse à Lusa que a atual situação pandémica obrigou ao seu cancelamento, pelo
que terá lugar em “data mais oportuna”, no próximo ano.
A atribuição da medalha,
este ano, verifica-se quando se comemoram os 60 anos de vida literária de Maria
Teresa Horta. Em 2021, quando a medalha for entregue, assinalam-se os 50 anos sobre o
início de conceção das Novas Cartas Portuguesas, que a autora escreveu com
Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa.
***
Maria Teresa de
Mascarenhas Horta, poeta, ficcionista e jornalista, nasceu em Lisboa, a 20 de maio
de 1937. É Filha de Jorge Augusto da Silva Horta, 5.º Bastonário da
Ordem dos Médicos (1956-1961), e de Dona Carlota Maria Mascarenhas,
sua primeira mulher – neta paterna, por bastardia, do 9.º Marquês de
Fronteira, 10.º Conde da Torre de juro e herdade, Representante do
Título de Conde de Coculim, 7.º Marquês de Alorna de juro e
herdade e 11.º Conde de Assumar de juro e herdade, ele próprio também
filho natural – e é oriunda, pelo lado materno, de uma família da alta aristocracia
portuguesa, contando entre os seus antepassados a célebre poetisa Marquesa
de Alorna (Maria Leonor
de Almeida, com o nome poético de Alcipe).
Foi casada, em segundas
núpcias, com o jornalista Luís de Barros, de quem tem um único filho, Luís
Jorge Horta de Barros (4
de abril de 1965),
casado com Maria Antónia Martins Peças Pereira, com dois filhos, Tiago e
Bernardo Barros.
Frequentou,
em Lisboa, o Liceu Dona Filipa de Lencastre, após o que estudou na Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa. Dedicou-se ao cineclubismo, como
dirigente do ABC Cineclube, ao jornalismo e à questão do feminismo.
Estreou-se
na poesia em 1960, com “Espelho Inicial”.
Porém, tornou-se conhecida a partir
de “Poesia 61”, momento
em que surgiu o grupo feminista que ajudou a constituir e se começou a afirmar
como uma personalidade avessa a qualquer tipo de obediência. Exemplo disso tem
sido a sua heterodoxa militância feminista, talvez necessária ao tempo, mas
exagerada.
Fez parte do Movimento
Feminista de Portugal juntamente com Maria Isabel Barreno e Maria
Velho da Costa, as Três Marias, tendo lançado em conjunto
o livro Novas Cartas Portuguesas,
que na época teve um forte impacto e gerou larga contestação.
Celebrizada
internacionalmente com a ressonância mediática do conturbado processo judicial
que se seguiu à publicação, em 1972, de Novas Cartas Portuguesas –
obra inspirada nos amores de Mariana Alcoforado, a lendária freira de Beja –,
tornou-se a face visível do feminismo português. David Mourão-Ferreira falou mesmo
de “veemente reivindicação em determinados aspetos da condição feminina”. Mas,
tal como Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (coautoras
do livro), Maria Teresa Horta nunca hipotecou
a obra a essa bandeira, defensora intransigente daquilo a que Camille Paglia
chamou de “teoria pagã da sexualidade”. Com efeito, o seu discurso fortemente
conotativo, ou seja, aberto a múltiplas dimensões de leitura – de ordem
emotiva, cultural ou política – resguarda-se quase sempre atrás da figura do
autor implicado, conceito de W.C. Booth, de acordo com o qual a projeção de um “segundo
eu” não deve confundir-se com a do próprio autor. Isso é nítido em obras
como “Jardim de Inverno”
(1966), “Minha Senhora de Mim” (1971) e “Educação Sentimental”
(1975), livros inaugurais de um ideal libertário raras vezes
expresso em língua portuguesa, ou mesmo em “Destino” (1997), que de algum modo dilui essa pulsão transgressora. Mas talvez seja
oportuno recordar que a sua escrita ainda hoje problematiza as relações da
textualidade com a sexualidade.
Além de
poeta e ficcionista, é jornalista, podendo dividir-se essa atividade em três
períodos: antes do 25 de Abril, quando coordenou, sem preconceito ideológico, o
suplemento “Literatura & Arte”, do vespertino “A Capital” – por onde passaram nomes como Natália Correia, Maria
Isabel Barreno, José Carlos Ary dos Santos, José Saramago, António
Gedeão, Alexandre O’Neill, Mário Cesariny, entre outros grandes nomes
da literatura portuguesa; depois do
25 de Abril, quando, de 1977 a 1989, chefiou a redação da revista “Mulheres”, órgão oficioso do Movimento de
Libertação das Mulheres; e, a partir da queda do muro de Berlim, quando começou
a publicar quase em exclusivo no “Diário de Notícias”. Não obstante, muita da sua colaboração,
da mais variada índole (poesia, recensão literária, entrevistas, crítica de
cinema, textos programáticos, etc.),
encontra-se dispersa por outros jornais, como “O Século”, “Diário de Lisboa”, “República”, “Diário Popular”, “Expresso”, “JL” e “O Diário”; e em revistas, como a “Seara Nova”, o “Vértice”, a “Flama”, a “Eva”, os “Cadernos do Meio Dia”, a “Hidra I”, “Colóquio-Letras”, o “Hífen” e o “Ler”.
A revista “Mulheres”, de que foi chefe de redação é
um projeto pessoal de Maria Teresa Horta e consistiu num projeto feminista,
de forte cunho essencialista, que lhe permitiu entrevistar mulheres de relevo
da política, da cultura e da literatura. Entre elas, contam-se: Maria de Lourdes
Pintasilgo, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras, Maria
Bethânia.
Faceta menos
conhecida é a do seu envolvimento com o movimento cineclubista: dirigiu o ABC Cineclube
de Lisboa (anos 60 e 70) e é autora,
com António Macedo, de “Verão Coincidente”, curta-metragem inspirada num dos seus mais conhecidos poemas.
Da sua episódica atividade de tradutora há que destacar “Ópio”, de Jean Cocteau. Encontra-se representada na generalidade
das antologias de poesia e traduzida em vários países. (vd Dicionário Cronológico de Autores
Portugueses, Vol. VI, Lisboa, 1999).
A sua obra
poética editada em Portugal foi coligida em “Poesia Reunida” (2009), a que se
seguiu “Poemas para Leonor” (2012), “A Dama e o
Unicórnio” (2013), “Anunciações” (2016) – Prémio Autores SPA / Melhor Livro
de Poesia 2017 –, “Poesis” (2017) e “Estranhezas”
(2018).
As suas obras
literárias distribuem-se pela poesia e pela ficção.
Na
poesia,
que é para si uma urgência, temos: Espelho
Inicial (1960); Tatuagem (1961); Cidadelas Submersas (1961); Verão Coincidente (1962); Amor
Habitado (1963); Candelabro (1964); Jardim de Inverno (1966); Cronista Não é Recado (1967); Minha Senhora de Mim (1967); Educação Sentimental (1975); As Mulheres de Abril (1976); Poesia Completa I e II (1960-1982), (1982); Os Anjos (1983); Minha Mãe, Meu Amor (1984); Rosa Sangrenta (1987); Antologia
Poética (1994); Destino (1998); Só de Amor (1999); Antologia Pessoal – 100 Poemas (2003); Inquietude (2006); Les
Sorcières – Feiticeiras (2006) edição
bilíngue; Cem Poemas + 21 inéditos (2007); Palavras Secretas (Antologia) (2007); Poemas do Brasil (2009); Poesia Reunida (1960-2006) (2009); As
Palavras do Corpo (Antologia de poesia erótica) (2012); Poemas para Leonor (2012): Poesis (2017); Estranhezas (2018).
E
na ficção: Ambas as
Mãos sobre o Corpo (1970); Novas Cartas Portuguesas (1971) (obra
conjunta
com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa); Ana (1974); O
Transfer (1984); Ema (1984); A Paixão Segundo Constança H. (1994); A Mãe na Literatura Portuguesa (1999); As Luzes de Leonor (2011); A Dama e o Unicórnio (2013); Meninas (2014).
***
Aqui fica
para mostra um dos seus poemetos
Dúvida
Amor a tua voz e a minha sensação de vácuo
de liberdades paralelas ontem esquinas encontradas no ângulo dos lábios
|
Amor a tua lâmpada de nevoeiro sulcado manhãs de aves súbitas com noites inventadas
nada é o teu rosto insetos de vertigem sem paisagem. |
Tendo escandalizado
o Portugal puritano, foi espancada na rua e ainda encetou o caminho da prisão,
mas sem efetividade. Porém, em democracia, foi reconhecida e galardoada.
Assim, a 8 de
março de 2004, foi feita Grande-Oficial da Ordem do Infante Dom
Henrique pelo Presidente da República Jorge Sampaio.
Foi
galardoada com o Prémio Dom Dinis 2011 da Fundação da Casa
de Mateus pela sua obra “As Luzes de
Leonor”, que aceitou, mas recusou recebê-lo das mãos do
Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, ao qual cabia entregá-lo, alegando
que este estava “a destruir o país”.
No mesmo ano
é galardoada com o Prémio Máxima da Literatura pela mesma obra.
Em 2014,
recebeu o Prémio Consagração de Carreira da Sociedade Portuguesa de
Autores (SPA).
Em 2007,
recusou receber o 4.º Prémio Oceanos, prémio de Literatura em Língua Portuguesa,
atribuído anualmente pelo Itaú Cultural no Brasil, pelo facto de
o ter de partilhar com o autor Bernardo Carvalho e por achar que a sua obra e
os seus leitores merecem mais respeito. O seu livro “Anunciações” (com o qual concorrera ao Prémio Oceanos) ganha o Prémio Autores de 2017 na categoria
Melhor livro de poesia.
As Três
Marias (ela e Maria
Isabel Barreno e Maria Velho da Costa)
encontram-se entre os 50 autores portugueses selecionados por António M. Feijó,
João R. Figueiredo e Miguel Tamen, professores e ensaístas da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, para constar no livro “O
Cânone” publicado pela
editora Tinta da China em 2020.
O Ministério da Cultura português distinguiu-a com a Medalha de Mérito Cultural em 2020.
2020.11.03 - Louro de Carvalho
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